Terça-feira, 16 de Outubro de 2007
Semear futuras crises

Os bancos são o ponto nevrálgico do sistema de pagamentos. Ora, quando este, por alguma razão, é afectado, a economia está condenada a sofrer.

Paul de Grauwe

A recente intervenção dos bancos centrais, que injectaram elevadas somas de dinheiro no mercado para garantir liquidez financeira, suscita algumas dúvidas. Antes de mais, terá sido a decisão mais acertada? Terão os bancos centrais – em particular o Banco Central Europeu (BCE) que injectou no mercado monetário da zona euro mais que o montante combinado dos restantes bancos centrais – dramatizado a situação? Até que ponto estas intervenções poderão semear futuras crises no sistema financeiro?

Os bancos são o ponto nevrálgico do sistema de pagamentos. Ora, quando este, por alguma razão, é afectado, a economia está condenada a sofrer. O mesmo será dizer que o comércio e o investimento são igualmente lesados, e que os bancos e as empresas mais sólidos padecerão das consequências do crédito malparado.

Sendo o sistema de pagamentos um bem colectivo, o banco central deve assumir-se, enquanto credor de último recurso, como garante desse mesmo bem colectivo, o que implica que, em tempos de crise, tenha capacidade para injectar liquidez ilimitada no mercado a fim de garantir o bom funcionamento do sistema de pagamentos.

Embora pareça relativamente simples, um problema se coloca. Os bancos centrais não são apenas responsáveis pela estabilidade presente do sistema de pagamentos; são-no também em termos futuros. E o dilema que se lhes coloca ganha proporções de tragédia grega. A injecção de largas somas no sistema, como aconteceu há duas semanas, acaba por isentar os bancos que procederam mal de toda e qualquer responsabilidade, designadamente aqueles que concederam elevados créditos a ‘hedge funds’ sem pensar nos riscos inerentes ou no grau de iliquidez das suas posições.

Os bancos centrais podem, em princípio, evitar este dilema injectando dinheiro apenas em “bons” activos, o que implica excluir os bancos em dificuldade devido às suas más opções. Na prática, porém, é difícil distinguir entre os bancos que registam problemas temporários de liquidez e aqueles que sobrecarregam os seus balancetes com “maus” empréstimos. Foi precisamente o que aconteceu nesta crise: os bancos anunciaram elevadas perdas, mas foram incapazes de quantificá-las.

Este dilema coloca dois problemas. Primeiro, vai contra o nosso sentido de justiça, na medida em que são dados aos bancos que agiram irresponsavelmente os meios necessários para contornarem a crise. Segundo, a actual estabilidade do mercado propicia crises financeiras no futuro. Porquê? Porque a actuação dos bancos centrais incita os banqueiros prevaricadores a fazerem mais do mesmo. Eis o problema moral para que os economistas alertam com alguma frequência e que releva, em parte, de anteriores operações de “salvamento”. Resumindo, os bancos centrais têm contribuído, e muito, para uma leitura deturpada dos riscos de mercado.

Regresso à pergunta inicial: terão os bancos centrais, e em especial o BCE, tomado a decisão certa? A verdade é que tinham de agir, dado o risco de ruptura ser real. Mas poderiam os bancos centrais ter feito mais para minorar o problema moral? Walter Bagehot, reputado economista britânico do século XIX, defendia que, em tempos de crise, os bancos centrais apenas deveriam assegurar liquidez mediante uma taxa penalizadora. Há duas semanas, os bancos centrais não tomaram este conselho em consideração. Pelo contrário, preferiram inundar o mercado de liquidez sempre que a taxa a curto prazo subia ligeiramente acima da meta fixada. O BCE fê-lo de uma forma gritante, mesmo sabendo que não desencadearia nenhuma catástrofe financeira se decidisse manter a taxa meio ponto percentual abaixo da meta dos 4%.

Uma taxa penalizadora simbólica não iria, obviamente, resolver o problema moral, mas seria a prova de que o BCE está disposto a enfrentá-lo. Em suma, impõem-se reformas drásticas, tendo em conta que os bancos se envolvem cada vez mais em actividades exteriores à moldura reguladora e de supervisão através da transferência do risco para os ‘hedge funds’.

Ora, os bancos que se entregam a estas práticas não devem tomar a protecção dos bancos centrais como garantida. Devem, sim, pagar um preço por ela. Ou seja, têm de aceitar que os ‘hedge funds’ se submetam à mesma moldura reguladora e de supervisão aplicada a outras actividades bancárias. Isto não será fácil porque envolve cooperação internacional, mas é imperativo fazê-lo para que haja estabilidade financeira no futuro.


publicado por psylva às 16:50
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As ideias de Luís Filipe Menezes


03.10.2007, Rui Ramos

 
Um sucesso seu só poderia significar que os portugueses desistiram de qualquer esforço sério para prosperar
Escutemos Mário Soares. No sábado passado, pediu-nos para não nos rirmos. E é preciso que a política portuguesa tenha chegado a um ponto baixo para que o riso seja a reacção mais previsível ao facto de, na noite da última sexta-feira, ter deixado de haver oposição em Portugal. Foi esse o significado da eleição de Luís Filipe Menezes para presidente do PSD, no fim de um processo eleitoral que a sua candidatura sempre denunciou como fraudulento - até ao momento em que lhe deu a vitória. Muita gente, entretanto, já analisou o "estilo populista" de Menezes. Falta tratar das suas ideias (sim, das ideias).
É costume reduzir o PSD à dialéctica comezinha do egoísmo dos "notáveis" e da espontaneidade das "bases". Mas há nesta história mais do que isso. Depois de Cavaco Silva, os líderes do PSD viram-se perante duas apostas possíveis: ou a autonomia da sociedade civil, em contraste com a esquerda; ou o paternalismo de Estado, em confusão com a esquerda. Nunca optaram, deixando o partido dividido, a marinar numa guerra civil, umas vezes exacerbada por zangas pessoais, outras vezes temperada pela comunhão de interesses privados. Ao eleger Menezes, o PSD escolheu finalmente - o pior.
Como explicou a 12 de Julho, no seu blogue, Menezes atribuiu-se a si próprio a missão de "salvar" este Estado Social, exterminando em Portugal a heresia do "capitalismo selvagem". Uns dias antes, fez-se fotografar à mesa com vários antifascistas, em digestão colectiva desse santo propósito. Não há aqui novidade. Há mais de dez anos que Menezes recenseou os seus inimigos: "sulistas, elitistas e liberais". Nesta lista negra, cabe muita gente. Além dos que tiveram o infortúnio de nascer na metade maldita de Portugal, inclui os que aspiram a mais do que à mediocridade, ou preferem outro modelo social, assente na iniciativa e responsabilidade dos cidadãos.
Se Menezes quisesse criar uma alternativa ao actual Governo, precisaria deles. Porque é nas suas aspirações e ideias que estão as melhores razões para uma oposição que pretendesse ser mais do que a mera exploração oportunista e demagógica dos cortes impostos pela viabilização do Estado Social. Menezes julga que a confusão com a esquerda (e a que esta chama "populismo") o levará longe. Talvez não leve. Vai permitir ao Governo, por comparação, fazer figura de esclarecido e respeitável. E se Sócrates fechar menos maternidades nos próximos anos, Menezes arrisca-se a ficar sem assunto, a não ser o da guerra doméstica do partido. Será a oposição virada para dentro.
Menezes, porém, parece confiante. Traz no bolso, por aviar, uma receita singela e indolor para todos os males da pátria. Mostrou-a no debate televisivo com Mendes. Consiste num grande programa de obras públicas acordado com uns quantos construtores civis. Menezes acredita no Estado como motor principal da economia. Perante um Governo que pretende salvar Portugal distribuindo computadores, a sua contraproposta é expandir o betão. Para ele, o país é uma autarquia um pouco maior. Imagina-se, no Governo, como o presidente da Câmara Municipal de Portugal.

O seu panegírico no YouTube exalta-o como "o construtor do futuro dos nossos filhos". Está aqui toda uma mentalidade: a de alguém incapaz de imaginar que possa haver quem prefira que o futuro dos filhos seja obra dos próprios filhos, e não de um qualquer autoproclamado "construtor". Menezes vai funcionar, assim, nos próximos tempos, como um indicador do ânimo nacional: um sucesso seu só poderia significar que os portugueses desistiram de qualquer esforço sério para prosperar através do trabalho competitivo numa economia mundial, conformando-se com o caldo das repartições e obras
públicas.
A vitória de Menezes afunilou os horizontes dos partidos portugueses: tirando o CDS, que optou por tudo sem optar por nada, todos perfilham o estatismo nas suas diversas variantes. De resto, Menezes marcou os limites de uma certa maneira de fazer política. Marques Mendes perdeu quando a sua inocência ideológica o impediu de desmascarar o projecto de Menezes, deixando este surgir simplesmente como o candidato da insatisfação. Com Mendes, perderam todos aqueles que, no PSD, não apareceram e não deixaram que outros aparecessem, convencidos de que lhes convinha manter Mendes, por enquanto, como caseiro no partido. Segundo esses especialistas do "ciclo político", exímios na gestão das ausências e meias tintas, "era cedo". Afinal, era tarde. Mas lembremo-nos do conselho de Mário Soares: é melhor não nos rirmos.



publicado por psylva às 16:48
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Tufão imobiliário

O ‘subprime’ provocou uma derrocada em várias instituições que promoviam este crédito após a escalada imparável e abrupta das taxas de juro.

Tiago Caiado Guerreiro

A crise imobiliária nos EUA tem agitado as bolsas mundiais e tirado o sono aos investidores, estando a ter repercussões nos contribuintes portugueses.

Esta crise com epicentro no denominado crédito à habitação de alto risco nos EUA ( ‘subprime’) manifesta-se menos intensamente no crédito imobiliário em Portugal mas por outro lado tem uma exposição muito elevada no crédito ao consumo. Ora, é do conhecimento público que as famílias portuguesas apresentam um dos mais altos níveis de endividamento na UE, sendo muitas vezes seduzidas pelo canto da sereia do dinheiro fácil vão hipotecando e comprometendo o seu futuro.

Tudo corria bem quando as taxas de juro norte-americanas e europeias estavam a níveis historicamente baixos. Todavia, sendo o ‘subprime’ um crédito de alto risco com taxas variáveis, o subprime provocou uma derrocada em várias instituições que promoviam este crédito após a escalada imparável e abrupta das taxas de juro. O mesmo sucedendo com o crédito híbrido que permite que por exemplo não se pague, ou se pague muito pouco durante 2 ou 3 anos, mas que num futuro próximo faz com que as prestações disparem para valores incomportáveis, impossibilitando muitas famílias de cumprirem as suas obrigações.

Tem-se defendido que o mercado imobiliário português pode estar longe deste epicentro, visto o ‘subprime’ português incidir essencialmente sobre o crédito ao consumo. Contudo, estando em causa as taxas de juro, todos os mercados de crédito estão vulneráveis. Efectivamente, durante o ‘boom’ imobiliário muita gente foi aliciada para a compra de habitação própria beneficiando por um lado, de uma isenção de pagamento de IMI de 5 anos, se o valor patrimonial tributário do imóvel não excedesse os 157 500 euros, ou de 3 anos, se não ultrapassasse os 236 250 euros . Tendo em conta a curta duração deste período transitório, face ao período de financiamento do crédito à habitação para casa própria, muita gente vai começar em breve ou já começou a pagar IMI vendo assim agravada a sua situação financeira. No entanto, as isenções terminaram começando os imóveis a serem alvo de sucessivas penhoras dado os seus proprietários se confrontarem com elevadas e desproporcionadas taxas de imposto sobre os seus próprios tectos, e taxas de juro incomportáveis nos seus créditos à habitação.

Se o preço do dinheiro é uma questão de mercado, já o valor desmesurado de IMI e outras múltiplas taxas municipais representam um claro abuso dos poderes do Estado e das autarquias.

Como se isto não bastasse, as actualizações e reavaliações de todos os imóveis antigos para valores de mercado continuarão anualmente até atingirem os valores de referência (que infelizmente para o contribuinte foram apurados durante o boom imobiliário e que não foram surpreendentemente actualizados). Assim, em muitos casos, o contribuinte está a pagar um imposto sobre um valor patrimonial superior ao actual valor de mercado da sua casa.

No momento em que as receitas fiscais dos impostos sobre o património atingem níveis de cobrança surpreendentes (mais 21% que em 2006 e no meio de uma crise imobiliária), o cenário português ainda a banhos continua autista em relação aos sinais que clamam por reacções sérias que salvem o mercado imobiliário, mas que principalmente salvaguardem a já periclitante situação dos contribuintes. Porém, e até ao momento os anseios dos contribuintes não têm sido ouvidos. Acresce que a resposta continua a ser uma maior pressão sobre estes que vêem aumentar as prestações mensais nos seus créditos à habitação, dada a escalada imparável das taxas de juro, aliada a uma excessiva carga fiscal que tributa, em minha opinião imoralmente, a primeira habitação, a qual é um direito constitucionalmente consagrado e um elemento fundamental da dignidade humana pelo que não deveria ser sujeita a qualquer imposto.

Ora, neste cenário tão complicado não seria este o momento mais apropriado para não só reduzir o IMI e outras taxas sobre todos os contribuintes, mas também acabar com ele na primeira habitação…!?


publicado por psylva às 16:48
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Ordem, custos e esbanjamento

Enfermidades, antes definidas em função da patologia, são agora redefinidas também em função dos hábitos pessoais e do estilo de vida.

José Manuel Moreira

O “Público” da última sexta-feira, talvez para evitar o apetite do caso Scolari ou o fastio do dos McCann, puxou para a primeira página o caso de um hospital que recusou “medicamento inovador a um doente com cancro”. Uma rejeição que terá levado o clínico a apresentar uma queixa pioneira à Ordem dos Médicos.

Queixa a que, segundo o presidente do conselho de oncologia, se seguirão outras porque a restrição de alguns fármacos inovadores “começa a generalizar-se”. Vai daí, Jorge Espírito Santo avança: “Não achamos aceitável que uma prescrição feita por um especialista seja rejeitada e que a comissão de farmácia tenha poder administrativo para isso”, acrescentando que a queixa “será dirimida nos órgãos próprios da OM” e poderá até conduzir a sanções aos médicos da comissão e ao director clínico.

Uma coisa surpreendente é que o doente não é notícia. O principal conflito parece ser entre quem quer receitar um tratamento que custa entre 2.500 a 3.000 euros mês e quem não quer pagar o fármaco em questão que prolonga a sobrevida.

“Num doente que não pode ser curado, temos que usar terapêuticas o menos tóxicas possíveis”, diz o tal dirigente da OM, que até é capaz de “admitir que é necessário haver limites nos gastos com medicamentos”. Mas até onde irão esses limites? Talvez o problema seja mesmo de equilíbrio, mas como o conseguir quando fomos educados – a começar pelos médicos – para a inconsciência dos custos: a saúde não tem preço! Lembram-se do ‘slogan’ universitário ainda hoje respeitado pelo CRUP: “não pagamos”? Ou da saúde como um direito sem mais!

Em 1991, o Ministro da Saúde da Nova Zelândia, quando anunciou o fim do sistema nacional de saúde, disse: “Eu não posso controlar a vida das pessoas, não posso obrigar as pessoas a viver vidas saudáveis, portanto não posso ser considerado responsável pelo seu estado de saúde. Contudo, o que eu tenho de controlar, em nome do Governo, é a despesa pública com os serviços de saúde.”

Palavras de Simon Upton que motivam os governos a falar do direito-dever, e até do controle e penalização dos comportamentos, à medida que enfermidades, antes definidas em função da patologia, passam a ser redefinidas também em função da conduta: hábitos pessoais e o estilo de vida de cada um, tidos agora como o principal substracto em que se fundam as suas raízes a maioria dos factores de risco que, crescendo, acabam por fazer aparecer as principais enfermidades responsáveis na actualidade pela morte das pessoas.

Daí a saga proibicionista de cada vez mais Governos, que sabem que a procura potencial de saúde é virtualmente ilimitada, e até o reforço da ideia de que conservar a saúde é uma responsabilidade pessoal e que recuperar a saúde, quando surge o estado de doença, deve ser também uma decisão pessoal quanto à forma e quanto aos meios.

Uma decisão difícil num sistema como o nosso em que o médico só receita, o doente só consume e quem paga é uma terceira parte: o Estado. Um Estado que, apesar de tudo, começa a ver que o problema já não é o de saber quem está a favor ou contra a redução das despesas, mas onde e como reduzir despesas.

Daí que Governos e cidadãos se disponham cada vez mais a fazer e a aceitar (gostem ou não) cortes orçamentais. As dívidas públicas (com a consequente sobrecarga dos contribuintes actuais e futuros) e outros factores, como o envelhecimento da população, não só impossibilitarão a manutenção como obrigarão à baixa das chamadas despesas sociais, nomeadamente na área da Saúde.

Quiçá esteja a chegar um tempo de grandes mudanças na nossa maneira utilitarista de pensar, em especial, sobre a vida e a morte. E de redescobrir que as pessoas vivem e morrem...

Infelizmente, uma visão irrealista da vida humana, que tudo faz depender de uma abordagem meramente técnica da saúde, continua a impedir-nos de ver por que tantos hospitais são antros de desumanidade, e de aproveitar as palavras do filósofo Júlio Fragata, S. J. quando na fase final de um cancro escrevia: “Na expectativa de tudo o que me pode acontecer, desejo evitar esbanjar aquilo que mais se esbanja neste mundo que é o sofrimento. Porque o sofrimento sem amor é um esbanjamento.”


publicado por psylva às 16:46
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Política, ideias e pessoas
 
[...] Se o PR não fosse Cavaco Silva mas Mário Soares, ou Manuel Alegre, a acção reformista de Sócrates estaria hoje bloqueada.

João Cardoso Rosas

O que será mais importante na política: as ideias ou as pessoas? Para quem vê a política a partir de dentro, enquanto actor, não há nenhuma dúvida quanto à resposta: as pessoas. Grande parte da vida política consiste na construção de fidelidades e dependências, no discernimento entre os amigos, os adversários externos e os inimigos internos. Numa entrevista recente, Jacques Attali, que foi o principal conselheiro do Presidente francês François Mitterrand, dizia que aquilo que mais lhe custava na vida política era passar 95% do tempo – 95%! – a pensar nas pessoas a nomear para os diferentes cargos e posições.

No entanto, apesar das pessoas serem muito importantes na política e no sucesso de qualquer projecto de poder, as ideias não o são menos. Para o compreender é talvez preferível adoptar a posição do espectador dos factos políticos, do que a do actor.

Excluindo aqueles que são puramente oportunistas – e que constituem sempre uma percentagem a considerar –, a generalidade dos actores políticos parece agir de acordo com as suas ideias políticas. Pense-se no Governo de Sócrates. Imagine-se o que seria desse Governo se o ministro dos Negócios Estrangeiros fosse Ana Gomes e não Luís Amado, se o ministro da Educação fosse Ana Benavente em vez de Maria de Lurdes Rodrigues e se o ministro da Saúde fosse António Arnaut em substituição de Correia de Campos, etc. Como é óbvio, seria impossível levar por diante o programa do Governo. Mas isso não se deve às qualidades pessoais dos ministros imaginários aqui referidos. Nenhum deles poderia ser acusado de falta de profissionalismo, ou de desconhecimento das matérias da sua pasta. O problema está no facto de eles terem ideias inconciliáveis com as do Governo.

Da mesma forma, se o Presidente da República não fosse Cavaco Silva mas Mário Soares, ou Manuel Alegre, a acção reformista de Sócrates estaria hoje bloqueada. Mais uma vez, ninguém põe em causa a capacidade dos dois últimos para desempenhar a magistratura presidencial. O problema está nas ideias. Apesar de Cavaco não pertencer à mesma família política de Sócrates, as suas ideias políticas estão muito mais próximas das do Primeiro-Ministro, na maior parte dos assuntos, do que as de Mário Soares ou Manuel Alegre.

Julgo que podemos pensar nas pessoas como bons ou maus condutores de ideias políticas, tal como há materiais que são bons e outros maus condutores de energia térmica. Para cada visão política e para cada programa há bons e maus condutores. Se as pessoas são importantes na política isso deve-se, em boa parte, ao facto de as ideias não existirem no vazio – como pensava Platão – e necessitarem de pessoas para terem influxo real. Mas, de um ponto de vista histórico, as pessoas são quase sempre substituíveis e aquilo que fica são mesmo as ideias e a sua realização institucional.

As ideias são capazes de ocupar as nossas mentes e mobilizar as acções individuais e colectivas. Mas a sua influência na política real nunca é directa – é sempre indirecta. Isto é, a influência das ideias não depende do seu mérito intrínseco, mas da sua capacidade para potenciar as vantagens dos diferentes agentes na tentativa para alcançar o poder e mantê-lo. As ideias, boas ou más, ganham importância social em função do modo como vão ao encontro dos interesses em jogo e conseguem inspirar os principais actores políticos e os seus apoiantes.

Desta forma, sempre indirectamente, as ideias conquistam o mundo. Infelizmente, este facto tanto pode ser positivo como negativo. Algumas das grandes ideias que influenciaram decisivamente o curso do século passado são terríveis: a supremacia da raça ariana, a realização da sociedade comunista, etc. O mesmo se passa hoje com a visão jihadista e terrorista do Islão. Mas também há grandes ideias positivas que fizeram o seu curso na realidade histórica: os direitos humanos, a democracia, a justiça social, etc. Através da colonização das nossas mentes e da determinação dos nossos gestos, portanto, as ideias vão mudando o mundo. Para o melhor e para o pior.


publicado por psylva às 16:45
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Sexta-feira, 13 de Julho de 2007
HÁBITOS DE RICO E A ARTE DE FURTAR
A defesa do consumidor justifica hoje miríades de leis, regulamentos e prescrições. Como todos os exageros, o resultado é em grande medida precisamente o oposto, oprimindo o cidadão para beneficiar alguns interesses instalados.

Desde as regras de construção de edifícios às imposições do Código da Estrada, das embalagens de alimentos às características dos brinquedos e aos limites ao tabaco, a nossa vida desenrola-se sob uma rede intrincada que alegadamente nos protege a saúde e bem-estar. Se a isso juntarmos os meritórios propósitos de promover o ambiente, a eficácia energética, a democracia, a cultura nacional e tantos outros fins, vê-se que estamos bem defendidos.

Em geral esses preceitos são sensatos e convenientes (embora também os haja tolos e ridículos) e, se constituíssem recomendações ou conselhos, seriam contributos preciosos para o tal consumidor. Mas quando se tornam obrigatórios por lei ou directiva europeia, puníveis por pesadas multas e coimas, distorcem e danificam aquilo que pretendem promover. Na realidade, muitas dessas exigências são formas de encarecer os produtos, prejudicando aqueles que dizem beneficiar. Sobrevivemos séculos sem requisitos hoje indispensáveis.

Por detrás das imposições há uma falácia perversa. Elas estão ligadas a preocupações que, em geral, os ricos adoptam voluntariamente, porque têm possibilidades para isso. Forçando-as a todos, a lei diz beneficiar os pobres, a quem garante produtos de qualidade. Mas essas exigêncas pagam-se. As coisas passam a ser boas, legais e inacessíveis. Impor hábitos de rico torna todos mais pobres.

Houve tempos em que comprar um carro era para muitos um sonho irrealista. Agora o rendimento subiu e o preço desceu. Mas também explodiram as despesas adicionais impostas ao automobilista: cintos de segurança, coletes reflectores, seguros obrigatórios, cadeirinhas para crianças, inspecções periódicas, gasolina sem chumbo, etc, etc. Para os ricos, que sempre se esmeram nos extras do automóvel, isso nada traz de novo. Para muitos pobres estas coisas mantêm o carro um sonho irrealista (ou uma actividade fora da lei).

Cada vez que entra num restaurante, o cliente assume um grande risco. A qualidade, higiene, segurança da refeição estão confiadas ao profissionalismo e boa-fé do estabelecimento. A única garantia sólida do consumidor está no interesse do restaurante em ser bom, porque disso depende a sua rentabilidade e sobrevivência. Quando o Estado impõe limitações - muitas tolas, como a proibição de galheteiros ou colheres de pau - apenas contribui para encarecer a refeição, sem adicionar nada de significativo à protecção do consumidor, que continua totalmente nas mãos do cozinheiro.

Se essas leis transformam bons conselhos em custos insuportáveis para os pobres, por que razão são criadas? A resposta, além da fúria controladora dos serviços, está no interesse daqueles que realmente beneficiam com elas. Porque quem ganha com a defesa do consumidor é o produtor.

Para as fábricas de embalagens alimentares, exaustores de fumo, livros escolares, caixilharias de vidros duplos, revestimentos climatizados e tantos outros, a imposição legal dos seus produtos é um grande negócio. Garagens de inspecção, companhias de seguros, médicos de trabalho, estudos de impacto ambiental, licenciamentos camarários e ministeriais, enchem os bolsos à sombra dos regulamentos, atrasando e penalizando a vida aos cidadãos que dizem defender. E depois ainda vêm advogados e organizações de consumidores, que vivem de tratar todas estas obrigações.

Há muitos milénios os bandoleiros da estrada viviam de saquear mercadores. Quando os nobres legalizavam a prática, através de taxas e portagens, a capa de legitimidade mantinha a rapina. Hoje as leis de protecção dos cidadãos constituem em muitos casos uma forma serena de pilhagem equivalente ao velhos assaltos. Já no século XVII o clássico português A Arte de Furtar ensinava que: "os maiores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos de outros ladrões" (c. IV).


publicado por psylva às 14:33
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As reformas da Chrysler

No Estado, uma má decisão leva a uma lei que resolva o problema à custa dos cidadãos.

No mês passado, o construtor automóvel Daimler, que fabrica a emblemática marca Mercedes, vendeu a também mítica Chrysler ao grupo de investidores Cerberus. Uma das várias razões pelas quais este é um negócio notável é que a Cerberus é um fundo de investimentos. Até há poucos anos, seria impensável que uma empresa financeira comprasse uma empresa da dimensão da Chrysler. A operação da Cerberus é mais um sinal do crescimento das empresas de investimento que compram, gerem por uns anos, e depois vendem empresas com grandes lucros.

A razão pela qual escrevo sobre a Chrysler é outra: o preço da operação. Primeiro, retenha alguns dados. A Chrysler tem entre 10% e 15% das vendas no mercado americano de automóveis. Em 2004, teve receitas de cerca de $60 mil milhões. No último ano, teve prejuízos de quase $2 mil milhões, devido a quebras nas vendas em parte provocadas pela subida no preço da gasolina, mas entre 2003 e 2005 deu lucro. A Daimler comprou a Chrysler por $36 mil milhões em 1996.

Depois destes dados, tente adivinhar quanto é que a Daimler recebeu pelo negócio? Aposto que se enganou. Foi… menos de zero. De acordo com as contas do “Economist”, a Daimler pagou $670 milhões à Cerberus para esta ficar com a empresa. Não, não me enganei no verbo: é mesmo pagou e não recebeu. Mais concretamente, a Cerberus entra com $7,4 mil milhões, mas destes $6 mil milhões são investidos na Chrysler directamente e deduzem-se os prejuízos nos próximos meses (provavelmente entre 1 e 2 mil milhões). Para além disso, a Daimler empresta à Cerberus $400 milhões.

Como é possível a Chrysler valer menos que zero? O problema da empresa está nos seus compromissos futuros, que são agora assumidos pela Cerberus. Estima-se que, nos próximos anos, a Chrysler vai ter de desembolsar pelo menos $20 mil milhões para cobrir as despesas com os fundos de saúde e pensões dos seus trabalhadores.

A dívida do sistema de saúde deve-se às suas condições demasiado generosas, que foram negociadas com os sindicatos já há muito tempo. Quando os custos de saúde explodiram na última década nos EUA, a empresa arcou quase sozinha com o aumento.

Maior ainda é a dívida do seu plano de reforma de “benefícios definidos”. Nestes planos, os trabalhadores recebem uma reforma (ou benefício) garantido até à morte cujo valor é determinado pelo salário que recebiam antes da reforma. Logo, a empresa suporta todo o risco na gestão das contribuições dos trabalhadores se não se conseguirem gerar receitas suficientes para pagar as reformas. Ora, na última década, benefícios demasiado optimistas e a subida na esperança de vida levaram a que milhares de empresas americanas vissem os seus fundos de pensão entrar em défice. Foi isto que aconteceu à Chrysler.

A história da Chrysler põe a nu o contraste entre as empresas privadas e o Estado. A Chrysler prometeu reformas acima das suas possibilidades. Porque uma promessa no sector privado é um contrato que tem de ser assumido, a Chrysler tem de pagar. Por isso, não vale nada. Os Estados pelo mundo fora fizeram as mesmas promessas com o sistema de segurança social. Quando percebem que não há dinheiro para pagar, os Estados simplesmente negam os seus compromissos, alterando as regras da segurança social de forma a não pagarem o que tinham prometido. No sector privado, uma má decisão leva à falência; no Estado, uma má decisão leva a uma lei que resolva o problema à custa dos cidadãos.

Esta diferença está agora a esbater-se. De acordo com alguma imprensa financeira, o plano da Cerberus para fazer dinheiro com a Chrysler tem duas partes. Primeiro, impor aos sindicatos cortes drásticos no sistema de saúde dos trabalhadores. Segundo, e sobretudo, usar o seu considerável poder de ‘lobby’ para convencer o público e políticos americanos que o Estado deve assumir as dívidas dos planos de benefícios definidos. Se isto for verdade, a Cerberus vai ganhar milhões com uma operação simples: transferindo dívidas para o único agente económico que as pode quebrar sem problemas, o Estado.


publicado por psylva às 14:33
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O que resta da esquerda?


Não é só em Portugal que a esquerda não é feliz. A esquerda não está bem onde perde, nem onde ganha
Nas últimas semanas, fez falta à esquerda um muro das lamentações. Primeiro, houve choro e ranger de dentes porque o Bloco de Esquerda deixou de ser "revolucionário"; depois, houve desagrado e embaraço por Mário Soares ter voltado a falar como um revolucionário. Todas as teses ficaram assim confirmadas: a daqueles que pensam que a esquerda tem de mudar para continuar a ser relevante, e a daqueles que desconfiam que, por mais que pareça mudada, é sempre a mesma. Há ainda outra tese: a dos que querem convencer-se de que a esquerda deixou de existir. É uma tese muito do agrado daquela direita que não gosta que a esquerda a obrigue a parecer o que é. Mas para uma coisa que não existe ou que deixou de existir, faz muito barulho. Basta reparar na fúria com que o actual Governo de José Sócrates se reclama de esquerda (embora "moderna"), só igual à ânsia com que muitos dos seus críticos e alguns dos seus amigos negam que seja tal coisa.

Desde Fevereiro de 2005 que a rotina manda discutir sobretudo a "crise da direita". Sempre achei imensa graça àqueles que diagnosticam uma crise à direita porque o Governo do PS lhe teria roubado as "bandeiras". Mas se os líderes do maior partido de esquerda precisam de roubar bandeiras ao adversário, quem é que está mesmo em crise? De facto, José Sócrates não roubou ninguém. Limita-se a fazer o necessário para dar mais uns anos de vida ao Estado social. Como não é possível subir mais os impostos, baixa as prestações. Sócrates limitou-se a tropeçar numa velha verdade socialista: o empobrecimento é o preço do controlo da sociedade pelo poder político. Só que nem toda a gente à esquerda está disposta a vazar o cálice da realidade.

Não é só em Portugal que a esquerda não é feliz. A esquerda não está bem onde perde, nem onde ganha. Em França, os socialistas parecem regressados ao ostracismo dos primórdios da V República, antes de Mitterrand. Em Inglaterra, Blair fez dos Trabalhistas o "partido natural de governo", mas à custa de uma crise existencial. Há uns meses, Nick Cohen publicou um livro com um trocadilho no título: What"s left? Como se perguntar o "que é a esquerda" fosse, hoje em dia, perguntar o "que resta da esquerda". O que resta da esquerda é o Estado social e o antiamericanismo, isto é, a adesão a um sistema assente no controlo dos indivíduos pelo poder político, e o ódio àquela que, para o bem e para o mal, é a mais profunda democracia do mundo. É curioso. No século XIX, era ao contrário: era à direita que se detestava a América (isto é, a democracia), e se temia o princípio da liberdade e responsabilidade individuais. Quando se diz que a esquerda precisa de mudar, esquece-se isto: a esquerda mudou, mudou mesmo muito, e é essa mudança que hoje a faz olhar para o mundo como para um labirinto incompreensível.

Regressemos, por exemplo, a John Stuart Mill, cujo centenário passou o ano passado. Hoje é lembrado como um liberal. Mas Mill foi, no seu tempo, um "radical": desejou a extinção da religião revelada e a subversão da hierarquia social. Por isso mesmo, pregou o princípio da autonomia individual contra o Estado. Mill acreditava que, uma vez libertos de constrangimentos, os indivíduos se deixariam convencer pelos melhores argumentos, e que esses argumentos eram os do secularismo e da igualdade, porque constituíam as molas do progresso.
Foi esta confiança que as esquerdas perderam. E à medida que a perderam, passaram a depender cada vez mais do Estado. Hoje em dia, à esquerda estão as forças políticas que acreditam na mentira que Nietzsche disse ter sido contada pelo Estado ("o mais frio de todos os monstros"): "Eu, o Estado, sou o povo." Ora, o Estado nunca é o povo, como em tempos as esquerdas souberam.
Ao contrário do que dão a entender algumas direitas, a esquerda não é dispensável. O consenso à volta da igualdade e do secularismo da vida pública só existirá enquanto esses alicerces do nosso modo de vida tiverem defensores aguerridos, como em tempos os houve à esquerda. Hoje o panorama é aí confuso: a esquerda mais laicista é aquela que, por preconceito antiamericano, mais se dispõe a caminhar ao lado dos profetas do futuro califado; e a esquerda mais igualitarista é aquela que exibe maior zelo por um sistema, o Estado social, que tem sido por todo o lado uma mina para as classes médias e a proverbial madrasta dos mais pobres. Descobrirão as esquerdas um dia que há vida para além do antiamericanismo e do "mais frio de todos os monstros"? Talvez ajudasse ter lido mais Mill e menos Marx, e ler agora mais Nick Cohen e menos Chomsky.



publicado por psylva às 14:32
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O Governo e a Igreja

O ataque à religião a partir do Estado apenas serve para fazer despontar fundamentalismos religiosos.

A imprensa tem difundido o mal-estar actualmente existente entre a hierarquia da Igreja Católica e o Governo. A Igreja andaria insatisfeita com o Governo numa série de questões: o financiamento das IPSS católicas, o pagamento de impostos pelos sacerdotes, a nomeação de capelães para hospitais e serviços prisionais, a proposta de lei sobre a titularidade dos orgãos de comunicação social, etc. Mas há uma outra questão que não é agora mencionada pela imprensa e que acaba por ser mais importante do que aquelas. No referendo sobre a despenalização do aborto a Igreja estava do lado contrário ao do Governo. Foi esse o ponto de ruptura.

Recorde-se que, no rescaldo do referendo, personalidades da área do Governo afirmaram que se estava perante a maior derrota da Igreja desde a Primeira República. Outros, aparentemente mais cuidadosos, limitaram-se a dizer que a vitória no referendo significava um grande impulso de modernização cultural da sociedade portuguesa, remetendo assim os derrotados para uma obscura pré-modernidade. A hierarquia católica tomou nota destes comentários e ficou preocupada. A partir daí só se poderia esperar um crescendo de desconfiança.

Em boa verdade, a desconfiança sempre existiu entre a Igreja e o partido que sustenta o Governo. O partido da Igreja portuguesa é o PSD e não o PS. Este alberga uma visão laicista, directamente influenciada pela tradição do republicanismo português. Como toda a gente sabe, a nossa Primeira República foi anti-católica. Afonso Costa pretenderia acabar com o catolicismo em Portugal no prazo de duas gerações e agiu em conformidade. Ora, uma boa parte do PS é herdeira, de uma forma mais ou menos assumida, deste modo de pensar. Daí a importância que tem ainda hoje, para muitos socialistas, a ideia de um Estado laico como a instância de socialização dominante. O papel que eles reservam ao Estado visa conter ou reduzir os canais habituais de penetração da Igreja na sociedade: escolas, hospitais, instituições de caridade, orgãos de comunicação social, etc.

No entanto, este laicismo republicano-socialista assenta em bases muito frágeis. Ele compreendia-se a luz de teorias típicas do século XIX e há muito desacreditadas, como o saint-simonismo, o positivismo comtiano, ou o marxismo. Todas estas teorias consideravam o cristianismo como algo a ser superado e aspiravam a transformar-se em religiões seculares de substituição: a Igreja Saint-Simoniana, a Igreja Positivista, o Partido dos Trabalhadores Essas religiões seculares tinham a sua organização hierárquica, os seus “sacerdotes”, os seus “livros sagrados”, as suas “liturgias”, e por aí adiante. A religião tradicional deveria ser afastada da esfera pública e, como tal, tornada invisível até ao seu desaparecimento.

Como sabemos, a religião tradicional não desapareceu e os seus sucedâneos laicos acabaram por durar bem menos tempo do que as religiões que pretendiam substituir. O ataque à religião a partir do Estado apenas serve para fazer despontar fundamentalismos religiosos. Fenómenos desse tipo acontecem hoje na Europa em países que foram comunistas, mas não naqueles em que o Estado teve uma atitude de tolerância ou mesmo de colaboração com a Igreja. Há um paradoxo que devia fazer tremer o laicista mais empedernido: os países que têm as sociedades mais secularizadas são aqueles em que o Estado não só não hostilizou a religião tradicional como a tornou religião de Estado: a Inglaterra e os países nórdicos, como a Dinamarca ou a Noruega.

Numa sociedade livre, na qual estão garantidas, na lei e na prática, as liberdades dos cidadãos, o Estado e os seus agentes não têm qualquer razão para hostilizar a religião em geral e muito menos a Igreja Católica. Mas a boa relação entre a Igreja e o Estado não deve ser baseada num raciocínio meramente estratégico. Trata-se de respeitar as escolhas individuais. A identificação com a Igreja Católica é uma parte importante da vida de muitos portugueses e isso não os impede – antes pelo contrário – de ser bons cidadãos num Estado liberal-democrático. Por isso o Governo deve ser firme na construção de boas relações com a Igreja, ainda que contrariando a corrente laicista do PS.


publicado por psylva às 14:31
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Um estado menos “keynesiano”

Parece ser consensual que temos um Estado sem qualidade e demasiado grande para as necessidades do país.



“Quanto mais o governo planeia, mais difícil é para o indivíduo planear”.
Friedrich Hayek (1899-1993)

Uma das questões que de forma recorrente se tem colocado e continua a colocar de forma transversal à sociedade portuguesa, é o papel que o Estado tem registado no contexto nacional. Por definição académica, podemos encontrar dois tipos de comportamentos para esse mesmo Estado: “Keynesiano”, quando assume postura de agente interventor e regulador simultaneamente; moderno ou liberal, quando deixa para a iniciativa privada toda a acção interventora e se limita à função de agente regulador.

O Estado deve (em qualquer circunstância) chamar a si o aprovisionamento de alguns serviços, dos quais destacaria: um serviço nacional de saúde eficiente e que não fosse gerador de excrescências e externelidades negativas; um sistema de segurança nacional que fosse capaz de defender com eficácia as nossas fronteiras físicas e todos os cidadãos no âmbito dos seus direitos, liberdades e garantias, constitucionalmente consagrados e um sistema educativo consequente.

O que se discutem hoje, são estas funções do Estado. Parece ser consensual que temos um Estado sem qualidade e demasiado grande para as necessidades do país. Não só por imperativos de exigência comunitária, mas também para nosso próprio interesse, é urgente equilibrar as nossas contas públicas. Um passo muito importante para que esta situação aconteça é existir um forte decréscimo na despesa pública corrente. Todos falam desta necessidade; todos se referem à inevitabilidade da introdução de um conjunto de medidas reformadoras e correctivas, mas o que temos visto, são “retoques” sem qualquer alcance prático. Uma reforma pressupõe uma rotura. É preciso assumir que só com uma rotura relativamente ao que temos, conseguiremos encontrar o caminho da estabilidade que nos permitirá atingir um nível de desenvolvimento económico distinto e mais próspero.

O Estado tem que ser corajoso e “auto emagrecer-se”. Os próprios servidores do Estado terão que se ver como os trabalhadores da iniciativa privada. Não se entende a razão pela qual o emprego no Estado continua a ser visto como “seguro” e “emprego para toda a vida”, quando ao lado temos trabalhadores que se esforçam tanto (e quiçá mais) que os servidores do Estado, mas que ao se encontrarem no sector têxtil, metalomecânico, cablagens ou de outras indústrias de mão-de-obra intensiva e que têm deslocado a sua produção para fora das nossas fronteiras, se vêm compulsivamente colocados no desemprego. Não se entendem estes privilégios e outras tantas prebendas para os servidores do Estado. Creio que os serviços do Estado geridos numa óptica de gestão liberal, com objectivos por ministério e dentro destes por colaborador, aportariam ‘out-puts’ bem distintos. Ao mesmo tempo responsabilizar-se-iam todos aqueles que não cumprem objectivos, tal como na iniciativa privada, com reflexo directo no nível salarial e de progressão na carreira. Não se pode continuar a assobiar para o ar. Compreende-se a posição dos sindicatos afectos ao sector público. Fazem o seu papel. Mas o papel do Estado é diferente. Compete-lhe demonstrar que não necessita de tantos servidores e como acontece com a iniciativa privada, alguns terão que procurar ocupação nessa mesma iniciativa privada.

Um Estado que congregue colaboradores acomodados e “seguros”, é um Estado fraco. É um Estado que não consegue gerir da melhor forma o dinheiro dos nossos impostos. É um Estado que tem medo de executar medidas, que apesar de impopulares, serão imprescindíveis e um Estado não se deve deixar guiar por atitudes impopulares.

Não podemos continuar a assistir (como a semana passada a televisão do Estado mostrou no seu telejornal), à decisão de um jovem ingressar no Estado, colocando em primeiro lugar a “segurança” que tal compaginava e não porque o conteúdo da função fosse mais importante. É esta lógica que está pervertida e que é preciso mudar com urgência. Assim não falte a já referida coragem política, para as reformas que já deveriam estar em curso. É que cada dia que passa e tudo fica na mesma, maior é o fosso entre um Estado Keynesiano indesejável e um Estado moderno e liberal, que é imperativo para o nosso desenvolvimento.


publicado por psylva às 14:30
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