Quarta-feira, 16 de Maio de 2007
Sem Norte
Temos um país rico em Lisboa e um país pobre no Norte que, apesar de tudo, vai produzindo para o mercado global.
Andamos tão ocupados com os ‘fait-divers’ da política nacional que pouca atenção prestamos ao que mais importa. Enchem-se páginas de notícias e opinião com as pequenas peripécias do CDS, da licenciatura do primeiro-ministro, dos conflitos na Câmara de Lisboa e por aí adiante. Mas passa-se ao lado do essencial.
Uma das coisas essenciais é a dimensão do empobrecimento relativo da região Norte. As peças que têm sido publicadas num jornal que só se lê acima do IP5, o “Jornal de Notícias”, são impressionantes. Em dez anos, a riqueza criada ‘per capita’ na região Norte desceu de 67% para 59% da média comunitária. Na zona do Grande Porto, tradicionalmente privilegiada em relação ao total da região Norte, a queda foi ainda maior. Hoje em dia, o Norte do país é uma das regiões mais pobres da Europa e com dificuldades para recuperar.
No mesmo período, a divergência do Norte em relação à região de Lisboa acentuou-se. O salário médio de um lisboeta está 252 euros acima do salário de um habitante do Norte. Para além de menos rendimentos, o Norte tem também mais desemprego, sobretudo de longa duração.
Há unanimidade sobre as razões da crise: a concorrência acrescida dos novos membros da UE e dos países asiáticos; a prevalência de um tecido empresarial de mão de obra intensiva que não se renovou suficientemente; um défice de qualificações, de empresários e trabalhadores, ainda mais dramático do que noutras regiões do país; o alargamento da distância política em relação a Lisboa.
As consequências estão à vista de todos. Basta passear pelo centro do Porto para nos apercebermos da crescente pauperização desta parte tão importante do país. As ruas que Camilo Castelo Branco descrevia como transbordando de riqueza, transbordam hoje de pobreza e dos problemas sociais que lhe estão associados.
Como professor na Universidade do Minho, em Braga, a crise vem ter comigo pela voz dos estudantes. Este ano muitos deles têm-me explicado que os pais foram trabalhar para Espanha ou para Inglaterra. Alguns alunos vão eles próprios trabalhar para Espanha durante algumas semanas, clandestinamente. Aí conseguem ganhar o suficiente para continuar a estudar – o que já não é mau. Não tenho números sobre a emigração recente no Norte do país e acho que ninguém os tem. Mas a minha experiência directa aponta para uma realidade muito substancial.
O empobrecimento relativo da região Norte em relação ao resto da Europa e à própria região de Lisboa tem um aspecto paradoxal. O Norte continua a ser a região mais exportadora, enquanto que Lisboa importa muito mais do que exporta. A recente recuperação da nossa balança comercial deve-se às empresas do Norte. Assim, temos um país rico em Lisboa, mas que não exporta para o mercado global, e um país pobre no Norte e que, apesar de tudo, vai produzindo para o mercado global.
A explicação para este paradoxo tem muito a ver com o papel do Estado na sociedade portuguesa. Os rendimentos mais elevados na região de Lisboa devem-se, em boa parte, ao facto de estar aí concentrada grande parte do funcionalismo público. Como os salários dos trabalhadores não qualificados e dos quadros médios da função pública são superiores aos do sector privado, não admira que o rendimento médio em Lisboa seja superior.
Por outro lado, assistimos, nos últimos anos, a uma concentração cada vez maior das sedes das empresas em Lisboa. Mesmo aquelas que têm a sua origem no Porto ou no Norte tendem a deslocar as suas administrações e quadros superiores para a capital, se não de direito, pelo menos de facto. Isso deve-se à maior atractividade desta em termos de investimento público e também ao facto de convir às empresas a proximidade com o Terreiro do Paço. Em Portugal, como noutros países do sul, os negócios privados e públicos fazem-se mais através das ligações pessoais do que mediante o respeito por procedimentos abertos, transparentes e concorrenciais.
A imensidade do Estado e o seu clientelismo estão pois na primeira linha de responsabilidade pela situação a que chegou a região Norte. Mas, enquanto o Norte se afunda na sua crise, o país precisa de descobrir que não pode viver sem ele.