Terça-feira, 19 de Dezembro de 2006
Banca, finalmente
O sector bancário tem permanecido à margem do movimento de reforço da regulação comercial. O Banco de Portugal tem-se resguardado numa leitura altamente conservadora da lei para nada fazer
Arredondamentos abusivos de taxas de juro, diferentes formas de cálculo aplicadas a depósitos e a empréstimos, cobrança de novas comissões bancárias sem pré-aviso dos clientes, preços demasiado elevados nalguns serviços, entraves financeiros e legais que impedem os clientes de trocar de banco e limitam a concorrência. São muitas, demasiadas, as queixas que são feitas às práticas comerciais dos bancos.
Em comum, duas características: todas contribuem para aumentar as receitas e a rentabilidade das instituições e têm sido olhadas com absoluta indiferença por governos e pelo Banco de Portugal.
O país deu um enorme salto na última década na área da regulação independente, ganhando uma série de entidades sectoriais que, com maior ou menor eficácia e desassombro, tentam fazer o equilíbrio entre os interesses dos accionistas das empresas e os direitos dos consumidores. É assim na energia e nas telecomunicações, no mercado de capitais e no sector imobiliário, na saúde e na comunicação social.
Mas os bancos sempre permaneceram à margem deste movimento. O Banco de Portugal resguarda-se numa leitura altamente conservadora da lei para nada fazer. Sempre muito preocupados com a saúde financeira dos bancos, Vítor Constâncio e os seus colegas da administração do banco central mostram horror a tudo aquilo que possa beliscar a imagem do sector financeiro, independentemente das práticas abusivas que este possa exercer.
Nesse sentido, o Banco de Portugal comporta-se como o líder dos bancos comerciais, o primeiro entre iguais de um sector que gosta de ser olhado como sendo diferente. Confunde-se, por isso, com a própria Associação Portuguesa de Bancos. Não se conhece, por exemplo, o resultado de qualquer decisão que o banco central tenha tomado a favor de um cliente e contra um banco - será que os bancos nunca pecam? E nem as boas práticas de alguns países europeus parecem inspirar a entidade de supervisão. Dois exemplos: aqui ao lado, em Espanha, é o próprio banco central que, no seu site na Internet, permite a comparação directa das comissões e taxas cobradas por todos os bancos. É fácil perceber como isso ajuda os clientes a escolher ou mudar de banco e como pode ser um factor potenciador da concorrência.
E em Inglaterra, a entidade supervisora do sistema financeiro publica todas as penalizações impostas às entidades bancárias: nome, ilegalidade cometida e montante da multa são tornados públicos, numa saudável atitude de transparência e de dissuasão de novas práticas.
Esta é uma área onde Portugal ficou na Idade Média, contrastando com o nível de desenvolvimento comercial e tecnológico dos próprios bancos comerciais e com uma rede Multibanco que é das mais evoluídas do mundo.
Só podem saudar-se, por isso, as iniciativas do Governo no sentido de regular o arredondamento das taxas de juro e de, eventualmente, vir a obrigar o Banco de Portugal a divulgar a identidade das instituições alvo de penalizações.
Lamenta-se que não tenha sido o próprio banco central a avançar, sendo agora obrigado a responder a imposições externas. Mas é preciso não perder de vista que estes são passos ainda tímidos e iniciais em relação a sector que presta serviços que são tão básicos e essenciais como a água, a luz, a saúde ou a educação. A transparência e as boas práticas têm que ser compatíveis com esse estatuto.