Segunda-feira, 20 de Março de 2006
Pequenos passos



João Cardoso Rosas




Não se preocupem os partidários de planos, tecnológicos ou outros. A engenharia social gradual não impede que existam grandes desígnios.

Recordam-se das reformas estruturais? Durante anos não se falou de outra coisa. Era preciso reformar estruturalmente a segurança social, a educação, a saúde, a administração pública, as autarquias locais, e por aí fora. Quanto mais se falava, menos se fazia. Também é verdade que a maior parte dos que reclamavam reformas estruturais não sabiam exactamente do que estavam a falar. Se lhes dissessem “Então explique lá em que consiste a reforma estrutural da saúde”, por exemplo, poderiam sugerir umas coisas vagas, do tipo de abrir à concorrência privada (o quê? como? para quê?), mas não passariam disso.

A ideia das reformas estruturais era óptima porque permitia explicar tudo e mais alguma coisa sem explicar nada. Há défice orçamental? É porque não se fizeram as reformas estruturais em devido tempo. A saúde vai mal? Pois é, continuamos à espera da reforma estrutural. Então a educação? Uma miséria: não vamos a lado nenhum sem a (enésima) reforma estrutural. A administração pública? Ó meu amigo, isto sem uma reforma estrutural nunca mais lá vai.

Quando a direita foi para o poder, com Barroso e Santana Lopes, estava-se no ponto mais alto do discurso das reformas estruturais. Todos ficámos suspensos da catadupa de reformas, todas elas muito estruturais, que se preparava. Para surpresa nossa e do mundo em geral, elas não vieram. Ainda bem. Mas teria sido melhor que, deixando a retórica das reformas estruturais para trás, tivessem sido dados mais passos numa direcção verdadeiramente reformista.

A ideia geral de reformas estruturais corresponde à velha máxima de mudar tudo para que fique tudo na mesma. Este tipo de abordagem tem um grande apelo para os reformadores sociais. Eles gostam de ver no papel o plano das maravilhas que vão realizar – e às quais o seu nome ficará indelevelmente ligado – e estão menos preocupados com o resultado final. Isto é exactamente o contrário do recomendável. Em políticas públicas, as intenções de pouco importam. O que é relevante é a avaliação dos resultados.

Apesar do apelo que as reformas estruturais possam ter para muitos, qualquer pessoa que já tenha tido experiência de direcção ou gestão, pública ou privada, sabe que elas de nada ou de pouco servem. Quando queremos melhorar o funcionamento de um serviço, por exemplo, o mais importante consiste em escolher as pessoas certas para o lugar, em criar incentivos, em determinar os estrangulamentos e mudar cirurgicamente o que não funciona, etc. Às vezes, poderá dar jeito modificar uma alínea da lei ou de algum regulamento interno, mas a maior parte das coisas faz-se na prática e não na teoria ou na letra da lei.

Por outras palavras: mais importante do que as reformas estruturais é a política dos pequenos passos, quando são bem dados.
Assim, um bom director-geral de finanças vale mais do que trinta reformas fiscais; uma ministra da educação com bom senso e pequenas medidas vale mais do que as grandes reformas educativas; medidas de simplificação e aceleração na justiça são melhores do que qualquer reforma prometida e nunca cumprida (por oposição dos magistrados ou outros); ajustamentos nos serviços públicos, com a eventual supressão de alguns, são mais adequados do que grandes planos que serão sempre sabotados pelos eventuais executores; a existência de universidades com liderança efectiva – e, necessariamente, menos democracia interna – seria melhor do que vários processos de Bolonha, e por aí adiante.

O filósofo Karl Popper costumava fazer uma distinção entre duas modalidades de mudança social: a engenharia social utópica e a engenharia social gradual. A engenharia social utópica referia-se às grandes mudanças revolucionárias, como a sonhada pelos marxistas. Mas a ideia mais comezinha de reformas estruturais tem muito a ver com a mesma mentalidade. Ela patenteia uma visão holista: a ideia segundo a qual devemos mudar o todo, ou não mudamos nada. Infelizmente para os entusiastas da planificação de larga escala, só se muda alguma coisa quando se desiste de mudar o todo.

Por seu turno, a engenharia social gradual é a perspectiva segundo a qual as mudanças são sempre localizadas. Só assim podemos usar devidamente os conhecimentos existentes, tanto ao nível técnico como ao nível das ciências humanas. E só mediante este gradualismo podemos controlar os resultados daquilo que vamos fazendo. Mas não se preocupem os partidários de planos, tecnológicos ou outros. A engenharia social gradual não impede que existam grandes desígnios (a modernização tecnológica, a competitividade externa, a igualdade de oportunidades, a justiça social, o desenvolvimento cultural, etc.). Mas implica a admissão modesta de que esses desígnios só serão alcançados por pequenos passos.



publicado por psylva às 08:26
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Danças com ‘rottweilers’



Domingos Amaral




Não há um único português que não demonstre uma grande garganta e uma bravata de toureiro em defesa da sacrossanta ”liberdade de expressão”.

A crise dos ‘cartoons’ lembrou-me uma história, cujos protagonistas são um homem e um ‘rottweiler’ que todos os dias se cruzavam na rua. Um dia, o homem decidiu que ia dançar em frente do ‘rottweiler’, só para o provocar. O ‘rottweiler’ obviamente atacou-o. A caminho do hospital, a sangrar de várias feridas, o homem gritava que tinha o direito de dançar na rua, em frente de quem ele quisesse. Houve gente que defendeu energicamente o seu ”direito à dança”. Eu acho o homem um parvo.
Se criticar a Opus Gay, sou considerado um sinistro homofóbico. Se defender o Ku Klux Klan, ou atacar a comunidade negra, sou um porco racista. Se gozar com câmaras de gás, e escrever holocausto com letra pequena, sou um sacana de um anti-semita. Se ofender os ciganos, sou xenófobo. E, se defender Hitler e usar uma suástica, sou considerado um canalha nazi. Porém, se fizer um ‘cartoon’ de um Maomé bombista, o mundo levanta-se a defender a minha ”liberdade de expressão”. Infelizmente, o que esta crise confirmou é que os muçulmanos estão agora no fim da escala de valores ocidental. Não têm, como outros grupos ou raças, direito a ”discriminação positiva”. Pelo contrário, são odiados. São, como disse Sarkozy, ”escumalha”. Osama conseguiu unir o Ocidente pela raiva.
Somos todos dinarmaqueses? Quem tentou imitar o ”somos todos americanos” do ”Le Monde” do dia 12 de Setembro de 2001, esqueceu um detalhe: no 11 de Setembro, a América foi vítima de um ataque que matou quase 3000 pessoas. Na crise dos ‘cartoons’, os agressores iniciais (os cartoonistas e o jornal dinamarquês) tornaram o seu país, a Dinamarca, numa vítima dos radicais islâmicos. Foi um processo estranho e complexo, mas que não convida à solidariedade. A única coisa que aprendi sobre a Dinamarca é que lá também existem idiotas. Nada de surpreendente, há-os em todos os países. Mas, não costumo solidarizar-me com eles. Este desejo de unir o Ocidente (o ”somos todos”) é perigoso. Não somos todos idiotas, nem somos todos de extrema-direita. Entre um muçulmano radical e um ocidental radical, venha o Diabo e escolha. Eu não escolho. Quem aceitar o ”nós” contra ”eles”, aceita e promove a armadilha terrorista.

Em Portugal, existem imensos especialistas no Islão. Não há ‘opinion maker’ que não tenha a sua teoriazinha islâmica. O Islão é ”agressivo”, o Islão é ”fanático”, o ”Islão é político”, o ”Islão está em guerra”, etc. Uma das coisas boas de ler a imprensa portuguesa é que substitui qualquer necessidade de ler livros de história. Desde a mil vezes repetida máxima de que ”no Islão não há separação entre a religião e o Estado”, até às menos óbvias teorias invocando ”a queda de Granada”, tivemos direito a tudo. Eu confesso que sei pouco sobre o Islão. Mas sei que Maomé é o profeta deles. Insultá-lo ofende todos os muçulmanos, sejam moderados ou fanáticos, e isso é perigoso. E estúpido.

Em Portugal, existem também inúmeros corajosos. Há imensa gente que não vai ”ceder” ao medo, que vai ”combater pela nossa civilização”, que nunca irá ”capitular” ou ”ceder à chantagem dos fanáticos”. É por isto que amo apaixonadamente Portugal. É tão tuga, tão ”agarrem-me se não eu vou lá”, tão passional na defesa dos ”valores”. É divertido, pois sendo Portugal um país com pouca experiência de guerras ou ataques terroristas, não há um único português que não demonstre uma grande garganta e uma bravata de toureiro em defesa da sacrossanta ”liberdade de expressão”. Podemos portanto dormir tranquilos. Há uma vanguarda prontinha a puxar pelo gatilho. Esta ”retórica belicista”, à superfície apenas tonta, revela um desejo confrontacionista profundo, e é a crista de uma onda populista anti-islâmica que varre a Europa como um perigoso ‘tsunami’. Que existia um ‘tsunami’ anti-ocidental no Islão, já sabíamos, mas não sabíamos que existia um ‘tsunami’ anti-Islão na Europa. Como Osama queria, e o Irão deseja. Quem contrariar estes ‘tsunamis’ é, notem bem, cobarde.

”A guerra do Terror” veio para ficar. Aumentou brutalmente o número de Ocidentais mortinhos por atacar à bomba o Irão. Obviamente, isso não será considerado uma ”agressão ocidental”, mas um acto perfeitamente justificado, perante as circunstâncias.



publicado por psylva às 08:24
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Winning,



Jorge A. Vasconcellos e Sá




Quem não se esforça e produz está a ser injusto para com os colegas, a manutenção desta injustiça é factor de desmotivação e destrói o espírito de equipa.

é o mais recente livro de J. Welch, com Suzy Welch, sua 3ª mulher e ex-editora da Harvard Business Review.

O objectivo do livro? Responder às questões mais frequentemente colocadas nas suas conferências. E centrando as respostas numa questão essencial: o que é necessário para vencer? Como explicar o seu sucesso na General Electric?

Winning tem um total de 372 páginas, após o ‘best seller’ anterior: ‘Straigth from the gut’ mas a sua mensagem essencial é: meritocracia através de concorrência. Ou como J. Welch gosta de chamar: diferenciação positiva.

A vários níveis. Primeiro: externamente naquilo que J. Welch chama ‘hardware’: todas as divisões que não sejam nº 1s ou 2s no seu negócio, devem ser vendidas (se possível) ou fechadas (se necessário).

Porquê? Porque sendo os recursos escassos eles têm um custo de oportunidade; donde a importância de não distribuir os recursos por vários negócios, mas concentrá-los nos de maior potencial; focar os recursos escassos nas maiores oportunidades.

Há depois a diferenciação interna, no ‘software’, nas pessoas. Durante os seus 20 anos como presidente da GE, J. Welch estava obcecado com 1) contratar os melhores, e 2) criar um sistema de meritocracia interna. Para tal a GE divide anualmente os seus colaboradores em 3 categorias: os As (melhores 20%); os Bs (outros, 70%); e os Cs (piores 10%).

Após a diferenciação vem a acção. As estrelas (’top’ 20%) são o alvo de 1) bónus, 2) ‘stock options’, 3) elogios públicos e 4) treino: tudo que encha a carteira e o ego.

Os 70% do meio são geridos diferentemente. O desafio é mantê-los motivados e melhorá-los: a ênfase aqui é no 1) ‘feedback’ de avaliação: concreto e construtivo; além do 2) treino.

Os últimos 10% – se a situação se mantiver ano após ano – são dispensáveis. Segundo J. Welch tal é A) essencial para a empresa e bom para o empregado que vai procurar um emprego onde se realize e lhe dê segurança (em vez de correr o risco de quando tiver 50 anos e ocorrer um ‘downsize’ ser o 1º a ser dispensado); B) quem não se esforça e produz está a ser injusto para com os seus colegas; C) a manutenção desta injustiça é factor de desmotivação; e D) destrói o espírito de equipa.

Em síntese: diferenciação de ‘hardware’ (divisões) e de ‘software’ (pessoas). E os resultados estão à vista: durante os seus 20 anos de presidente, quer a GE quer J. Welch foram repetidamente escolhidos como os melhores (por inquéritos aos gestores da Fortune, Forbes, etc.) e a capitalização de mercado da GE aumentou em 400 biliões de dólares.

Além de que a diferenciação positiva não só compensa, como é justa. Porque como disse Aristóteles: justiça é tratar pessoas em situação igual, de modo igual, e em situação diferente, de modo... diferente.


publicado por psylva às 08:23
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O “Sonho Português”



António Carrapatoso




A generalidade dos Portugueses tem dificuldade em acreditar que o seu futuro ou o da sua família vai melhorar. Compreende-se que assim pensem.

Não existe o “Sonho Português” mas devia existir.

Como não existe, estamos longe de atingir o objectivo último da nossa Sociedade: a felicidade dos Portugueses.

A generalidade dos Portugueses tem dificuldade em acreditar que o seu futuro ou o da sua família vai melhorar. Não só as perspectivas de futuro são pouco risonhas, como se considera pouco capaz de as alterar.

E compreende-se que os Portugueses assim pensem.

Desde logo temos uma Sociedade que não prepara bem os seus cidadãos, em particular os mais desfavorecidos, que perpetua uma elevada taxa de abandono escolar e mantém um ensino caduco e, dum modo geral, de baixa qualidade.

Depois temos uma Sociedade rígida e com um Estado ineficiente e asfixiante, em que os recursos disponíveis têm fraca mobilidade e são mal afectados, com mercados pouco abertos e concorrenciais, onde prevalecem proteccionismos e favorecimentos, e com um enquadramento que não estimula nem facilita a iniciativa e o investimento reprodutivo.

Finalmente temos uma cultura e atitude prevalecentes que não promovem a auto-responsabilização do cidadão, nem o incentivam para os comportamentos e posicionamentos correctos e necessários.

Assim, quem nasce pobre ou desfavorecido muito provavelmente assim ficará.

Para que o “Sonho Português” prevaleça toda esta situação tem que ser alterada.

Cada Português tem que passar a dispor de condições de partida e de enquadramento que lhe permitam alimentar esse sonho para si e para os seus.

É esse sonho que vai levar cada Português a tomar iniciativas e a não descurar a possibilidade de vir a ser empresário e de ter o seu próprio negócio.

É esse sonho que impulsionará cada Português a dar mais atenção e a apostar mais na sua própria formação e, em particular, na formação e educação dos seus filhos.

É esse sonho que vai levar cada Português a tomar mais o futuro nas suas próprias mãos e a compreender a inutilidade da busca do paternalismo do Estado ou da Empresa em que trabalha.

É esse sonho que aumentará a autoconfiança e optimismo de cada Português, sem prejudicar a sua predisposição para ser mais solidário e associativo.

Não é um sonho digno de ser classificado como Português a concentração das expectativas em qualquer jogo de sorte, seja o euromilhões ou outro.

Até porque aquilo de que se trata vai para além da melhoria das condições materiais, radicando, na sua essência, numa vontade de lutar por uma melhor qualidade de vida, assim como num consequente sentimento de realização e salutar orgulho próprio.

O “Sonho Português” não tem que ser a cópia de qualquer outro sonho. Deve decorrer naturalmente da nossa história e ser consistente com os valores e visão que tenhamos para a nossa Sociedade.

Haverá quem não queira que exista o “Sonho Português”.

Uns porque têm dificuldade em encontrar o equilíbrio certo entre igualdade e liberdade, não vendo o indivíduo, a parte, para além do todo.

Outros porque garantem melhor os seus apoios, e votos, quanto maior for o desespero e falta de esperança dos seus concidadãos.

Estão enganados, porque de facto o sonho comanda a vida.
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publicado por psylva às 08:23
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Quem são os terroristas?



Ricardo Reis




Os terroristas não são os pobres e os pouco educados; antes, são jovens radicais universitários sem dificuldades financeiras.

O mundo ocidental não é bem visto no Médio Oriente. De acordo com uma sondagem do Pew Research Center em Junho de 2005, na Jordânia apenas 21% dos inquiridos tinham uma visão favorável dos Estados Unidos. Este até é um número alto: em 2003, era só 1%. Em 2002, numa sondagem a 10.004 habitantes de 9 países maioritariamente muçulmanos, 78% afirmou que não acreditava que os terroristas do 11 de Setembro fossem árabes. 75% acham que os ataques foram justificados. A desconfiança em relação aos ocidentais chegou ao ponto de uma dúzia de caricaturas num obscuro jornal dinamarquês chegar para despoletar manifestações violentas. Nos últimos cinco anos, descobrimos que não faltam pessoas que odeiam o ocidente ao ponto de sacrificar a sua vida em ataques terroristas.

Dois artigos recentes no ”Journal of Economic Perspectives” descrevem os resultados empíricos de estudos dedicados a compreender as origens do terrorismo. Os dados usados nestes estudos estão longe de serem perfeitos e limitam-se a estabelecer correlações mas não conseguem provar relações causais. No entanto, são tão interessantes que vale a pena discuti-los.

No primeiro artigo, Krueger e Malecková investigam: quem são os terroristas? Sobretudo, qual é o papel da pobreza e da educação na criação de terroristas? Numa das partes mais originais do seu estudo, eles usam o jornal oficial do Hezbollah para obter o obituário dos membros que caíram em combate entre 1982 e 1994 (129 pessoas) e através daí inferir as suas características sociais. A mesma abordagem é usada para construir as biografias de 285 terroristas palestinianos publicadas nas revistas do Hamas entre 1987 e 2002, e de 27 terroristas israelitas que no início dos anos 80 assassinaram 23 palestinianos.

A análise destes dados gerou conclusões surpreendentes. Em comparação com o resto da população nesta região, é mais provável que um terrorista esteja acima da linha de pobreza. Os terroristas com maior probabilidade acabaram o ensino secundário e frequentaram a universidade. São também mais novos, tendo na sua maioria entre 18 e 25 anos. Os autores comparam os terroristas com o grupo de pessoas que se suicidaram durante estes anos nesta região. Os terroristas são, em média, mais jovens e mais ricos do que estes outros suicidas.

Na parte final do seu estudo, Krueger e Malecková usam dados sobre a origem de ataques terroristas no mundo inteiro entre 1997 e 2002. Os dados têm os seus problemas; por exemplo, o segundo país com maior número de atentados é a Colômbia, mas muitos deles ocorreram no combate ao narcotráfico. (Algumas pessoas que trabalham com estes dados disseram-me também que suspeitam que muitos dos ataques aos oleodutos e gasodutos colombianos foram financiados pelas empresas que reparam as condutas.) Para lidar com estes problemas, os investigadores concentraram-se apenas em ataques internacionais. Descobriram que quer a taxa de analfabetismo quer o PIB ‘per capita’ não prevêem o número de ataques terroristas, assim que se tem em conta outra variável: a restrição às liberdades civis. Países que restringem as liberdades dos seus cidadãos produzem terroristas, sejam eles ricos e educados ou não.

No segundo estudo, Gentzkow e Shapiro concentram-se nas sondagens descritas no primeiro parágrafo. Usando outras perguntas nas sondagens sobre a frequência de uso dos media e o nível de escolaridade, eles tentam determinar o impacto que a informação e a escolaridade têm nas percepções das pessoas. Descobriram que nem o acesso aos media nem a educação têm qualquer impacto nas percepções. No entanto, quando separaram o acesso aos media entre ver a cadeia Al-Jazeera ou a CNN, descobriram que as pessoas que vêm a Al-Jazeera com maior probabilidade não gostam de americanos e acreditam que o 11 de Setembro foi justificado e executado por não-árabes.

Estes resultados têm implicações políticas. George Bush tem defendido que as fontes do terrorismo são a pobreza e a ignorância. Estes estudos mostram que os terroristas não são os pobres e os pouco educados; antes, são jovens radicais universitários sem dificuldades financeiras. Uma política mais subtil e talvez mais eficaz para combater o terrorismo seria subsidiar a expansão da CNN, da BBC, e de outros media ocidentais no Médio Oriente.



publicado por psylva às 08:22
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O fundamentalista em nós

Ser civilizado é apenas conter, dentro dos limites, os instintos mais primários e agressivos do ser humano, e isso inclui obviamente a escrita.

Há cerca de dois meses, um estúdio sociológico americano apresentava um curioso dado: a violência verbal dos consumidores queixosos contra as empresas aumentara drásticamente com a internet, e as queixas recebidas nas empresas através de e-mail utilizavam uma linguagem muito agressiva, insultosa e radical. Segundo o estudo, havia mesmo uma tendência curiosa: se a queixa fosse apresentada presencialmente, ao balcão, a violência verbal e a contundência dos argumentos era menor do que se fosse apresentada pelo telefone. E, se fosse apresentada pelo telefone, era menor do que se fosse apresentada por ‘e-mail’. A conjugação entre um aumento da distância entre o queixoso e a empresa, ao mesmo tempo que se passava da linguagem oral para a escrita, fazia subir em flecha o grau de agressividade, colocando graves problemas ás empresas. Como responder a pessoas que insultavam, por escrito, a empresa, e que lhe chamavam todos os nomes que existe no dicionário de calão local?

Vem isto a propósito de quê? Da blogosfera, pois então. Agora não há bicho careta que não tenha o seu bloguezinho. Desde os mais reputados intelectuais a perfeitos desconhecidos, todos têm um bloguinho, onde depositam os seus elevados e notáveis pensamentos. Está definitivamente na moda ter um ‘blog’, ou escrever num ‘blog’, e aparentemente há uma enorme oferta de raciocínios e ideias na blogosfera. Há mesmo quem, com aquele ar de superioridade que caracteriza os pioneiros na descoberta de um novo mundo, nos olham de cima para baixo só porque nós ainda não fomos consultar este ou aquele ‘blog’. Como se o ‘blog’ se tratasse de uma praia nos confins do Brasil, hiperexclusiva, onde só os que verdadeiramente contam apanham sol!

Mas, o mais curioso nem é isso. O mais curioso é que, tal como os queixosos que utilizam a internet, também nos ‘blogs’ se tem vindo a assistir a um progressivo resvalar para os insultos e para os ataques pessoais como arma argumentativa. A blogosfera, com a sua saudável anarquia, começa também a revelar o seu lado mais nefasto. A coberto da protecção que a blogosfera dá, ultrapassam-se muitos limites, e regressa-se alegremente ao século XIX, onde a imprensa era livre, mas também insultuosa e desnecessáriamente cruel. Por outro lado, cria-se um novo efeito, talvez não intencional. É que, pressionada pelo radicalismo entusiástico da ”blogosfera”, a imprensa escrita sente-se ultrapassada, e os cronistas e ‘opinion makers’ sentem-se na necessidade de irem mais longe, de serem um bocadinho mais radicais, de dizerem mais um argumento, mais uma farpa, mais um insultozinho disfarçado de pensamento profundo. Deus quer, a blogosfera pressiona, o insulto nasce.

Há quem ache tudo isto muito bonito e muito importante, e quem defenda com entusiasmo essa velha tradição novecentista do registo ”duro”, ”contundente”, ”furioso”. Há até quem cite Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz, para se auto-absolver. Contudo, o que me parece é que dentro de nós há sempre um fundamentalistazinho, um taxistazinho, pronto a vir ao de cima, com o verniz a estalar. Ora, essa facilidade com que nos estala, ou não estala, o verniz, é o que nos faz ser civilizados. Ser civilizado é apenas conter, dentro dos limites, os instintos mais primários e agressivos do ser humano, e isso inclui obviamente a escrita. Insultar as pessoas, ou as empresas, ou o Estado, em linguagem de ”carroceiro”, não traz nada de novo, e é um regresso civilizacional. Que ele seja comandado por uma inovação tecnológica é uma ironia dos tempos.

Devido a esta tendência disparatada, a ”blogosfera” corre o risco de se transformar num mero campeonato de insultos e de pensamentos radicais, em que o vencedor é...o mais troglodita e o mais excitado. Mas, para isso, não é necessário ir à blogosfera à procura de um ‘blog’. Basta por exemplo apanhar uns táxis, passar o dia a andar de um lado para o outro em Lisboa, e escutar com atenção o que os taxistas dizem. Há alguns que são muito refinados nos insultos e pelo menos assim sempre se sai de casa e se vê mais do que um ‘écran’ deslavado de computador.
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publicado por psylva às 08:21
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A grande trapalhada



Rui Ramos




A crise do Estado Social adquiriu a imprevisibilidade da bolsa. Sobe de manhã, desce à tarde e espera-se pelo fim do dia para saber onde ficámos.

Também eu gostaria de falar dos ‘cartoons’ dinamarqueses, explicar à classe média o que é o islamismo, e revelar ao povo o sentido da civilização ocidental. Só que vou ter de deixar a outros esse serviço educativo. Porque é necessário, mais uma vez, falar deste governo. A maioria do eng. Sócrates fez agora um ano, e desde então vimos quase tudo. Há uns tempos, tivemos um ministro a anunciar a bancarrota da segurança social, e outro ministro a desmenti-lo no dia seguinte. A semana passada foi ainda melhor. Não foram precisos dois ministros, bastou um. De manhã, o serviço de Saúde jazia no abismo, e era preciso que os utentes pagassem. À tarde, depois do almoço, o serviço de Saúde tinha melhorado consideravelmente, e a mudança do “modelo de financiamento” era apenas uma hipótese. Isto, dito pelo mesmo ministro, com o mesmo ar de seriedade, no mesmo dia. A crise do Estado Social adquiriu assim a imprevisibilidade dos movimentos da bolsa. Sobe de manhã, desce à tarde, e é preciso esperar pelo fim do dia para saber onde ficámos. Obviamente, o mal é nosso, que não compreendemos as subtilezas do ministro, e a culpa é dos jornalistas, que deturpam todos os recados.

E perante isto, é preciso repetir: não estão em causa pessoas, mas uma fórmula política. O eng. Sócrates propôe-se fazer “reformas” a partir da esquerda. Só que a esquerda não quer as reformas – incluindo a maior parte do PS. À direita, curiosamente, pouca gente percebeu ainda este problema, que é a chave de tudo. O PS escolheu o eng. Sócrates para ganhar eleições, mas nunca para fazer os cortes e mudanças, que ele, antes de chegar ao Governo, teve o cuidado de não anunciar ou até de negar. A vida governativa do eng. Sócrates está toda marcada por estes equívocos. Não pode fingir que há dinheiro, mas também não pode afastar-se da esquerda. Em suma, não consegue escolher: perante duas opções, adopta um bocadinho das duas. Por isso, ao mesmo tempo que corta a ração aos dependentes do Estado Social, alimenta sempre as miragens do desenvolvimento por intermédio do Estado. Diminui a burocracia por um lado, e cria subsídios cheios de alçapões burocráticos pelo outro. Com este governo, o Estado tornou-se um milagre da física: diminui e aumenta ao mesmo tempo.

Ultimamente, o Governo descobriu um meio simples para realizar esse milagre. O Estado português é o Estado mais centralizado da Europa. Ora, esta centralização permite uma coisa: concentração. Para justificar a concentração, há vários alibis, como a deslocação da população, ou as novas tecnologias. O eng. Sócrates percebeu assim que podia fazer poupanças através da simples retracção do dispositivo burocrático no território. Vai fechar 4000 escolas. Já tem na mira 68 postos de atendimento médico permanente. Gostaria de abolir freguesias. E por aí fora. Num país descentralizado, isto seria impossível. As instituições fariam parte das comunidades locais, e os serviços seriam geridos por elas. Em Portugal, não. Independentemente das leis e dos discursos, quase tudo o que há nas províncias é, na realidade, delegação do Governo central, com atribuições secundárias e poucos recursos próprios. Ou seja, por essas montanhas e planícies pouco há cuja existência, localização ou funcionamento não esteja à mercê de um decreto ou portaria assinados em Lisboa. Previsivelmente, a retirada do Estado vai acelerar a desertificação do interior. Quer escola primária a menos de uma hora de casa? Quer junta de freguesia? Se é novo, ainda está tempo de fazer a mala. Já tínhamos um jardim, agora vamos ter também um Estado à beira-mar plantado.

Poupa-se assim dinheiro? Certamente. Há outras justificações para a retracção estatal? Provavelmente. Mas então a questão seguinte é esta: para que servem as despesas, a que o eng. Sócrates chama “investimentos”, nomeadamente as célebres “SCUTS”, que este Governo nos obriga todos a pagar como um imposto contra a desertificação? Economiza-se em escolas, hospitais, freguesias, e um dia destes em tribunais e repartições de finanças. Mas continua a gastar-se em estradas, supostamente para fixar população em regiões onde depois se fecham escolas, hospitais, etc. – por não haver lá gente. Onde está a lógica? Mas não vale a pena perguntar nada a este Governo. Teríamos uma resposta de manhã, outra de tarde, e um desmentido no dia seguinte. Isto antigamente chamava-se “trapalhada”. E agora, chama-se o quê?



publicado por psylva às 08:20
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