Quarta-feira, 16 de Maio de 2007
A grande estratégia


omos uns ingratos. O primeiro-ministro põe o seu melhor fato e o seu melhor teleponto para nos anunciar a estratégia que vai finalmente fazer de nós um "país mais culto e qualificado" - e isto, em sete anos e com apenas 45 milhões de euros. E nós, sem consideração, arranjamos maneira de criticar, descrer e gozar. Imagino o tempo gasto a preparar o Quadro de Referência Estratégico Nacional. Adivinho o empenho com que se apuraram as fórmulas, ou a ansiedade com que se previram as reacções. Tudo isto, para quê? Será consolo para José Sócrates saber que está em ilustre companhia, entre os visionários escarnecidos por esta nação incorrigível?
Há precisamente 120 anos, em 1887, o escritor J. P. Oliveira Martins apresentou na Câmara dos Deputados o seu QREN, sob a forma de um Projecto de Lei de Fomento Rural. Também ele queria aproveitar o potencial dos portugueses. Só que, em vez de mestrados e cursos de formação, pretendia dar-lhes terra para cultivarem. Sim, os tempos eram outros. A ideia de Oliveira Martins consistia em fixar a população excedentária do Norte do país nos campos subaproveitados do Sul, em pequenas quintas viabilizadas pelo regadio. Oliveira Martins desejava, como toda a elite sua contemporânea, modernizar o país. Mas sabia que não chegava converter os portugueses às ideologias modernas. Era preciso mudar as suas condições de vida, torná-los mais ricos. E para isso, Oliveira Martins propunha-se fazer de Portugal uma "colmeia rural", em que a maioria da gente tivesse emprego em propriedade própria, e o território fosse uniformemente valorizado. Como foi então acolhido o seu plano? Para uns, tratava-se de uma fantasia, já que não havia dinheiro para as necessárias obras hidráulicas no Alentejo. Para outros, era uma farsa: Oliveira Martins procuraria apenas protagonismo para chegar a ministro.
Desde há décadas, que os governos e as luminárias da nação se dedicam afincadamente a gastar dinheiro para ajudar o futuro a nascer. Abundaram sempre os QREN. E há algumas décadas que os seus objectivos, por entre variações de vocabulário e contexto, são os mesmos. A memória corrente reteve as proclamações de Cavaco Silva no fim da década de 1980. Mas recuando mais no tempo, encontram-se estas grandes prioridades: "Aceleração do ritmo de crescimento do produto nacional; repartição equilibrada do rendimento; correcção progressiva dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento." Não, não é uma citação do QREN de Sócrates nem das Grandes Opções do Plano de Cavaco Silva, mas do III Plano de Fomento de Salazar, publicado em 1967. Nas considerações desse Plano, lamenta-se já a falta de "formação profissional" dos portugueses, e a ineficiência da administração pública, cuja "rotina" e "burocracia" podem "comprometer iniciativas públicas e privadas que exigem celeridade". O grande horizonte, em 1967, era claro: "alcançar o mais rapidamente possível os níveis de desenvolvimento da Europa Ocidental", através de uma "reconversão da economia". Já éramos assim há 40 anos.
Não reparamos nisto, porque gostamos de reduzir a nossa história recente a uma sucessão de cortes e saltos salutares, do capitalismo para o socialismo (com o PREC), ou das ditaduras para a democracia (com o actual regime). Andamos sempre, como fez Sócrates na apresentação do QREN, a "cortar com a cultura do passado". Para que servirá então lembrar a longa tradição do nosso desenvolvimentismo de Estado? Para demonstrar que nada mudou? Não, Portugal mudou. Só que nunca mudou como os seus dirigentes políticos, por entre largas despesas, previram e planearam. Os que, no século XIX, procuraram criar condições para uma "colmeia rural" nunca imaginaram a industrialização do século XX. Os que, nas décadas de 1940 e 50, contaram com uma indústria que sobretudo substituísse importações, foram surpreendidos pelas exportações de vestuário e calçado depois da entrada na EFTA. Quem pensou em explorar esse filão com a adesão à CEE viu-se confrontado na década de 1990 com o seu definhamento e com a expansão dos serviços e da construção civil - uma mudança que comprometeu os ritmos de crescimento económico do passado. Em Portugal, o que estava previsto e planeado quase nunca aconteceu, e o que aconteceu quase nunca foi previsto e muito menos planeado. Por isso, tudo aquilo que verdadeiramente se passou, desde a industrialização até à urbanização, passou-se "desordenadamente", à revelia dos planos e mesmo fora da lei. Até hoje, os governos andaram sempre a tentar mudar o país em meia dúzia de anos. Talvez fosse preferível tentarem compreendê-lo.


publicado por psylva às 10:46
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O PSD no seu labirinto


OPSD aproveitou a campanha do referendo sobre a despenalização do aborto para lançar os trabalhos de revisão do seu programa. Não se pode dizer que tenha sido feliz o timing, mas a iniciativa merece louvor, até pela inequívoca qualidade dos que foram convidados para liderar um número muito elevado de áreas.
Ao longo de muitos anos de intervenção cívica nos media, escrevi largas dezenas de textos sobre o PSD e o seu enigma. Não será agora a altura de revisitar o que disse, mesmo que me pareça que em regra se não perdeu a actualidade. O PSD é um partido improvável que nasceu de uma conjuntura, de uma personalidade e de uma reacção. A conjuntura foi uma revolução contra uma ditadura de "direita", a personalidade foi Sá Carneiro e a reacção foi contra a esquerdização que alastrou na sociedade portuguesa e que teve o mais ridículo, ainda que significativo, exemplo na defesa pelo CDS de "um socialismo à portuguesa".
Por tudo isso, o então PPD era um partido da sociedade civil em revolta contra o Estado e a estatização, da província contra a Lisboa enlouquecida do "Poder Popular" e do "MFA-Conselho da Revolução", das classes médias em processo de ascensão social contra os instalados nas suas pequenas e médias sinecuras. Era também um partido que conseguia fazer a simbiose (a que chamei "liberalismo avançado") entre uma matriz social-cristã e um justicialismo populista "gaulliano", com uma pitada quase libertária e seguramente liberal a nível dos costumes.
Ao longo dos anos, como tantas vezes avisei, o PSD foi alterando a sua natureza e perdendo a alma. Tornou-se um partido conservador nos temas sociais, ocupado por carreiristas e infectado pelo controlo do aparelho de Estado, passando a construir as suas vitórias com uma lógica de campanha de supermercado, indo à procura da sua base de apoio nos sectores menos defensores de mudanças, reformas e riscos, os mais abundantes e mais dispostos a votar com a barriga. O PSD com Cavaco Silva conseguiu ser o que o PS tentara sem êxito, o natural partido de Governo, o Bloco Central de si mesmo.
Mas o mundo e Portugal foram mudando e os partidos seus concorrentes também. Num certo sentido - como os gregos do tempo clássico podiam dizer de Roma -, a vitória do projecto estratégico do PSD foi inequívoca. A tutela militar, a estatização da economia, a defesa do socialismo da produção, a tutela do PCP sobre a sociedade e do aparelho do PS sobre a economia, para apenas dar alguns exemplos, desapareceram. A bipolarização política concretizou-se.
Sinal muito impressivo para esta reflexão é uma sondagem do Figaro, a propósito das eleições presidenciais francesas. Pediu-se a eleitores de direita e de esquerda que elegessem os temas que consideram prioritários na campanha eleitoral. Grande consenso em relação ao desemprego e à melhoria do poder de compra, sinal claro de que deixou de ser por aí que passam as confrontações básicas e essenciais que definem o espaço do "político".
As confrontações mais claras estão noutro lado: para a esquerda a luta contra a pobreza, o ambiente, a integração das minorias. Para a direita a luta contra a insegurança nas ruas, os impostos, a imigração clandestina. Em França é por aí que passa a luta política. Que pensa o PSD destes temas? Julgo que tudo e o seu contrário, como é típico de um partido central com vocação maioritária.
Só que o PSD já não pode ser o "Centrão". Já não consegue mandar no CDS ou dispensá-lo. E vê o PS a recentrar-se e de novo a sonhar em tornar-se o partido natural de Governo, pela primeira vez com condições de sucesso, por ter sido capaz de "colonizar" o espaço do PSD. O PSD vive, pois, uma situação típica de tragédia.
Rever o programa neste contexto é, de facto, uma tarefa que faz todo o sentido. Mas que deve ser antecedida por opções estratégicas, sem o que tudo acabará num conjunto de banalidades e lugares-comuns "modernaços", com piscar de olhos em tantas direcções que só acentuarão o estrabismo político já existente. E essas opções exigem realismo e não ilusória e insensata megalomania, de querer tudo e o seu contrário, na esperança de que assim talvez se safem melhor nalgum lado.
As questões são aliás muito simples: quer o PSD ser um partido iluminista, liberal, aberto à modernidade, "grego"? Ou um partido conservador, prudente, sintonizado com os sectores que reagem contra as mudanças, "romano"? Quer o PSD ser uma alternativa ao PS ou quer tentar substituí-lo? Quer ser o líder de um bloco de direita ou um apoio essencial para um governo de esquerda moderada controlado pelo PS?
O que não pode ser é isso tudo ao mesmo tempo e para cada um de nós, consoante o sítio onde se está a falar, o meio usado para a comunicação ou a conjuntura política. O sonho messiânico de ser um catch all party teve no seu sucesso o sinal da sua morte. Nesse sentido Cavaco Silva matou o PSD, de que aliás se sabe que nunca gostou. E, além disso, o fim da União Soviética, o aparecimento de uma extrema-esquerda bon chic bon genre e a perda das ilusões socialistas no PS fazem com que o espaço da esquerda esteja estruturalmente ocupado entre 45 e 50 por cento.
Compreende-se assim muito bem a viragem à direita e ao conservadorismo que tem caracterizado o PSD e que o está a matar. O modelo sá-carneirista já não é possível sociologicamente e o modelo cavaquista já não é viável politicamente. O PSD pode reinventar-se num modelo "orleanista" ou num modelo "bonapartista" ou, pura e simplesmente, optar por um modelo "pós-gaullista" como Sarkozy está a fazer e, tudo indica, com sucesso provável.
O que não pode é pensar que sobrevive fugindo a essas opções e mascarando-se com uma revisão do programa cheio de palavras como "Internet", "info-exclusão", "desenvolvimento sustentável" e outras. Nada disso resolve a questão estratégica. E esta sempre antecede a política. Mesmo que se não queira. Sobretudo quando se não quer.


publicado por psylva às 10:33
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Factos e estratégias


Alguém consegue imaginar o que não se diria se o que se passa hoje fosse uma das "trapalhadas" do dr. Santana Lopes?
Arrisco-me a escrever este texto sem saber se, ontem à noite, o primeiro-ministro, como esperavam alguns patriotas, esclareceu todas as dúvidas sobre a sua licenciatura, acabando miraculosamente com a miserável polémica em que se viu envolvido nas últimas semanas. Na véspera da entrevista à RTP, esta radiosa possibilidade foi levada às últimas consequências, havendo mesmo quem se recusasse a dissertar sobre o assunto antes de ouvir as "explicações" que o primeiro-ministro estaria na disposição de fornecer ao país. E, de facto, se o grande erro estratégico do eng. Sócrates, de acordo com a tese actualmente em vigor, foi remeter-se a um incompreensível silêncio, nada garante que as suas primeiras declarações não se sobreponham aos factos, pondo um ponto final nesta desagradável matéria. Aparentemente é assim que se molda a realidade - ao sabor da estratégia seguida pelos políticos e da astúcia revelada pelos seus assessores.
O debate promovido, terça-feira, pela SIC Notícias foi a este título ilustrativo. Centrado na resposta do primeiro-ministro, nas razões do seu silêncio e nos erros da sua estratégia, o debate acabou por passar ao lado do essencial, remetendo para segundo plano os dados vindos a público que revelam a enorme "trapalhada" (para recuperar um termo que fez história nos tempos do dr. Santana Lopes) em que se transformou o percurso académico do eng. Sócrates. Como se viu pelas opiniões de alguns dos intervenientes, o problema está, antes de mais, na incompetência dos assessores e na ausência de uma boa política de comunicação: tivesse o primeiro-ministro atalhado o caso com umas simpatias avulsas e um pequeno lote de declarações inócuas e o assunto ter-se-ia resolvido, em dois tempos, sem tomar proporções que põem em causa o bom funcionamento do Governo. Quem havia de dizer que, ainda há dois meses, se assinalavam os dois anos de Governo com hagiografias do primeiro-ministro que o apresentavam como um político autoritário e determinado, especializado na arte da propaganda e no cálculo preciso das suas intervenções. Agora, o mesmo político, que alguns viam como o sucessor natural do prof. Cavaco Silva, ocupando o espaço natural do PSD, aparece, de repente, enfiado numa estratégia suicida, incapaz de perceber os sinais do país e a lógica da informação, sem conseguir travar a sua arrogância e a sua teimosia de sempre. O estado de graça de um político acaba invariavelmente assim, quando as qualidades do passado se transformam, de um dia para o outro, nos grandes defeitos do presente. O eng. Sócrates, por muito favoráveis que lhe sejam as sondagens, não foge ao destino que tem triturado todos os nossos primeiros-ministros.

Curiosamente, não parece ocorrer a ninguém que o "silêncio" do primeiro-ministro seja apenas fruto do impasse criado pela revelação de alguns factos que dificilmente se conseguem explicar. E que a "estratégia suicida", que tanto gostam de denunciar, traduza, antes de mais, a impossibilidade de esclarecer os contornos de um caso que, à medida que o tempo passa, vai adquirindo contornos cada vez mais inverosímeis. O primeiro-ministro pode apresentar-se na qualidade de vítima. Falar de campanhas obscuras. Apresentar diplomas. Juntar certificados. Remeter para a Universidade Independente. Desculpar-se com os "lapsos" da Assembleia da República. Desvalorizar as alterações do seu curriculum oficial. Descrever o MBA que não completou. Referir a pós-graduação que não possui. O que não pode é apagar os factos que vieram a público nas últimas semanas: o facto de o seu plano de equivalências não estar sequer assinado; o facto de ter feito quatro cadeiras com um único professor que, na altura, era adjunto do Governo a que pertencia; o facto de ter passado no exame de Inglês Técnico sem que o regente da cadeira lhe tenha posto, alguma vez, os olhos em cima; o facto de se dar como engenheiro civil quando a sua licenciatura nunca foi reconhecida pela Ordem dos Engenheiros; o facto de não se lembrar do nome de nenhum dos seus dois professores; ou seja, o facto indesmentível do seu currículo académico não revelar a exigência e o rigor que o seu Governo gosta de exigir a todos os portugueses - revelando simultaneamente a imensa fragilidade política de um primeiro-ministro provinciano que tinha na modernidade e na qualificação a sua imagem de marca.
Entre os inúmeros planos e as magníficas reformas com que a propaganda do Governo vai entretendo o país, houve logo quem considerasse que qualquer investigação sobre as habilitações académicas do primeiro-ministro não era mais do que um exemplo do tal "jornalismo de sarjeta" com que o ministro dos Assuntos Parlamentares tenciona democraticamente acabar. Só que este caso, na sua aparente menoridade, revela três factos que, em qualquer democracia, se podem tornar fatais. Antes de mais, mostra que a licenciatura do primeiro-ministro está longe de obedecer aos padrões de uma licenciatura normal. Em segundo lugar, prova que o primeiro-ministro se apresentou com títulos académicos que não possuía. E por último, confirma as fragilidades de uma comunicação social, que, apesar do esforço feito nos últimos dias, tem dificuldade em resistir à necessidade de controlo que se detecta no poder socialista. Alguém consegue imaginar o que não se diria se tudo isto que se passa com o eng. Sócrates fosse mais uma das "trapalhadas" que levaram à queda do dr. Santana Lopes?


publicado por psylva às 10:32
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Incentivos perversos

A maldição da reversão para a mediania acaba por anular as tentativas de afirmar a excelência como um princípio duradouro.

Está em curso uma reforma da Administração do Estado. Motivada principalmente por considerações orçamentais, deverá reduzir parte do excesso de recursos humanos – sobretudo não qualificados –, mas deverá ficar aquém do que seria necessário para assegurar a eficiência do Estado. Porque, entre outras coisas, não altera os incentivos perversamente adversos à busca de eficiência e não prevê corrigir a decapitação da qualidade dirigente que a partidarização dos lugares de alta direcção provocou na Administração Pública.

O Estado é pouco receptivo à excelência. Tem tido, ao longo do tempo e nalgumas áreas, experiências portadoras de excelência, sem problemas de comparação com o que de melhor há no sector privado. Mas raramente perduram enquanto referenciais de excelência, tendendo, com mais ou menos tempo, a reverter para a mediania que caracteriza o funcionamento geral da Administração. Os vários interesses corporativos que dominam a Administração Pública empenham-se, mais ou menos encarniçadamente, em minar as condições de excelência em que alguns organismos apostaram e os dirigentes políticos, com ressalva de algumas excepções – que, pela natureza dos lugares, são pouco duradouras –, raramente estão dispostos a contrariar ou afrontar esses interesses.

A maldição da reversão para a mediania acaba, pois, por anular as tentativas de afirmar a excelência como um princípio duradouro. Não se quer dizer que o funcionamento do Estado não tenha melhorado ao longo do tempo e não continue a apresentar (pontual e efemeramente) experiências louváveis. Mas a melhoria registada tem sido sobretudo o resultado da incorporação do progresso tecnológico disponível na sociedade (nem sempre com objectiva avaliação do seu custo!). E, sem prejuízo das excepções, a mediania é norma.

E é norma, entre outras razões, porque os incentivos funcionam nesse sentido. Não se premeia o sucesso, mas penaliza-se fortemente o “erro administrativo”, fomentando assim a burocracia processual e desencorajando a gestão virada para os resultados (globais).

Uma pequena história para ilustrar. Numa instituição do Estado, cuja boa gestão permitiu poupar largas dezenas de milhões de euros, os serviços cometeram um erro processual que implicou uma perda de algumas dezenas de milhares de euros. Pois o órgão de fiscalização do Estado, em lugar de apreciar a gestão no seu conjunto, contrapondo o impacto do erro desses serviços aos benefícios conseguidos com uma gestão dinâmica e profissional, prepara-se para exigir que os dirigentes dessa instituição compensem, do seu bolso, o erro dos seus serviços.

Alguém duvidará de que no futuro, em lugar de se preocuparem em continuar a poupar dezenas de milhões de euros ao Estado, os dirigentes dessa instituição (e de outras, eventualmente) se vão passar a preocupar sobretudo em incrementar os procedimentos burocráticos e as formalidades que lhes evitem uma semelhante penalização financeira? Assim funciona um incentivo à vitória da burocracia sobre a eficiência.

Outro exemplo de incentivos perversos pode ser recolhido do recente folhetim à volta do director-geral dos impostos. Todos reconhecem e elogiam os excelentes resultados da sua gestão, mas a sua substituição estará iminente porque... ganha demais. Demais em relação ao que ele deu a ganhar ao Estado? Não. Demais em relação aos resultados alcançados? Não. Apenas demais! Porque na Administração Pública a qualidade não tem valor distintivo: o Estado está disposto a pagar pelo desempenho da função, mas não pelos seus resultados. Se os resultados forem bons, tanto melhor (é uma “mais valia”), mas não é algo em que se esteja disposto a investir. Ou seja, mais um incentivo a favor da burocracia sobre a eficiência, ou seja, de reversão para a mediania... Mas o mais relevante (e preocupante!) disto tudo é a aceitação popular deste conceito, como se viu pelos fora radiofónicos ou jornalísticos onde o assunto foi discutido. Ou não tivéssemos uma cultura pontuada pela inveja...



publicado por psylva às 10:30
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Desigualdade

É inteiramente verdade que uma sociedade excessivamente desigual não é nem nunca poderá ser um lugar agradável para viver.



Aqui há uns anos, quando vinha no avião de Washington para Lisboa, comecei a falar com a passageira do lado. Descobri que era uma alta funcionária do governo moçambicano e que tinha estado a fazer um estágio no Banco Mundial. Agora, regressava a casa. Perguntei-lhe o que mais tinha chamado a sua atenção nos Estados Unidos. A resposta foi: a pobreza.

À primeira vista, esta resposta é desconcertante. No momento em que ocorreu este episódio Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo e vinha em último lugar nos índices de desenvolvimento humano. Para quem viveu a maior parte da sua vida num país paupérrimo, os Estados Unidos deviam surpreender pela riqueza e nunca pela pobreza.

No entanto, numa segunda análise, a resposta da minha companheira de viagem pode ter algum sentido. Aquilo que nos choca em matéria de pobreza e riqueza é, mais do que a simples e desesperada pobreza, o convívio lado a lado entre a opulência e a miséria. Provavelmente, esse convívio é menos claro em Moçambique pelo simples facto de a grande maioria da população ser extremamente pobre. Mas ele é muito claro em Washington.

Mesmo o turista mais disciplinado não pode evitar, depois de visitar o Mall, com os seus óptimos museus e o ambiente descontraído e agradável das famílias em peregrinação republicana, percorrer mais um quarteirão ou dois e ver-se no meio da mais incrível miséria: casas delapidadas, lixo aos montes, drogados a deambular, pessoas estendidas nos passeios, etc.

Aquilo que chocou a minha interlocutora moçambicana foi o contraste entre a pobreza e a riqueza, mais do que a pobreza em si mesma. É inteiramente verdade que uma sociedade excessivamente desigual não é nem nunca poderá ser um lugar agradável para viver. Pode ter grandes belezas naturais e grandes potencialidades económicas, mas tem também elevadas taxas de criminalidade, uma insegurança e desconfiança permanente entre os cidadãos, grandes tensões psicológicas e um elevado potencial de instabilidade social e, em alguns casos, também política. Por isso não é assim tão agradável viver no Brasil ou na África do Sul, como deveria ser. E, também por isso, a vida nos Estados Unidos pode ser uma experiência desagradável.

Neste aspecto, a Europa é um lugar menos desesperado do que a América. Uma das razões – não a única, como é óbvio – pelas quais é mais agradável viver na Europa do que na América é a maior coesão social do velho continente. Mas também aqui há grandes diferenças. De acordo com o índice de Gini (que mede a desigualdade), Portugal é o país europeu mais desigual, enquanto que a República Checa, por exemplo, pertence ao grupo dos mais igualitários. A Suécia é o país mais igualitário de todos e a Dinamarca vem logo a seguir. No outro extremo, a Grã-Bretanha e a Itália são sociedades muito desiguais.

Muita gente hoje em dia considera que a desigualdade de rendimentos não é, em si mesma, um problema. Não creio que esta ideia deva ser levada a sério. A desigualdade é um problema por razões morais e também por razões pragmáticas.

Em termos morais, não é decente que a sociedade se organize esquecendo os que não foram bafejados pela lotaria social (porque não nasceram em berço de ouro), ou pela lotaria natural (porque não têm talentos ou qualidades especiais), ou pela simples boa sorte. Se acreditamos que os seres humanos são basicamente iguais em dignidade e direitos e que o Criador não estabeleceu nenhuma hierarquia natural “sub specie aeternitatis”, então teremos de convir que as instituições sociais devem contemplar uma correcção das desigualdades que o mercado livre inevitavelmente produz.

Em termos mais pragmáticos, a desigualdade representa um enorme potencial de insegurança para todos, de tensões psicológicas, de instabilidade social e política. Mesmo segundo critérios puramente utilitaristas, as grandes desigualdades acabam por contribuir para o decréscimo do bem-estar de todos, incluindo os ricos e os remediados. Por isso, os pragmáticos mais empedernidos devem admitir que, numa sociedade desigual, é da conveniência dos mais afortunados diminuir a desigualdade mediante algum esquema de compensações para os mais pobres (é o chamado princípio de Caldor-Hicks).


publicado por psylva às 10:29
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A terceira identidade

Há uma entidade pouco visível por detrás de Carmona Rodrigues: o aparelho político do PSD em Lisboa, a distrital
Por detrás de Carmona Rodrigues, ao lado, em cima, a aplaudir às claras, a conspirar às escuras, a conspirar às claras, a mover-se quer como um polvo, quer como aqueles pombos que vinham nos livros antigos de zoologia, um a que tinham tirado o cérebro e ficava firme e hirto, outro a quem tinham tirado o cerebelo e ficava ali pousado na sua própria gravidade, está uma entidade pouco visível em todo este processo. Na sua declaração, Carmona Rodrigues referiu-se-lhe de passagem sem a nomear. Esta terceira entidade na crise lisboeta, não sendo decisiva em nada de importante como seja ganhar eleições, é fundamental nas peripécias. Ora peripécias é o nome do processo de Lisboa a partir de agora. Esta entidade é o aparelho político do PSD em Lisboa, a distrital de Lisboa.
Duas prevenções são necessárias. Uma é que a distrital de que falo está muito para além da sua actual presidente, e pouco tem a ver com ela, já lá estava antes, estará lá depois. Os presidentes passam, mas os mesmos homens e mulheres lá ficam agarrados aos seus pequenos e pequeníssimos poderes, nas secções, uns na oposição, outros controlando secções onde funcionam como caciques há longos anos. Todos têm um longo historial de conflitos, agudíssimos pela proximidade, uns contra os outros, aliando-se e zangando-se conforme as conveniências, arregimentando-se atrás da "situação" (a distrital e o seu presidente, ou os autarcas em funções), ou combatendo-a sem descanso. São várias centenas de pessoas, do PSD, da JSD e dos TSD, que "militam" no preciso termo da palavra, mantêm as estruturas a funcionar, reúnem-se, discutem, organizam umas sessões, mas, acima de tudo, prosseguem uma actividade de marcação de território, de conquista ou minagem.
A segunda prevenção é que tudo o que eu digo sobre a distrital de Lisboa é aplicável ipsis verbis à estrutura idêntica do PS na capital. Os dois partidos funcionam da mesma maneira e têm um "pessoal" político que parece tirado a papel químico. E a questão está muito para além de ser do PSD ou do PS. Tem a ver com a degradação acentuada dos aparelhos partidários em Portugal. Revelam-se na sua actuação não só velhas tendências diagnosticadas há muito na "oligarquização" dos partidos, mas também as fragilidades do tecido político nacional e a crise dos partidos dentro da crise mais geral das mediações nas sociedades que caminham da democracia para a demagogia.
Eu conheço bem esta realidade porque fui presidente da distrital de Lisboa, onde ganhei duas eleições (uma das quais as primeiras directas no PSD) e perdi vergonhosamente uma. Foi a minha experiência política mais desastrosa, mais desgastante, menos rewarding, mas foi aquela em que aprendi mais e, num certo sentido, uma das mais interessantes para perceber muita coisa que se passa no PSD, e o próprio PSD e o PS. Prometo a mim próprio há muitos anos escrever uma memória destes tempos, mas talvez ainda seja cedo ou tarde de mais, até porque os nomes circulantes continuam por aí, e continuarão até morrer porque esse é o seu modo de vida. Já estiveram comigo, com os meus opositores, com os opositores dos meus opositores, com os amigos e com os inimigos, mas estão lá, que é o que interessa. Muitos deles são instrumentais na crise de Lisboa, uns a favor de Carmona, outros de Marques Mendes, outros virulentamente contra os dois, ou só contra um deles. Farão tudo para se defender e aos seus lugares, e farão tudo para varrer os outros dos lugares. É a lei da selva mais dura que para aí anda, com um grau de produção de "inimigos íntimos" sem dimensão fora da política, mas "eles" são a distrital de Lisboa e não há outra.
Tiro já da equação factores que têm hoje um pequeno papel em todo este processo. Um é a componente ideológica e partidária, a adesão a um corpo de ideias e políticas, uma obrigação de intervenção cívica, que nos primeiros anos do PSD era um motivador das suas "bases" e que agora é apenas uma sobrevivência inútil. As listas nas secções e na JSD não têm qualquer lastro ideológico e político e são quase inteiramente "posicionais": contra este ou aquele, de "oposição ao líder", ou ao seu serviço, a favor deste ou daquele grupo, deste ou daquele interesse. O essencial é constituir sindicatos de votos que ou são livres de se deslocarem ao serviço dos seus donos, ou são emanações de outros grupos e de outras pessoas, de cujo sucesso político ficam dependentes, como é o caso dos "santanistas".
As velhas classificações, como a de "sá carneirista", são hoje meramente instrumentais e usam-se cada vez menos. Um dos grandes "sá carneiristas" que conheci numa secção dos subúrbios de Lisboa mal verificou que não seria recandidato a uma vereação, depois de fazer tudo, e foi mesmo tudo, para conseguir manter o lugar, acabou depois por procurar o PRD, o PSN e por fim o PDC, partidos que existiam apenas nominalmente, para conseguir candidatar-se contra o PSD. Existe ainda a "camisola", uma identidade laranja forte, principalmente nos mais velhos, mas é uma atitude póstuma nas cidades, embora ainda haja pelo país fora sobrevivências desta antiga cultura de partido, feita da resistência nos anos difíceis dos anos 70 e 80, ela está em extinção.
O segundo factor é a ilusão de que haja qualquer ética de serviço público, qualquer vontade cívica, qualquer projecto que não esteja ao serviço de objectivos que são para eles "profissionais" no sentido pleno, para si ou para os seus familiares e amigos. Ninguém quer verdadeiramente ganhar nada, mas querem manter o statu quo e esse statu quo é medido pelo número de lugares de que dispõe um grupo ou uma secção e a sua categoria (a resistência do aparelho do PS a eleições em Lisboa é da mesma natureza). Esses lugares são aqueles que aparecem nas estatísticas da oposição como as dezenas e centenas de militantes do PSD e da JSD (lembro, no PS é a mesma coisa) que entraram para este ou aquele departamento da Câmara de Lisboa, esta ou aquela empresa municipalizada, gabinete da vereação ou serviço municipal.
Há os fiéis de Santana que Carmona afastou e que são violentamente anti-Marques Mendes, há os fiéis de Paula Teixeira da Cruz herdados de António Preto, que são pró-Marques Mendes, há os opositores a Paula Teixeira da Cruz e ligados a Helena Lopes da Costa, secretária-geral proposta por Luís Filipe Menezes, há os que se colaram a Carmona e ao seu poder autárquico e que sabem que, se este cair, caem com ele para o ajuste de contas dos seus adversários, lugar a lugar, secção a secção, há os "companheiros" do vereador A ou B, o seu grupo de apoiantes a quem atribuiu lugares na estrutura da câmara e que sabem que tão cedo não voltam, há uma miríade de interesses instalados que resistirão manu militari. Não me admira pois que mandem o partido às malvas e queiram desesperadamente lá ficar, a não ser que percebam que a sua atitude é inútil.
Face a eles não adianta perguntar qual o poder de Carmona, Paula Teixeira da Cruz ou Marques Mendes, porque a resposta é quase nenhum. Terão, talvez, algum poder em 2008, mas todos os seus adversários trabalham afincadamente para que não estejam lá em 2008 a fazer as listas para 2009. Há uma frase atribuída a Jaime Gama sobre os jornalistas, que dizia que "ou se tinha poder para os despedir ou dinheiro para os comprar". Infelizmente para todos, a situação nos partidos não é muito diferente e ninguém tem nem uma coisa nem outra.



publicado por psylva às 10:24
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Sem Norte
Temos um país rico em Lisboa e um país pobre no Norte que, apesar de tudo, vai produzindo para o mercado global.


Andamos tão ocupados com os ‘fait-divers’ da política nacional que pouca atenção prestamos ao que mais importa. Enchem-se páginas de notícias e opinião com as pequenas peripécias do CDS, da licenciatura do primeiro-ministro, dos conflitos na Câmara de Lisboa e por aí adiante. Mas passa-se ao lado do essencial.

Uma das coisas essenciais é a dimensão do empobrecimento relativo da região Norte. As peças que têm sido publicadas num jornal que só se lê acima do IP5, o “Jornal de Notícias”, são impressionantes. Em dez anos, a riqueza criada ‘per capita’ na região Norte desceu de 67% para 59% da média comunitária. Na zona do Grande Porto, tradicionalmente privilegiada em relação ao total da região Norte, a queda foi ainda maior. Hoje em dia, o Norte do país é uma das regiões mais pobres da Europa e com dificuldades para recuperar.

No mesmo período, a divergência do Norte em relação à região de Lisboa acentuou-se. O salário médio de um lisboeta está 252 euros acima do salário de um habitante do Norte. Para além de menos rendimentos, o Norte tem também mais desemprego, sobretudo de longa duração.

Há unanimidade sobre as razões da crise: a concorrência acrescida dos novos membros da UE e dos países asiáticos; a prevalência de um tecido empresarial de mão de obra intensiva que não se renovou suficientemente; um défice de qualificações, de empresários e trabalhadores, ainda mais dramático do que noutras regiões do país; o alargamento da distância política em relação a Lisboa.

As consequências estão à vista de todos. Basta passear pelo centro do Porto para nos apercebermos da crescente pauperização desta parte tão importante do país. As ruas que Camilo Castelo Branco descrevia como transbordando de riqueza, transbordam hoje de pobreza e dos problemas sociais que lhe estão associados.

Como professor na Universidade do Minho, em Braga, a crise vem ter comigo pela voz dos estudantes. Este ano muitos deles têm-me explicado que os pais foram trabalhar para Espanha ou para Inglaterra. Alguns alunos vão eles próprios trabalhar para Espanha durante algumas semanas, clandestinamente. Aí conseguem ganhar o suficiente para continuar a estudar – o que já não é mau. Não tenho números sobre a emigração recente no Norte do país e acho que ninguém os tem. Mas a minha experiência directa aponta para uma realidade muito substancial.

O empobrecimento relativo da região Norte em relação ao resto da Europa e à própria região de Lisboa tem um aspecto paradoxal. O Norte continua a ser a região mais exportadora, enquanto que Lisboa importa muito mais do que exporta. A recente recuperação da nossa balança comercial deve-se às empresas do Norte. Assim, temos um país rico em Lisboa, mas que não exporta para o mercado global, e um país pobre no Norte e que, apesar de tudo, vai produzindo para o mercado global.

A explicação para este paradoxo tem muito a ver com o papel do Estado na sociedade portuguesa. Os rendimentos mais elevados na região de Lisboa devem-se, em boa parte, ao facto de estar aí concentrada grande parte do funcionalismo público. Como os salários dos trabalhadores não qualificados e dos quadros médios da função pública são superiores aos do sector privado, não admira que o rendimento médio em Lisboa seja superior.

Por outro lado, assistimos, nos últimos anos, a uma concentração cada vez maior das sedes das empresas em Lisboa. Mesmo aquelas que têm a sua origem no Porto ou no Norte tendem a deslocar as suas administrações e quadros superiores para a capital, se não de direito, pelo menos de facto. Isso deve-se à maior atractividade desta em termos de investimento público e também ao facto de convir às empresas a proximidade com o Terreiro do Paço. Em Portugal, como noutros países do sul, os negócios privados e públicos fazem-se mais através das ligações pessoais do que mediante o respeito por procedimentos abertos, transparentes e concorrenciais.

A imensidade do Estado e o seu clientelismo estão pois na primeira linha de responsabilidade pela situação a que chegou a região Norte. Mas, enquanto o Norte se afunda na sua crise, o país precisa de descobrir que não pode viver sem ele.



publicado por psylva às 10:22
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Quinta-feira, 10 de Maio de 2007
Desigualdade
É inteiramente verdade que uma sociedade excessivamente desigual não é nem nunca poderá ser um lugar agradável para viver.

Aqui há uns anos, quando vinha no avião de Washington para Lisboa, comecei a falar com a passageira do lado. Descobri que era uma alta funcionária do governo moçambicano e que tinha estado a fazer um estágio no Banco Mundial. Agora, regressava a casa. Perguntei-lhe o que mais tinha chamado a sua atenção nos Estados Unidos. A resposta foi: a pobreza.

À primeira vista, esta resposta é desconcertante. No momento em que ocorreu este episódio Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo e vinha em último lugar nos índices de desenvolvimento humano. Para quem viveu a maior parte da sua vida num país paupérrimo, os Estados Unidos deviam surpreender pela riqueza e nunca pela pobreza.

No entanto, numa segunda análise, a resposta da minha companheira de viagem pode ter algum sentido. Aquilo que nos choca em matéria de pobreza e riqueza é, mais do que a simples e desesperada pobreza, o convívio lado a lado entre a opulência e a miséria. Provavelmente, esse convívio é menos claro em Moçambique pelo simples facto de a grande maioria da população ser extremamente pobre. Mas ele é muito claro em Washington.

Mesmo o turista mais disciplinado não pode evitar, depois de visitar o Mall, com os seus óptimos museus e o ambiente descontraído e agradável das famílias em peregrinação republicana, percorrer mais um quarteirão ou dois e ver-se no meio da mais incrível miséria: casas delapidadas, lixo aos montes, drogados a deambular, pessoas estendidas nos passeios, etc.

Aquilo que chocou a minha interlocutora moçambicana foi o contraste entre a pobreza e a riqueza, mais do que a pobreza em si mesma. É inteiramente verdade que uma sociedade excessivamente desigual não é nem nunca poderá ser um lugar agradável para viver. Pode ter grandes belezas naturais e grandes potencialidades económicas, mas tem também elevadas taxas de criminalidade, uma insegurança e desconfiança permanente entre os cidadãos, grandes tensões psicológicas e um elevado potencial de instabilidade social e, em alguns casos, também política. Por isso não é assim tão agradável viver no Brasil ou na África do Sul, como deveria ser. E, também por isso, a vida nos Estados Unidos pode ser uma experiência desagradável.

Neste aspecto, a Europa é um lugar menos desesperado do que a América. Uma das razões – não a única, como é óbvio – pelas quais é mais agradável viver na Europa do que na América é a maior coesão social do velho continente. Mas também aqui há grandes diferenças. De acordo com o índice de Gini (que mede a desigualdade), Portugal é o país europeu mais desigual, enquanto que a República Checa, por exemplo, pertence ao grupo dos mais igualitários. A Suécia é o país mais igualitário de todos e a Dinamarca vem logo a seguir. No outro extremo, a Grã-Bretanha e a Itália são sociedades muito desiguais.

Muita gente hoje em dia considera que a desigualdade de rendimentos não é, em si mesma, um problema. Não creio que esta ideia deva ser levada a sério. A desigualdade é um problema por razões morais e também por razões pragmáticas.

Em termos morais, não é decente que a sociedade se organize esquecendo os que não foram bafejados pela lotaria social (porque não nasceram em berço de ouro), ou pela lotaria natural (porque não têm talentos ou qualidades especiais), ou pela simples boa sorte. Se acreditamos que os seres humanos são basicamente iguais em dignidade e direitos e que o Criador não estabeleceu nenhuma hierarquia natural “sub specie aeternitatis”, então teremos de convir que as instituições sociais devem contemplar uma correcção das desigualdades que o mercado livre inevitavelmente produz.

Em termos mais pragmáticos, a desigualdade representa um enorme potencial de insegurança para todos, de tensões psicológicas, de instabilidade social e política. Mesmo segundo critérios puramente utilitaristas, as grandes desigualdades acabam por contribuir para o decréscimo do bem-estar de todos, incluindo os ricos e os remediados. Por isso, os pragmáticos mais empedernidos devem admitir que, numa sociedade desigual, é da conveniência dos mais afortunados diminuir a desigualdade mediante algum esquema de compensações para os mais pobres (é o chamado princípio de Caldor-Hicks).


publicado por psylva às 09:42
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Fiscalidade desigual

Na tentativa de combater a erosão do emprego e do investimento externo no País, é essencial a redução dos impostos. 



O tecido empresarial português pode dividir-se em duas grandes categorias: o das grandes empresas e o das PME. Esta divisão envolve, como consequência, uma grande diferença na capacidade de absorção dos custos inerentes à elevada pressão fiscal existente em Portugal.

As grandes empresas, representando provavelmente 10% do emprego, conseguem por diversas razões, gerar grandes margens de lucro, independentemente da elevada carga tributária a que estão sujeitas. Por sua vez, a maioria das PME tem margens mínimas pois não tem poder de mercado. No entanto, são extraordinariamente importantes, pois representam cerca de 90% do emprego.

As grandes empresas têm acesso privilegiado a actividades predominantemente monopolistas ou oligopolistas, que lhes permitem passar qualquer aumento da carga fiscal para os consumidores. Esses casos são conhecidos por todos, tendo-se como exemplo o caso da água, gás, banca, telecomunicações, auto-estradas, etc.

Acrescem ainda a esta situação, barreiras legais e incapacidades de mercado em diversos sectores, que se revelam quer na dificuldade de atribuição de licenças, quer nos elevados investimentos para aceder a certas actividades. Note-se ainda que as grandes empresas têm uma capacidade de ‘lobbying’ perante os governos que lhes permite manter um ‘statu quo’ permanente no mercado. Em consequência, não há real concorrência nem risco de erosão das margens de lucro.

A este factor acresce que muitos dos consumidores de bens e serviços das PME são mais pobres e têm menos capacidade de pagar. Isto reflecte-se naturalmente na capacidade económica dessas empresas, que estão, além do mais, sujeitas a uma forte concorrência e à constante luta pela sobrevivência.

Mas mais ou menos lucrativas, estas empresas têm o direito de existir e são imprescindíveis para a economia.

Nem todos podem trabalhar no ‘Prime Market’ ou Mercados Protegidos. Infelizmente o Sistema Fiscal Português tem sido moldado tendo em conta as características e interesses das grandes empresas que actuam no ‘Prime Market’, esquecendo-se que estas representam uma percentagem mínima do emprego em Portugal.

O resultado, são as falências sucessivas verificadas no âmbito das PME, originando um aumento significativo do desemprego. Os políticos e muitos economistas parecem esquecer-se que as PME são em Portugal e na maior parte do Mundo, os motores da economia.

Outro resultado da excessiva pressão fiscal é a deslocalização de empresas estrangeiras para outros ambientes mais favoráveis e com uma fiscalidade mais atractiva. Num estudo efectuado pela Câmara do Comércio e Indústria Luso-Alemã, um número alargado (22%) destas empresas estão a equacionar a possibilidade de fechar a sua actividade no nosso território.

Na tentativa de combater a erosão do emprego e do investimento externo no País, é essencial a redução dos impostos. Não serve de justificação a difícil situação orçamental que o país atravessa, que deriva não da baixa receita fiscal, mas do excesso de despesa derivado da má gestão, desperdício e ineficiente afectação de recursos pelo Estado.

A descida dos impostos, nomeadamente do IRC e do Imposto de Selo é fundamental para estimular a actividade económica.

A experiência internacional demonstra que a redução da carga tributária, não só estimula o crescimento económico como também reduz a fraude e evasão fiscal.

A necessidade de competitividade hoje em dia, torna-se imperativa e é cada vez mais importante, uma vez que a facilidade e baixo preço dos meios de comunicação e da Internet permitem uma quase total deslocalização da produção de bens e serviços para qualquer país do mundo.

Portugal está neste momento numa encruzilhada. Ou decide enfrentar os seus pesadelos e efectua reformas económicas profundas ou estará condenado a um empobrecimento inexorável e progressivo que já dura há mais de sete anos e cuja semente nasceu no aumento exponencial da despesa pública a partir de 1995.

Assim haja audácia e sentido de Estado para proceder às reformas necessárias.


publicado por psylva às 09:40
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Economia e Felicidade

O crescimento económico tornou-se o objectivo indiscutível das nações. O pessimismo português dos últimos anos resulta do nosso fraco nível de crescimento e, sobretudo, da deterioração da nossa posição relativa.
Perdemos significativamente no confronto com o resto do Mundo e, embora mais moderadamente, até na comparação com a Europa dos 15.
Numa perspectiva mais longa, os resultados são mais ambíguos. No livro "Head to Head", Lester Thurow, o então conselheiro económico de Clinton, publica uma tabela em que em que Portugal surge em 18º lugar na lista das nações com maior rendimento por habitante? no ano longínquo de 1870. Desde então, baixamos significativamente a nossa posição relativa mas, como o economista Sérgio Rebelo verificou, nos últimos 50 anos, a economia portuguesa foi a quarta com maior crescimento anual.
Será que a obsessão com o crescimento económico se justifica? Qual a relação entre riqueza e felicidade? Será a dimensão absoluta ou a relativa a mais importante?
A edição do Natal de 2006 do "Economist" cita um inquérito sobre o nível de felicidade dos americanos, para constatar que os ricos se sentem mais felizes que os pobres, resultado consistente com os cânones da teoria económica, mas que não se tem verificado qualquer progresso, desde 1972, o primeiro ano em que a questão foi colocada, apesar do enorme crescimento económico que se verificou, o que já contradiz a expectativa económica.
Há dois factores principais para esta aparente anomalia. O primeiro é identificado pela revista – o bem-estar que se extrai dos bens materiais não resulta apenas da sua posse mas da posição relativa das pessoas, sobretudo em relação às que lhes estão mais próximas. O acesso ao telemóvel não é motivo de grande satisfação quando a maioria das pessoas que conhecemos já tem um, possivelmente de gama superior. Um dos inquéritos mais interessantes conduzido junto de alunos de MBA da uma prestigiosa universidade pedia-lhes para manifestarem a sua preferência em face de dois cenários alternativos, à saída do curso: receber 100 mil dólares por ano, numa empresa em que os restantes colaboradores auferissem, 200 mil, em média; ou receber 50 mil face a 25 mil para os restantes. A maioria optou pela segunda alternativa?
O segundo motivo, talvez mais importante, resulta do impacto de bens negativos – bads – para o crescimento económico. O vício é geralmente considerado maléfico do ponto de vista social e individual – o jogo, o álcool e as drogas podem tornar-se obsessivos, conduzindo as vítimas a perder a sua capacidade de auto controlo. Porém, se o nosso crescimento está dependente do aumento da procura interna, as pessoas com maiores dependências não contribuem para o crescimento? Não obrigam os familiares e amigos a investir em terapeutas e centros de tratamento e assistência, criando empregos e gerando crescimento económico? Mais claro ainda é o impacto – positivo para o crescimento – do crime. Gera imenso mal-estar, mas leva ao aumento da procura de câmaras de vigilância, ao emprego de seguranças privados e de polícias públicos, por pressão dos eleitores, ao acréscimo de actividade de fabricantes de fechaduras, sistemas de protecção, criação e treino de cães agressivos, venda de armas de fogo, etc. A poluição e o aquecimento global criam novos mercados e fantásticas oportunidades de negócios. Dois bads tipicamente portugueses – os incêndios florestais e os acidentes nas estradas – também geram imensa actividade, criam postos de trabalho e justificam o esforço feito no equipamento dos bombeiros.
Os dois factores anteriores estão relacionados – quanto maior a desigualdade, maior a percepção de infelicidade, pelo menos pela maioria – favorecendo o crime e o tipo menos favorável de crescimento económico. O Brasil é um exemplo da severidade das consequências desse modelo.
O crescimento económico é globalmente vantajoso, mas não podemos deixar de distinguir entre os bens positivos e os negativos que são criados no processo. Não é pois surpreendente que David Cameron, o novo líder do partido conservador britânico, proponha a substituição de GDP por GWB (General Well Being) como medida da performance da sociedade. Quais os indicadores a incluir numa medida deste tipo? Muitos são consensuais – esperança de vida, saúde da população, nível educacional e acesso a certos bens de consumo. Outros são mais polémicos, como o tempo de lazer, ou o acesso a vídeo jogos. Algumas pessoas procuram refúgio na "second life", onde talvez encontrem um modelo económico mais harmonioso, mas a nossa responsabilidade é melhorar o da vida real.


publicado por psylva às 09:39
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