Sábado, 1 de Janeiro de 2005
"Small is beautiful"
O ano vivido na bolsa nacional ficou aquém de 2003, com o principal índice a registar uma valorização de 12,64%, menos dos que os 15,84% do ano passado. Mesmo assim, 2004 fica nos registos como o fim de um período de dois anos consecutivos de subida da bolsa, um fenómeno que já não se verificava desde o biénio terminado em 1999.

O PSI-20 [Cot] fechou o ano num número redondo, 7.600,16 pontos, um valor cerca de metade do máximo de sempre atingido em Março de 2000 nos 14.822 pontos, mas acima dos fechos de final de ano de 2002 e 2003.

A valorização de 12,64% este ano veio trazer a confirmação da ideia de que o mercado de capitais voltou a ser uma forma atractiva de investimento, numa altura em que as baixas taxas de juro praticadas e a estagnação económica impedem que os depósitos a prazo registem retornos reais positivos.

No PSI-20 a maior valorização pertenceu à Impresa (ver tabela em baixo), com um ganho de 65,71%, surgindo depois a Sonae SGPS e a Sonaecom com subidas anuais de 62,12% e 60,34%, respectivamente. A Corticeira Amorim destoou, pois foi o único título do índice a apurar um saldo anual negativo: desvalorizou 7,83%.

No PSI Geral, que em 2004 avançou 17,54%, a Reditus protagonizou a maior subida (+204,41%), enquanto a Fisipe lidera a lista das maiores quedas (-28,57%).


publicado por psylva às 22:36
link do post | comentar | favorito

Desejo para o novo ano
No ano de 2005 o défice das contas públicas vai ser eliminado e a ninguém faltará pão, as mulheres ficarão magras sem dieta e perfeitas sem bisturi, todas as empresas vão pagar impostos e estes vão ser aplicados em Saúde, Educação e Ciência...

... a pedofilia vai acabar e com ela muitos outros crimes, os homicídios, os roubos, as ofensas corporais e as violações, os aviões vão descolar a tempo e horas e as hospedeiras vão ser simpáticas, pessoas normais sucederão a Bush e a Sharon, a despoluição do Ave será total e os lixos tóxicos deixarão de estar escondidos algures onde ninguém vê, haverá paz no Médio Oriente e sensatez para os lados da Coreia, o politicamente conveniente vai dar lugar ao socialmente útil e a ”má moeda” vai sair de circulação, o Benfica sem Argel vai ganhar o campeonato nacional, o campeonato europeu, o campeonato mundial e tudo o mais que houver, o tabaco vai ser bom para a circulação e o alcool regenerador para o fígado, José Saramago regressará a casa e junto com Phillip Roth, Tom Wolfe, Martin Amis e João Ubaldo escreverão como polígrafos as páginas do nosso desassossego, uma mulher será eleita para a Presidência da República, toda a ceia de Natal vai ser regada com ”Barca Velha” e acompanhada de bacalhau de posta alta e perú de crista dourada, os juros vão descer e a produtividade disparar, a especulação financeira será destronada pela estratégia económica, Alberto João Jardim vai hibernar para Bangui, os ”patos bravos” serão abatidos pelos perseguidores da qualidade de vida, a Madeira financiará o FMI, a fórmula da fusão a frio será desvelada e a dependência petrolífera acabará, a dívida externa dos países subdesenvolvidos será remida, teremos muitos e bons alunos nas escolas e poucas filas nos hospitais, não haverá mais publicidade no correio nem telemóveis nos concertos, recitais, teatros e restaurantes, o desemprego vai diminuir e o ordenado mínimo triplicar, o único incêndio estival vai ocorrer na ”Quinta das Celebridades”, cada homem terá direito a uma modelo e cada mulher a um cavalheiro, o ”24 Horas” vai falir e a RTP terá lucro e charme, a cura do cancro, da morte súbita e da arrogância vai ser distribuída nas farmácias, a Constituição garantirá um mês de férias em Bali e outro em Aspen, todos os pediatras atenderão às urgências dos pais e de cara alegre, não mais se morrerá nas estradas nem se desesperará no trânsito, os polícias serão atléticos e prestáveis, o fim-de-semana passará a ter três dias, elas serão duras sem silicone e eles sem prescrição médica, jamais se passará o Natal a comprar tudo o que não presta para se dar a quem não precisa, o trabalho será um prazer remunerado, ninguém mais cuspirá para o chão, alguns políticos e futebolistas vão aprender a conjugar o verbo ”intervir”, as sentenças judiciais serão justas e rápidas, o ”cepticismo militante” abondonará as minhas crónicas. ‘Certum est quia impossibile est’? ”Fomos feitos para a esperança no milagre” – disse Vinicius de Moraes –, nem que seja por... um só dia! Bom ano.


publicado por psylva às 22:33
link do post | comentar | favorito

As notas da "mão invisivel"
ANÍBAL CAVACO SILVA - Continua a ser uma das grandes referências políticas do nosso país.

Quando fala o país ouve-o embevecido, pois mesmo aqueles que dele discordam reconhecem-lhe qualidade, conhecimento, em suma profundidade, ao contrário do que se verifica com muitos dos actuais políticos cuja superficialidade é constrangedora. Vai ser o candidato à presidência, como se confirmará em 2005, de todos os que preferem a eficiência ao mediatismo e a realidade à aparência.

ANTÓNIO GUTERRES - Depois de ter terminado, como é usual quando se está prestes a abandonar, o poder em solidão, tem vindo a preparar o seu renascimento como candidato presidencial. As suas últimas intervenções públicas confirmam que não é dele que o país precisa face aos tempos actuais e que se avizinham. Esperemos que os portugueses mantenham fresca a sua memória.

DURÃO BARROSO - O actual presidente da União Europeia – cargo que nos orgulha – nunca pensou, nem nos seus piores sonhos, que após a sua saída se sucederia esta enxurrada de factos políticos. Não é fácil explicar aos portugueses que está absolutamente isento de responsabilidade, ainda que indirecta. Não deixa, no entanto, de ser curioso que muitos dos que o atacaram tenham saudades dele.

FRANCISCO LOUÇà - Representa a esquerda intelectual, de discurso contundente, esperto e demagogo. O facto de liderar um partido de contra-poder permite que assuma posições populistas e, por vezes, enganadoras. É interessante e divertido ouvi-lo, mas saber que não chegará – esperamos!!! – ao poder permite-nos dormir descansados; aliás, se chegar corre o risco de desaparecer.

JERÓNIMO DE SOUSA - O novo líder comunista em vez de alargar a base de eleitorado diminui-a, mas, em contrapartida, assegura a manutenção do poder da linha dura do partido. Parece ignorar que o autismo que afecta o seu partido poderá levá-lo a tornar-se num ser vegetativo. As reiteradas incriminações por delito de opinião dos seus membros são bem demonstrativas que é um partido anacrónico que nem a constante ”hemorragia eleitoral” permite perceber que o caminho está errado. É um partido que revela dificuldades em coexistir com a democracia.

JORGE SAMPAIO - O processo de dissolução da Assembleia da República correu formalmente mal; e não se diga que a forma é pouco relevante. Também quanto à substância não está isento de reparos. De qualquer forma continua a ser para os portugueses o garante institucional, o que demonstra o erro de o envolver em querelas partidárias.

JOSÉ SÓCRATES - O novo líder do PS está a um passo, de acordo com as sondagens, de ganhar as eleições. Nada fez para o merecer, o seu projecto é desconhecido e a sua equipa ignorada; o pouco que se sabe e se vê lembra Guterres, o que para o país não augura nada de bom e que bem pior será se, por acaso, tiver maioria absoluta.

LUÍS MARQUES MENDES - Teve a coragem de dizer em voz alta, o que muitos pensavam mas a dependência política não lhes permitiam afirmar. Disse-o no sítio certo e o partido sabe que, em momentos como os que se aproximam, a sua experiência, capacidade e sentido de Estado são cruciais para o eleitorado. É indispensável para os próximos desafios.

PAULO PORTAS - Sai de 2004 demonstrando, aos mais cépticos, que em política só depois de ”morto e enterrado” é que se está extinto. Viveu momentos muito complicados e adversos, mas a sua força – como lhe reconhecem mesmo os seus adversários – e a mudança de líder no PSD jogaram a seu favor. Em 2005 não terá uma tarefa fácil – a acreditar nas sondagens – mas o seu lugar - pelo menos o de líder - parece estar garantido.

PEDRO SANTANA LOPES - O actual líder do PSD joga nestas eleições o seu futuro político. Muitos anunciam o seu final como actor político, mas convém não passar já a ”certidão de óbito”, pois o futuro pode reservar algumas surpresas. O ano de 2005 será o da confirmação, seja do que for.


publicado por psylva às 22:30
link do post | comentar | favorito

O sistema fiscal
A importância que o sistema fiscal assume - entendido este, de forma simples, como o conjunto de impostos vigente num determinado país ou espaço geográfico -, levou a que historicamente sempre existissem preocupações sobre as características que o mesmo deveria revestir.
A importância que o sistema fiscal assume - entendido este, de forma simples, como o conjunto de impostos vigente num determinado país ou espaço geográfico -, levou a que historicamente sempre existissem preocupações sobre as características que o mesmo deveria revestir.

Já em 1776, na obra «O Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações», Adam Smith identificava as «quatro máximas» a que devem obedecer os impostos, a saber/recordar:

Máxima I: «Os súbditos de todos os Estados devem contribuir para a manutenção do governo, tanto quanto possível em proporção das respectivas capacidades».

Máxima II: «O imposto que todo o indivíduo é obrigado a pagar deve ser certo e não arbitrário. O tempo de pagamento, o modo de pagamento, o quantitativo a ser pago, tudo deve ser claro e simples para o contribuinte e para todas as outras pessoas».

Máxima III: «Todo o imposto deve ser lançado no tempo ou modo mais provável de ser conveniente para o contribuinte o pagar».

Máxima IV: «Todo o imposto deve ser arquitectado tão bem que tire o mínimo possível do bolso das pessoas para além do que traz para o erário público». Ainda que marcadas pelo tempo estas máximas - que modernamente designaríamos por requisitos de justiça, certeza e baixos custos de cumprimento e de administração -, continuam a integrar qualquer sistemática de características desejáveis de um «bom sistema fiscal».

A eles se acrescentariam hoje os objectivos da flexibilidade conjuntural e da produtividade financeira, ausentes da proposta de Smith, pela confiança quase absoluta que os autores clássicos depositavam nas virtualidades do mercado e nas forças da concorrência, como instrumentos para alcançar a estabilidade económica e o bem-estar social.

Torna-se compreensível que face às características e exigências referidas, as estruturas fiscais concretas se possam afastar, na prática, de alguns desses princípios, nomeadamente por que concebidas e limitadas por um conjunto de influências de carácter económico, social e político, não raramente conflituantes, e de que falámos em crónicas anteriores.

É assim que, por exemplo, podem surgir dificuldades de conciliação entre os objectivos da simplicidade e da equidade (veja-se o caso dos modernos impostos sobre o rendimento pessoal); da distribuição do rendimento e da estabilização (penalização fiscal do consumo com maior incidência nas populações mais pobres); da eficácia financeira e da neutralidade fiscal (aumento das taxas de tributação com maior distorção nas escolhas económicas); etc. A este propósito, é célebre a descrição efectuada por Smith dos efeitos da tributação imobiliária, em vigor na Inglaterra do séc. XVIII, sobre o aspecto exterior dos prédios.

Era o caso do chamado «imposto de janela», que era estabelecido em função da existência e do número destas (aumentava gradualmente, atingindo um máximo de 2 xelins no caso de imóveis com 25 janelas ou mais).

A reacção lógica dos contribuintes foi a redução do número de janelas dos edifícios então construídos, o que passou a constituir uma característica da arquitectura da época. É evidente que não era este o objectivo do legislador, mas antes o de tributar o património, sendo o número de janelas de cada habitação um indicador, que se pretendia relevante, do valor patrimonial respectivo; contudo o resultado foi o de diminuir a luminosidade das habitações tornando as casas mais escuras!

Mais recentemente, e em Portugal, foi também elucidativa a grande procura que, nos finais dos anos 90 e nos meios urbanos, tiveram os veículos movidos a gasóleo e do tipo «todo-o-terreno» e «pick-ups», resultado de uma «protecção fiscal» cuja justificação, do ponto de vista económico, era bastante discutível (apoio ao sector agrícola), e que permitiu um humorado comentário do (já falecido) deputado Lino de Carvalho, afirmando que na Avenida de Roma existia a maior concentração de «agricultores» do país.

Não admira, portanto, que uma das preocupações mais insistentemente reafirmadas em anos recentes (vide OCDE) diga respeito aos (eventuais) efeitos desincentivadores que as opções e práticas fiscais dos governos podem exercer sobre a disponibilidade para trabalhar, o espírito de risco e iniciativa, a poupança, etc?

Bem como sobre a eficácia e efectividade do uso dos instrumentos fiscais, como os benefícios e incentivos, para impulsionar o crescimento económico. Pelo que o objectivo a este nível será sempre o de promover e alcançar uma combinação de características que permita retirar a máxima vantagem da estrutura e do sistema fiscal existentes, quer em termos de equidade, quer de eficiência económica e administrativa.

É esse naturalmente o «sonho» de qualquer governo e respectivo ministro das finanças, que aspiram a que os seus concidadãos sintam e digam como o juiz Oliver Holmes (1841-1935): «Gosto de pagar impostos; graças a eles ofereço a mim próprio a civilização»!


publicado por psylva às 22:23
link do post | comentar | favorito

Custo de vida
Os países: Alemanha, R.U., Espanha, Itália, Áustria, Portugal, França, Holanda e Bélgica. Os produtos: desde material audio, de video e fotográfico, a máquinas de barbear, produtos de higiene, calçado e confecções, passando por relógios, lazer e bricolage.

Conclusão? Lisboa (index de 105) é ‘ex-aequo’ com Paris (!) a terceira capital mais cara. Abaixo de Haia (106) e Bruxelas (108). Acima de Viena (104), Roma (104), Madrid (101), e Berlim e Londres (100). Num índice de 100 (mínimo) até 108 (máximo).

Eurostat. Na classe alimentação, bebidas e tabaco, os portugueses pagam +11% que os espanhóis. Grécia? 2% mais barato que Portugal.

Novidade? Não. De facto, desde o “Portugal Europeu?” com M. Frasquilho e M. Jorge que tem sido questionada a ideia, antiga, generalizada e errada, de que – por ter os mais baixos salários da UE-15 – os seus preços portugueses também o seriam proporcionalmente. Não é verdade. Andam perto da média. E ao fim e ao cabo nada existe aqui nada de surpreendente. Porque haveriam os preços portugueses de ser os mais baixos europeus? Porquê surpreender-nos com o natural?
Não é só (nem sobretudo) o problema do IVA ou outros impostos (sobre automóveis, etc.). Há muitas outras causas. Em muitas empresas portuguesas o seu diferencial de produtividade face às estrangeiras é maior que o salarial. Logo, para sobreviver há que subir os preços.

As multinacionais, essas têm a produção centralizada em umas poucas grandes fábricas servindo toda a Europa. Localizadas geralmente no centro europeu, chegar a Portugal representa custos de transporte mais altos. Depois, além dos fornecedores (portugueses e estrangeiros) há a distribuição. Mais concentrada em Portugal que em Itália, Espanha e Alemanha.

Na formação dos preços, a lei proíbe – sob a acusação de ‘dumping’ e a pena de multas – que as verbas dos contratos anuais entre fornecedores e distribuidores (para topos, aberturas, aniversários, entradas em linha, revistas, etc.) sejam considerados como verdadeiros descontos e consequentemente abatidos nos preços de venda.

Seguem-se outros custos: invisíveis (os atrasos nos licenciamentos); visíveis (o preço do imobiliário e construção civil); e o arcaísmo de muitas lojas de proximidade: sem optimizar a sua ligação a centrais de compras, o que lhes permitiria praticar preços muito mais competitivos.

Quem paga tudo isto? O consumidor português. Por isso as cervejas, bolachas e outros bens de consumo de marcas portuguesas são mais baratos em Rosal de la Frontera do que em Serpa. Em Ayamonte do que em Vila Real de Santo António. Em Tuy do que em Valença.

E, assim, os portugueses além de mal pagos são bem apreçados. Facto que há muitos anos, dezenas de milhares de donas de casa que atravessem a fronteira já sabem. E facto que, recentemente, até alguns economistas estão a acabar por descobrir.

Lembrando que, como dizia Edgar Allan Poe, para alguns o mais difícil é ver o óbvio.



publicado por psylva às 22:22
link do post | comentar | favorito

Algumas Falácias na Privatização de Serviços Públicos
Bennett McCallum, num artigo publicado em 1995 (1), referia as duas falácias que dominavam a discussão sobre a independência dos Bancos Centrais (BC). A moda era a "independência" e tudo o que ajudasse a "provar" os malefícios da não independência era bem vindo. A primeira falácia pressupunha que um BC não independente, sob o pretexto da redução da taxa de desemprego, contribuiria ele próprio para aumentar a inflação. A segunda falácia resultava da suposição que se o Governo fizesse um contrato, formal ou informal, com um BC independente do poder político, ele passaria a ter um comportamento eficiente. Quanto à primeira, McCallum, depois de se perguntar porquê atribuir a um BC não independente a prática sistemática de erros de política, insistia que o funcionamento dos BC não os obrigava a comportarem-se daquela forma não eficiente. No que respeita à segunda, ele chamava a atenção para o facto do problema não ser resolvido, mas sim recolocado ("it merely relocates it", p. 210).

Vem isto a propósito de quê? Tornou-se hoje um lugar comum falar da ineficácia das instituições estatais. Podendo o aprovisionamento da economia em bens públicos ser feito através de organizações privadas, o caminho está aberto para que esses serviços passem a ser feitos por estas organizações. Ora é aqui que entram os argumentos de McCallum. Por que razão têm esses bens de ser fornecidos de forma ineficiente? A tecnologia "eficiente" apenas é conhecida por agentes privados? Existe alguma característica tecnológica que impeça a eficiência quando produzidos pelo Estado? Trata-se da primeira falácia. Vejamos a segunda. Que milagre permite que a passagem da sua produção para privados resolva os problemas que são encontrados aquando da sua produção pelo Estado? Por vezes esta falácia surge escamoteada na entrega da produção à "iniciativa privada". Ora foi justamente porque a dita iniciativa não actuava, não podia actuar ou actuava mal, que esses bens foram produzidos pelo Estado. Estas duas falácias pretendem fazer passar um discurso político como um discurso técnico, um discurso económico e que por isso seria "neutral", mais conforme ao "interesse geral", não se limitando a satisfazer interesses de burocratas de Estado. Os Dulcamara sempre venderam os seus elixires. É verdade que a segunda falácia é por vezes acautelada: para "vigiar" a produção, em quantidade e em qualidade, é necessária uma entidade externa, "independente", que zele pelo "interesse geral". Trata-se afinal da segunda falácia ao quadrado. Robert Chang (2) apresentou-a como o problema do pai do Paco. Tendo ele mau aproveitamento escolar, que fez o espertalhão do pai? Arranjou um tutor. E já está! O problema foi resolvido! Tal como o Doutor Dulcamara já sabia, o elixir funcionaria se seguido por nova dose. O pai do Paco resolverá o problema arranjando um "inspector" para o tutor. Assim saberá se aquele último resolve o problema que ele sabiamente "resolveu". O problema de Nemorino era de mais fácil resolução. A solução do problema de mera recolocação da segunda falácia facilmente passa para uma segunda falácia ao cubo. Quem cuida de zelar pela correcção do comportamento da dita "entidade independente"? Não chegámos ainda à necessidade de "entidades supra-independentes", porque seriam claras as falhas do raciocínio.

A velha ideia do "político" esquizofrénico foi há muito abandonada. O governante não é o agente que procura o "interesse geral", em funções governativas, e o interesse pessoal, abandonadas estas. Que quero dizer? Primeiro, que o interesse dos actuais políticos por estas ideias nada deve ao "interesse geral". Segundo, que admitir a assunção de independência do inspector do tutor de Paco é gozar com o pai deste. Vejamos o primeiro caso. Estou convencido que se os tempos fossem de prosperidade a dita "iniciativa privada" não olhava com apetite para a "cereja" meia seca dos serviços públicos. A cedência a produtores privados de produções do sector público é uma das saídas para criar rendas de posição dos actuais políticos. Como agentes, optimizam a sua utilidade inter-temporal, é essa a sua visão do "interesse geral". As democracias têm funcionado bem porque as instituições democráticas são um entrave a esta optimização. Se convencerem que as suas opções são apenas a procura do mais eficiente, então estas restrições tornam-se menos fortes. A segunda questão é que não percebo como aceitar a ideia de independência, de alguém ou de uma instituição, pelo simples facto de lhe chamarmos "independente".

Criamos empresas que obedecem a uma "lógica privada", e entregamos a outras, a produção de bens até aqui produzidos pelo Estado. A ignorância das falácias de McCallum é essencial à sua justificação. A pouca vergonha é tal que até os políticos querem fazer parte das administrações dessas empresas. Os políticos que decidiram a sua criação! E que vamos ter? O fenómeno designado por "cherry-picking". São retiradas ao Estado produções com receitas consideráveis. Hoje as mais apetitosas, amanhã as que forem restando... Chegamos à situação em que o que resta não origina receitas de relevo! Atingiremos a "pauperização" dos serviços do Estado, a confirmação que as instituições públicas são verdadeiros exemplos de ineficiência.

O aprovisionamento de bens públicos é em geral feito em condições de ausência de concorrência. Não lhe devemos por isso chamar de "iniciativa privada". Não existindo concorrência e não havendo a possibilidade de insolvência destes produtores privados, porque o aprovisionamento tem de ser feito, deixam de existir as restrições que fazem a "eficiência" da produção privada (3).

Notas: (1) "Two Fallacies Concerning Central-Bank Independence", American Economic Review, May, 1995, pp. 207-11; (2) "Policy Credibility and the Design of Central Banks", FRB of Atlanta, QI, 1998; (3) Como chamou a atenção o Prof. João Jerreira do Amaral em artigo do Expresso em 30 de Outubro p.p..



publicado por psylva às 22:21
link do post | comentar | favorito

Peritos independentes vão vigiar finanças públicas

Todas as conclusões que têm saído dos fóruns de reflexão organizados por José Sócrates para debater o tema com economistas independentes e do PS apontam para a necessidade de reforçar o rigor orçamental e recusar a adopção de políticas pró-cíclica

A criação de um Comité de Política Fiscal, composto por peritos independentes, como acontece no Reino Unido, e a elaboração de uma carta/compromisso de transparência orçamental, como existe na Suécia, na Nova Zelândia ou na Noruega, são propostas que estão a ser analisadas no âmbito das "Novas Fronteiras" do PS, onde está a ser ultimado um projecto de Finanças Públicas. Os socialistas contam com as colaborações de economistas independentes como Teodora Cardoso, José Silva Lopes, presidente do Montepio Geral, Manuel Pinho, administrador do Grupo Espírito Santo, Luís Campos e Cunha, presidente da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, Amaral Tomás (pai do IVA), consultor do FMI, Àlvaro Pina, professor no ISEG, e Fernando Teixeira dos Santos, presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.


publicado por psylva às 22:20
link do post | comentar | favorito

O Portugal de Eça de Queirós
Isso foi pretexto para vários comentadores notarem a semelhança entre as tristes descrições do genial romancista e as actuais. Ler os textos de 1871-72 é como ler os nossos jornais.

Ninguém referiu o profundo abismo que nos separa do Portugal de Eça.

A nossa taxa de mortalidade infantil nos finais do século XIX andava pelas 150 mortes por mil nascimentos; agora está em quatro. O analfabetismo caiu de 88% para menos de 9%. A esperança de vida ao nascer subiu de menos de 40 anos para mais de 75 e o nível de vida aumentou quase 40 vezes no período. O Portugal d'As Farpas estaria hoje ao nível da Serra Leoa, Tanzânia ou Burundi. A violenta prosa de Eça criticava outro mundo.

Mas em certo aspecto a semelhança é justa e adequada. Se no campo económico-social o País ultrapassou os seus sonhos mais ambiciosos, há coisas que se mantiveram ou até pioraram. Por exemplo, a qualidade dos políticos não subiu e a dos comentadores degradou-se muito desde o tempo em que a assinatura era de Eça ou Ramalho. Sobretudo permaneceu o elemento que estava no centro da crítica d'As Farpas e que volta a estar no núcleo da actual crise.

Este processo desde 1974 está ligado a três D's. Nos primeiros dez anos a preocupação central foi a Democratização; nos dez seguintes foi o Desenvolvimento; nos últimos dez anos veio a Dissipação. Passados os choques da revolução de Soares e da Europa de Cavaco, deu-se uma imperceptível mudança estrutural na sociedade. Desde Guterres, o País aproximou-se decisivamente do Portugal de Eça.

Basta abrir os jornais para notar que as preocupações nacionais centram-se hoje em vários grupos, com apenas uma única coisa em comum o seu sucesso é independente do progresso.

Políticos, jornalistas, funcionários, juízes, médicos, professores, polícias, militares, diplomatas são pessoas excelentes, com serviços decisivos ao País. Mas as suas promoções e remunerações estão, em geral, desligadas da dinâmica económica. O seu prestígio, carreira e salário provêm, não da competência e qualidade, mas de prescrições administrativas, regras burocráticas, negociações partidárias. São os primeiros a saber que, mesmo que o País estagne, vivem seguros e recebem diuturnidades.

O resultado está à vista. A recente divergência face à Europa não é grave, pois um país afasta-se sempre da média do grupo quando entra em queda. Preocupante é a hesitação e apatia da presente recuperação. Nestes meses de retoma da actividade, a economia portuguesa não reganha a vivacidade posterior às duas últimas recessões. O investimento não acelera. A Grécia e a Eslovénia já nos ultrapassaram. A paralisia vem dos que abancaram à mesa do Orçamento.

Ninguém como Eça para o descrever «Fomos outrora o povo do caldo da portaria, das procissões, da navalha e da taberna. Compreendeu-se que esta situação era um aviltamento da dignidade humana: fizemos muitas revoluções para sair dela. Ficamos exactamente em condições idênticas. O caldo da portaria não acabou. Não é já como outrora uma multidão pitoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros, que o vai buscar alegremente, ao meio-dia, cantando o Bendito; é uma classe inteira que vive dele, de chapéu alto e paletó. Este caldo é o Estado.» (op.cit.p.29).


publicado por psylva às 22:18
link do post | comentar | favorito

mais sobre mim
pesquisar
 
Outubro 2007
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

14
15
17
18
19
20

21
22
23
24
25
26
27

28
29
30
31


posts recentes

Semear futuras crises

As ideias de Luís Filipe ...

Tufão imobiliário

Ordem, custos e esbanjame...

Política, ideias e pessoa...

HÁBITOS DE RICO E A ARTE ...

As reformas da Chrysler

O que resta da esquerda?

O Governo e a Igreja

Um estado menos “keynesia...

arquivos

Outubro 2007

Julho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

blogs SAPO
subscrever feeds