Terça-feira, 3 de Abril de 2007
As duas Américas e por que são tão diferentes


Possuir mais recursos naturais não tem salvo a América Latina de um atraso que tem origem endógena e radica numa cultura política que quase nunca favoreceu a liberdade e a iniciativa
George W. Bush está a realizar uma viagem por vários países da América do Sul e a caricatura de muitos órgãos de informação apresenta-a como uma espécie de concurso de popularidade entre o Presidente americano e o líder venezuelano, Hugo Chávez. Mas, para além do folclore acessório, a verdade é que a América Latina hesita hoje entre dois caminhos: um é seguir a via democrática e liberal da América do Norte; o outro é regressar aos populismos mais ou menos autoritários que quase sempre marcaram a sua história. Muitos desses populismos foram alimentados pelo ressentimento face aos vizinhos ricos do Norte, vistos como origem de todos os males. É que, para infelicidade da quase totalidade da América Latina, raros foram ou são os seus dirigentes que tentam perceber por que razão a metade Sul do continente é muito mais pobre que a metade norte.
Na verdade, quando se olha para a história das duas Américas, encontramos muitas pistas para perceber por que no Sul se "escolheu" a pobreza e no Norte a riqueza, para citar a expressão do cientista político brasileiro António Paim.
A diferença não está nos recursos naturais. Muitos antes de nos Estados Unidos se ter descoberto ouro ou petróleo, já os espanhóis tinham saqueado as imensas riquezas dos impérios pré-colombianos e, na Bolívia, explorado reservas de prata sem fim. E ainda os EUA não eram EUA e já o ouro do Brasil permitia aos reis portugueses um fausto para que o nosso país nunca teve recursos. Quando na América do Norte os colonos ainda ensaiavam as primeiras culturas realmente produtivas, já o Brasil português era a primeira potência mundial na produção de açúcar. E mesmo hoje os recursos à disposição dos países da América Latina, do petróleo ao gás, do cobre ao ferro, são muito mais generosos do que aqueles a que podem aceder os Estados Unidos ou o Canadá. Até o potencial de produção agrícola, sobretudo no Brasil e na Argentina, é ímpar no mundo, beneficiando ambos os países de condições naturais muito melhores do que as existentes a norte.

A América Latina não é pobre porque lhe saiu em sorte ter poucos recursos - é pobre porque esses recursos alimentaram e alimentam oligarquias que não necessitam de fazer nada para assegurar o seu bem-estar e distribuir algumas migalhas em redor. E isso é válido tanto para o petróleo de Chávez como para a coca dos cartéis colombianos, FARC incluídas.
A razão para a pobreza num subcontinente que chegou a ser mais próspero do que o seu irmão do Norte (como era o caso do Brasil no século XVII, por comparação com as primeiras colónias inglesas) deve ser encontrada em profundas diferenças de cultura política. Em primeiro lugar (e o Brasil é de novo o melhor exemplo), o Sul foi amarfanhado pela Inquisição e não cultivou nem a liberdade, nem a tolerância, enquanto o Norte foi colonizado por homens que procuravam, antes de tudo, a liberdade, homens que fugiam das perseguições religiosas que haviam posto a Europa a ferro e fogo. Para além disso, eram individualistas e premiavam o espírito de iniciativa, algo que a sul, quem sob domínio espanhol ou português, quer depois das independências, vigorou quase sempre uma cultura patrimonialista e estatizante, governasse a esquerda ou a direita.
Aos Estados Unidos podem atribuir-se muitas culpas por depois terem feito uso do seu superior poder, mas dói lembrarmo-nos que um dos primeiros lugares do mundo onde a agricultura chegou a um estádio pré-industrial, antes mesmo da Inglaterra, um dos lugares onde poderia ter tido lugar a revolução industrial foram as explorações açucareiras do Brasil. Só que essas explorações definharam quando aqueles que faziam fluir o capital necessário aos grandes investimentos desapareceram, perseguidos que foram pela Inquisição. Referimo-nos, naturalmente, aos judeus.


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Cenas do capitalismo português


O que pensará um empresário quando fica a saber que alguns dos que trabalham para si só o fazem porque não têm alternativa de subsistência?

1A tão discutida frase do ministro Manuel Pinho na China, a propósito da vantagem competitiva da economia portuguesa que lhe adviria dos baixos salários que por cá se praticam, só pecou por ser dita no local errado: de baixos salários e «dumping» social se compõe a vertiginosa produtividade da economia chinesa e o seu originalíssimo modelo de ‘socialismo’, em que já só o PCP parece acreditar. À parte esse erro geoestratégico, o que Manuel Pinho disse reflecte exactamente o que continua a ser o pensamento dominante em largas camadas do nosso patronato e até dos nossos economistas. Por mais ‘modernização’ invocada, por mais ‘choques tecnológicos’ apregoados, por mais verbas públicas gastas em ‘qualificação’ e formação profissional, há coisas que nunca mudam, como essa fé de tantos empresários de que quanto pior pagarem aos seus trabalhadores, mais próspera será a firma. Uma excelente reportagem da autoria de Raquel Moleiro, saída a semana passada na revista do Expresso veio lembrar exemplarmente esta triste realidade: esse Portugal empresarial ‘profundo’, assente nos baixos salários, na desumanização do trabalho e nos métodos de gestão mais primitivos continua aí, sólido e imutável, mesmo onde se esperaria que fosse sucedendo o contrário.

A reportagem descreve-nos a situação de duas trabalhadoras, em firmas diferentes. A primeira trabalha numa multinacional - a Xerox - é licenciada em gestão de «marketing» e vendedora de produto. Logicamente, ganha mais do que a outra, que é controladora de rolhas de cortiça na Corticeira Amorim. A primeira ganha quatro vezes mais do que a segunda, embora esteja no início da sua vida profissional, e tem ainda direito a carro, telemóvel, computador, comissões e prémios, tudo pago pela empresa. A segunda, depois de mais de vinte anos a trabalhar para a empresa, tem um salário de 527 euros, mais subsídio de refeição, e ponto final. Até aí, não fosse o salário da segunda tão miserável, ainda se poderia tentar compreender: diferentes qualificações, diferentes salários e regalias. O que já não dá para justificar são as diferenças abissais na política social de ambas as empresas, e isso é igual para todos os trabalhadores. Na Xerox, ao quarto mês de licença de parto, a empresa junta um quinto mês, por sua iniciativa e extensível aos pais; dá 27 dias úteis de férias por ano, mais duas pontes e o dia de aniversário do trabalhador; tem creche, ginásio com professor, piscina, campo de futsal e farmácia dentro das suas instalações, para que as mães, por exemplo, não tenham de perder tempo para ir comprar produtos para os bebés; uma vez durante a manhã e outra durante a tarde procede-se a uma distribuição de fruta fresca pelos locais de trabalho e, se alguém pensar em prolongar o trabalho até tarde, as luzes são desligadas automaticamente às 20 horas, porque a empresa acredita que quanto melhor for a vida familiar de um trabalhador, melhor é o seu desempenho profissional. Já a trabalhadora da Corticeira Amorim não tem direito a nada disto. Trabalha em pé oito horas por dia, com uma hora de intervalo para almoço, com a função de escolher, entre 100.000 rolhas que lhe passam à frente todos os dias, quais as que têm defeito. É um trabalho digno das sequências célebres dos ‘Tempos Modernos’ de Charlie Chaplin e uma fonte constante de doenças profissionais de toda a ordem. Mesmo assim, foi preciso uma greve para que as escolhedoras de rolhas da Corticeira Amorim conquistassem o direito a ter um intervalo de quinze minutos de manhã e outro à tarde. Neste quadro, não admira que a trabalhadora da Xerox, que acaba de ser mãe, planeie ter dois ou três filhos, enquanto que a da Corticeira Amorim sonha sem esperanças poder ter um segundo filho, se o marido entretanto não emigrar em busca de uma vida menos indigna do que esta.

Resta acrescentar que a Corticeira Amorim não é uma empresa qualquer no panorama nacional. Domina largamente o negócio da transformação da cortiça, estabelecendo de facto os preços à produção. Pertence a um grupo que está presente em vários sectores da vida económica do país e além-fronteiras e no passado recebeu abundantes verbas do Fundo Social Europeu justamente para qualificar trabalhadores. É propriedade de Américo Amorim, tido como o segundo homem mais rico de Portugal, feito comendador de Mérito Industrial por um ou mais do que um Presidente da República. Volta e meia a imprensa transpira notícias sobre os milhões que ele ou o grupo ganharam em negócios bolsistas sem qualquer riqueza acrescentada - apenas porque o dinheiro faz dinheiro, como explicou Marx. Ou então, publicam-se outras notícias, nem sempre abonatórias, sobre a prosperidade dos seus negócios em Angola, em parceria com a inevitável filha do Presidente José Eduardo dos Santos e seguramente não em benefício da legião de miseráveis que morre de fome ou de doença em Angola, no meio da ostentação de outros.

Não sei se o comendador Américo Amorim terá lido esta reportagem e, em caso afirmativo, como terá sido a sua reacção: terá encolhido os ombros com indiferença, terá ficado incomodado, terá ficado a meditar no assunto, terá concluído que os da Xerox não sabem gerir uma empresa? O que pensará um empresário quando fica a saber que alguns dos que trabalham para si só o fazem porque não têm alternativa de subsistência?

2 Na história interminável e rocambolesca da OPA da Sonae sobre a PT, as cenas mais extraordinárias estavam reservadas para o último dia, o da decisiva assembleia-geral, onde a maioria dos detentores de acções escolheu manter em vigor uma norma interna que, independentemente do mérito ou desmérito da OPA em si mesma, representa a negação da própria natureza de uma sociedade anónima e do funcionamento das regras do capitalismo, tal como são defendidas em teoria por todos os protagonistas. Mas o melhor de tudo, verdadeiro monumento à ironia do nosso particular capitalismo, foi ver os trabalhadores da PT a transformarem em herói popular o também comendador Berardo. Eis aqui alguém que, certamente dotado de inteligência e olho para o negócio que não se contesta, nunca, todavia, criou alguma coisa sua, que desse trabalho e riqueza ao país, limitando-se a entrar nas coisas criadas por outros, comprando e vendendo sem qualquer outra estratégia que não a do lucro pessoal; que fez uma imensa colecção privada de pintura para cuja guarda e manutenção conseguiu ‘privatizar’, e de borla, o CCB; e que, no caso da PT não vendeu, não porque tenha pensado no futuro dos seus trabalhadores, mas apenas porque não lhe deram o preço que queria. E sai dali como herói da classe operária!

PS: Confesso que sou bastante relapso a mudanças de hábitos de vida. Mas, quando as coisas mudam, embora esteja habituado a elas e não veja razões para a mudança, forço-me a acreditar que é tudo uma questão de tempo até me habituar. Esperei o tempo devido até me habituar ao novo ‘Público’: não consegui. Tal como vejo a mudança, a linha editorial do jornal foi sacrificada às ideias de um qualquer guru gráfico que, aliás e segundo li, acredita piamente na morte próxima dos jornais. E, acreditando, tratou de abreviar a morte do ‘Público’, transformando-o numa variante dos panfletos publicitários da Moviflor, no mais totalmente descaracterizado, incompreensível e pior. Para agravar a minha tristeza, também o Rádio Clube Português, a única rádio mais ou menos suportável, resolveu suicidar-se em directo, transformando-se numa estação de infatigável diarreia verbal, totalmente infrequentável. Tenho muita, muita pena.


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“Elucitativio”

Negando um problema, nem é preciso solução. [...] Só não percebo uma coisa: com cabeças destas, como é que há crise na juventude?


Entre os positivos da televisão portuguesa, está o Prós e Contras de Fátima Campos Ferreira.

Um dos últimos, foi sobre a crise da juventude. Presentes o prof. Barata Moura, que começou por me impingir Kant (a mim como aluno), para acabar impingindo Marx (a todos como cidadãos). O dr. Daniel Sampaio, cuja insistência no tema do casamento representa um triunfo da esperança sobre a experiência. Uma dirigente de associações de estudantes que se esqueceu do princípio que mais vale estar calado e parecer que não se tem nada para dizer, do que abrir a boca e remover qualquer dúvida. E um cantor de RAP, cujo factor distintivo era um boné de ‘baseball’ enfiado pela cabeça abaixo. Nos 20 minutos que resisti até me render incondicionalmente ao tédio, captei as seguintes cinco mensagens básicas dos ilustres painelistas: 1.º Não há maior desemprego entre os recém-licenciados que entre a população em geral (?!...); 2.º Há que apostar no diálogo com a juventude (!...); 3.º As empresas devem apostar na formação profissional;4.º Os empresários têm que começar a valorar os curriculuns dos candidatos que incluam trabalho associativo (?!???...); e 5.º Há crise no casamento mas não há crise nas relações entre homens e mulheres. Esta última tese deriva de, e passo a citar os “homens continuam a gostar das mulheres”; e, deduzo, que vice-versa. Ou seja (e façam o favor de tomar nota) apesar de se divorciarem (e muito), os portugueses ainda não deram em homossexuais. Fiquei na dúvida de se tal não se deverá ao facto de, sendo legal e até moda em alguns sítios (ser-se homossexual), ainda não ser obrigatório.

Outras duas ideias-base que captei, respeitavam à pedagogia a fazer junto dos empresários (!) para aceitarem e valorarem “associativos”. E investirem na formação profissional para combater as deficiências do ensino. Ou seja: paguem para os profissionais aprenderem. Em vez de pagarem para produzirem. porque pôr o ensino a ensinar coisas úteis (para o mercado de trabalho), isso, isso, está fora de questão. Naturalmente. E compreende-se ao fim e ao cabo: como ensinar o que não sei? E provando que não há qualquer arrogância (nisto de pretender ensinar os empresários), já face à juventude não, há quaisquer recomendações, excepto... diálogo (e em doses maciças). ‘Et voilà’. Face aos capitalistas (exploradores, sugadores de mais valia, etc.) endoutrinação. Face a alguns que ainda nem têm barba: sensibilidade e abertura de espírito. E assim se junta a vaidade à inveja. E a presunção à irresponsabilidade. Para fechar o ramalhete, a tese de que não há grande desemprego entre a juventude. E... pronto: está o problema resolvido. Por si só. É que negando um problema, nem é preciso solução. Até aqui, creio eu, ter percebido tudo. Só não percebo uma coisa: com cabeças destas, como é que há crise na juventude?

Nota: Iniciando esta semana a colaboração com outro órgão de comunicação, despeço-me dos leitores deste jornal, agradecendo a este, o convite que me permitiu o prazer do convívio, com ambos. Muito obrigado.



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Na casa dos brinquedos

Não sabemos se os autarcas lisboetas são desonestos - e com esta polícia e estes tribunais nunca saberemos ao certo



a obsessão nacional com a corrupção é muito curiosa. segundo o índice da transparency international, a corrupção não terá em portugal a dimensão que tem na grécia ou itália. o que nunca se concluiria de ler a nossa imprensa. há por detrás da actual caça às bruxas suscitada pelo tema muita coisa. para começar, a velha superstição jacobina de que, se todos sacrificássemos os nossos interesses privados ao interesse público, a pátria estaria salva. mas há ainda isto: um modo degradado de fazer política. é o que está à vista em lisboa.

o cenário é a maior cidade do país, onde os espaços vagos - prédios abandonados, indústrias desactivadas, ou velhas quintas - abriram uma nova fronteira de expansão para a construção civil. ponha-se à frente disto tudo uma administração municipal tão caótica que, segundo o relatório da pricewaterhousecoopers relativo a 2001 (o mais impressionante documento sobre a administração pública portuguesa), lhe é impossível, mesmo que quisesse, "prevenir e detectar situações de ilegalidade". adicione-se uma legislação que, em nome de uma estrita separação entre público e privado, foi criminalizando a velha maneira nacional de fazer as coisas. e eis as condições apropriadas para, à conta das suspeitas de "corrupção", "ilegalidade" e "má gestão", uma política manhosa reduzir o governo de uma cidade a histórias de polícias e ladrões.
o que fazem os políticos em lisboa? vale a pena registar a confissão de um eleito do pcp, modesto navarro, na sessão extraordinária da assembleia municipal de 6 de fevereiro de 2007: "desde dezembro de 2003, apresentámos sucessivamente no ministério público, nos tribunais, na igat e na polícia judiciária vários processos de investigação e de intervenção de quem de direito, em especial na permuta do parque mayer-feira popular, na hasta pública dos terrenos de entrecampos, nos negócios de alcântara xxi, vale de santo antónio e boavista." e congratulava-se: "as investigações principiam a produzir efeitos. pelo menos três responsáveis da câmara nos últimos mandatos foram constituídos arguidos e outros responsáveis poderão seguir-se."
eis um partido contente com o papel menor de assistente de polícias e tribunais. mas o que distingue o pcp é apenas a sua gabarolice ingénua. os outros fizeram quase todos o mesmo, entusiasticamente rendidos ao negócio fácil das insinuações, denúncias, queixas-crime, sindicâncias, e auditorias. temos de reconhecer que foram hábeis. podem assim mostrar zelo e actividade, sem ter de produzir os resultados que a ineficiência do estado não permite, nem mobilizar a opinião que a baixa socialização política torna difícil. os custos, de resto, são baixos. a ineficiência das polícias e tribunais garante que há sempre investigações, mesmo sem provas (como no caso freeport em 2005), mas que raramente há conclusões (dos 1521 inquéritos sobre corrupção entre 2002 e 2005, só 407 foram concluídos). a "corrupção" em portugal é sobretudo um espectáculo para os jornais e televisões, em que ninguém é inocente mas também ninguém é culpado.

o resultado já foi apropriadamente descrito por um dos vereadores: é a redução do município a uma "casa de brinquedos". os partidos, destituídos de lideranças locais, estão formatados para este grau zero da política. o maior partido da direita desapareceu por detrás de técnicos independentes, sem identidade política clara (um deles serviu a aliança de esquerda antes de vir servir a da direita), e o mais pequeno partido da esquerda abdicou a favor de um especialista de embargos e providências cautelares. curiosamente, nem os tecnocratas serviram para melhorar a governação, nem a reputação do justiceiro dissuadiu alegadas tentativas de olear a máquina - sinal de que, no "meio", há o hábito de não levar a retórica anticorrupção muito a sério.
peço às viúvas e viúvos da moral jacobina o favor de não se indignarem. não estou a dizer que a investigação criminal contra subornos e compadrios não faça sentido. o meu ponto é que não é preciso o atropelo do interesse público por interesses privados para haver corrupção. essa é uma ideia moderna, e aquela que hoje mais excita a imprensa, os legisladores e a polícia. mas os autores da antiguidade clássica chamavam "corrupção à degradação da qualidade do governo, fosse qual fosse a sua origem. não sabemos se os autarcas lisboetas são desonestos - e com esta polícia e estes tribunais nunca saberemos ao certo. admito que sejam todos boas pessoas e excelentes nas suas profissões. mas são maus políticos. e isso também é uma forma de corrupção.


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O “tsunami” norte-americano

É difícil explicar racionalmente por que haveria um banco de conceder, fosse a quem fosse, créditos superiores ao valor de uma propriedade.

A bolha dos preços dos activos obedece a duas fases que se repetem regularmente. A primeira respeita à teoria económica “fictícia”. Provavelmente já ouviu dizer que o paradigma muda quando há uma maior partilha do risco de crédito; ou que pode remeter para um aumento do rácio dos lucros/salários indefinidamente. A segunda fase concerne um prolongado estado de negação.

O crédito à habitação nos EUA está, actualmente, na segunda fase. É difícil explicar racionalmente por que haveria alguém de conceder um empréstimo avultado a indivíduos sem notação de crédito, ou por que haveria um banco de conceder, fosse a quem fosse, créditos superiores ao valor de uma propriedade.

A União Europeia (UE) está ligeiramente atrás dos EUA no que toca a estas extravagantes inovações financeiras, mas pouco. Pode dizer-se que existe uma indústria de crédito à habitação com taxas abaixo do mercado em países como Espanha e o Reino Unido, e a uma indústria de crédito à habitação a taxas normais. Como seria de esperar, foi naqueles mercados que se registaram os maiores aumentos dos preços imobiliários nos últimos dez anos, apesar de os europeus ainda se encontram na primeira fase da bolha.

Analisemos agora algumas estatísticas. Segundo os dados mais recentes da Ameco, a base de dados da UE, os sectores imobiliário e da construção representam, em Espanha, 18,5% do PIB – cerca de duas vezes mais do que a média da zona euro, contra 8,7% na Alemanha. Este cenário deve-se: ao fluxo líquido de imigrantes, grande parte da América Latina, que preferem comprar a arrendar casa; a mudanças no estilo de vida dos espanhóis, na medida em que os jovens saem mais cedo de casa dos pais; e à popularidade de que o país goza entre os cidadãos dos países nórdicos que procuram sol e praias. Há quem diga que se trata de um ‘boom’ estrutural e não de uma bolha.

Em Espanha, grande parte dos créditos à habitação está indexada a taxas variáveis, por isso, é natural que os aumentos nas taxas de curto prazo para mais de 4% comecem a ter impacto no sector da construção. As estatísticas monetárias dizem-nos que o ‘boom’ de crédito à habitação na Europa está, paulatinamente, a diminuir. No entanto, se a crise nos EUA no crédito à habitação com taxas de juro abaixo do mercado obrigar - como é provável - a uma reapreciação do preço do risco, Espanha será duplamente afectada pela subida das taxas de juro e dos spreads.

Ora, estando 18,5% da economia espanhola directamente ligada ao sector da construção, uma convergência gradual com a média da zona euro acabaria por penalizar o seu desempenho económico por longos anos. Foi o que aconteceu na Alemanha no período pós-reunificação, em que os preços da habitação estagnaram durante 15 anos, arrastando a indústria da construção para uma grave crise.

Sendo a taxa de crescimento de produtividade em Espanha uma das mais baixas da UE, é provável que a restante economia não seja suficientemente robusta para preencher o vazio deixado pela construção. Não é preciso ser um génio para perceber que vem aí uma “tempestade”. Pensar que os imigrantes da América Latina vão servir de tábua de salvação ao mercado imobiliário é tudo menos realista. Com efeito, está em curso uma mudança estrutural de uma sociedade conservadora para uma sociedade mais liberal, mas mesmo esta terá um fim. Acresce os compradores alemães e ingleses podem vir a encontrar alternativas e melhores preços noutros pontos do Mediterrâneo.

Passemos a outro exemplo. Na Irlanda, os sectores imobiliário e da construção representam 20,7% do PIB. E se é verdade que o desempenho económico irlandês foi notável nas últimas décadas, também é verdade que subsistem alguns problemas estruturais, como o facto de ter perdido competitividade no seio da UE. Se as taxas de juro continuarem a subir e se as finanças não forem saneadas, a Irlanda acabará por seguir o mesmo caminho que Espanha, mas mais rápido.

Recordo que a recessão no mercado imobiliário norte-americano ainda não terminou. E recordo também que, no passado, a correlação entre os movimentos dos preços imobiliários na Europa e nos EUA era bastante acentuada. Ora, se o tsunami transatlântico chegar à Europa, melhor será evitar os países costeiros nos próximos tempos.



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As contratações dos gabinetes do Governo
Prestar contas é uma maçada. Justificar as nossas opções enquanto gestores coloca-nos na incomodidade do escrutínio dos críticos de ocasião, incluindo os demasiado técnicos e os demasiado ignorantes. Mais: é uma burocracia que consome tempo, dinheiro e latim em explicações. Pois é, mas tem de ser. Mesmo no Estado. Sobretudo no Estado.
Todas as empresas têm de ter um técnico oficial de contas que valide a contabilidade. Todas as companhias cotadas têm, ademais, revisores, auditoras e obrigações de transparência impostas pela CMVM. E o Estado tem o Tribunal de Contas, que publicou uma auditoria inédita que mostra desmando e opacidade na forma como os Ministérios contratam e remuneram pessoal.
O Governo apressou-se, através de Jorge Lacão, a pôr em causa o relatório, num tom ameaçador e descredibilizando a equipa de Guilherme d’Oliveira Martins. Pois, disse lacónico, “razões contabilísticas” obrigam a que as transferências correntes passem pelos orçamentos dos gabinetes dos ministérios, embora não sejam despesa desses ministérios.
Antes de nos confundirmos com as “explicações” de Lacão, vale a pena ler o relatório do Tribunal de Contas. Por exemplo, as páginas 17 a 20 e 67 a 70, sobre as transferências correntes; e 28 e 99 sobre as recomendações. Conclui o TC: os gabinetes ministeriais estão a usar verbas dos seus orçamentos para transferir dinheiro para outras entidades. A partir daí, perde-se o rasto.
Portanto: Jorge Lacão acusa o TC de ter feito análises sobre coisas que não podem ser analisadas... por causa das más práticas que o próprio TC critica! E quanto é? É 99% do orçamento de 12,6 mil milhões de euros de 31 gabinetes, que serve para financiar terceiros, públicos e privados, numa prática que não tem transparência nem se explica “à luz da missão dos gabinetes”, como diz o TC, que se demarca expressamente das afirmações do Governo de “trajectória de redução da despesa” nesses gabinetes.
O Governo utiliza com poder discricionários, sem necessidade de dar explicações nem revelar critérios de escolha, dinheiros que estão legitimados pelos orçamentos dos gabinetes dos seus Ministérios. É isto que o TC diz e que Jorge Lacão confirma. Só que o primeiro fica incomodado, o segundo fica ofendido.
O Governo deve ter flexibilidade na gestão de um país e dos seus orçamentos. Seria impossível decidir tudo por concurso público e convencer toda a gente de todas as contratações. Mas o “princípio da substância sobre a forma”, que a contabilidade consagra, não é álibi para o livre arbítrio. Quem tem medo da transparência fica quase sempre a perder, até porque deixa às imaginações mais férteis (como a do Bloco de Esquerda) o poder das insinuações destrutivas.
Guilherme d’Oliveira Martins não tem tentações pistoleiras mas juntou-se (quem diria?) à galeria de contra-poderes que o País está a popularizar, ao lado dos presidentes da Autoridade da Concorrência e da ASAE. Com ele, o TC passou a fazer coisas que não fazia e, sobretudo, passou a fazer coisas em tempo útil.
O Governo disse-se “apreensivo” com o Tribunal de Contas quando devia ficar apreensivo consigo mesmo e com os métodos de orçamentação opacos praticados pelo menos desde há três Executivos. Não teria ficado mal a Jorge Lacão admitir que a regra herdada está errada e que o Governo vai corrigi-la. Em vez disso, quis neutralizar as suspeitas de despesismo. Percebe-se o afã. Não se percebe a persistência. Medo da transparência?


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