Terça-feira, 19 de Dezembro de 2006
Portugal e o euro (parte II)
No final dos anos 90, tipos como eu deviam ser abatidos, pois eram péssimos para o negócio, e em época de euforia ninguém gosta de ouvir maus agoiros.
Na próxima sexta-feira, segundo dizem os jornais da especialidade, o Banco Central Europeu vai de novo subir as taxas de juro da zona euro. A subida, como é óbvio, vai implicar várias subidas de outras taxas, em principal a do crédito à habitação. As prestações vão pois subir, mais uma vez, mais uma má notícia para os muitos portugueses que compraram casa. Depois da subida da gasolina, agora é a vez dos juros, naquilo que parece um ataque concertado ao bem-estar da nação. A ilusão de prosperidade mágica, que dominou Portugal durante o final da década de noventa e o princípio do novo século, continua a ruir, desmoronando-se a cada ano que passa.
Lembram-se ainda do bom que foi? Lembram-se da loucura consumista que sobrevoou o país nesses tempos? Eu lembro-me. As casas, por exemplo, subiram a preços perfeitamente estratoesféricos. Com os juros sempre a descer, com a perspectiva de entrada no euro, com a banca a dar crédito a uma velocidade impressionante, o efeito sobre o mercado imobiliário foi imediato e colossal. Havia coisas do arco-da-velha. Lembro-me de ter visto T2 pequenos e apertados cujo preço pedido era de 50 mil contos. E o pior era que havia gente que comprava! Uma onda compradora assaltou os portugueses, todos os portugueses, e toda a gente falava de casas extraordinárias, que tinha visto, comprado ou vendido. Os portugueses são um povo muito curioso, que gosta de se gabar dos bons negócios que fazem. Nesses dias, toda a gente se gabava de ter feito um belo negócio, só porque tinha vendido um T3 relativamente medíocre por 60 mil contos a um palerma que o havia comprado. Como se houvesse mérito pessoal envolvido, os portugueses dissertavam teses magníficas sobre a permanente valorização do mercado imobiliário, “é um bom negócio, o preço está sempre a subir”, e como crianças fascinadas com um novo brinquedo, revelavam que iam comprar uma magnífica nova casa. É claro que isto implicava que qualquer mais valia feita na venda era comida na compra seguinte de uma casa maior, mas como o que interessava era a prestação mensal, aqui vai disto, e quem diz 70 mil contos diz 80 mil contos, ou 90 mil, não interessa, o que interessava era viver muito bem, mostrar que se fizera um belo negócio, e impressionar a malta que os ouvia.
Eu, que sempre suspeitei de euforias, ouvia a avó da minha mulher dizer que aquilo era como comprar jóias falsas, e dizia que sim com a cabeça. Impressionava-me a ideia de ter de pagar uma casa várias vezes. Era o preço acordado, mais algum para a sisa, e mais 30 anos de juros em cima, o que é o preço de outra casa, e ainda a contribuição autárquica todos os anos, e mais as reparações porque já não havia senhorio, o senhorio seríamos nós, e aquilo fazia-me azia, ficava com os pés frios à noite só de pensar nos anos que tinha de trabalhar para pagar tanta massa, e pronto, não comprava. É claro que, no final dos anos 90, tipos como eu deviam ser abatidos, pois eram péssimos para o negócio, deprimiam as pessoas, e em época de euforias ninguém gosta de ouvir maus agoiros.
Dez anos depois as coisas estão a dar para o torto. O país está espremido, o governo está espremido, as empresas estão espremidas, e as famílias, é óbvio, também estão espremidas. O problema é que ninguém vê uma forma de sair disto, e agora as casinhas, que eram tão belas e tão alegres há dez anos, estão a começar a ser um peso, uma canga pendurada ao pescoço das pessoas, dos casais jovens, e já não há tanto dinheiro assim, e a prestação sobe por causa do maldito Banco Central Europeu que só se preocupa com uma inflação que não existe mas eles vêem-na, eles vêem na, lá ao longe, nos cenários macroeconómicos, e estamos aqui estamos a perder a paciência com o governo, com o Cavaco, com isto tudo que não há meio de se endireitar, e é aí que a depressão se instala, e olhamos para as jóias e elas são falsas, bem dizia a tua avó. Falsas e ainda por cima caríssimas...