Quarta-feira, 16 de Maio de 2007
Incentivos perversos
A maldição da reversão para a mediania acaba por anular as tentativas de afirmar a excelência como um princípio duradouro.
Está em curso uma reforma da Administração do Estado. Motivada principalmente por considerações orçamentais, deverá reduzir parte do excesso de recursos humanos – sobretudo não qualificados –, mas deverá ficar aquém do que seria necessário para assegurar a eficiência do Estado. Porque, entre outras coisas, não altera os incentivos perversamente adversos à busca de eficiência e não prevê corrigir a decapitação da qualidade dirigente que a partidarização dos lugares de alta direcção provocou na Administração Pública.
O Estado é pouco receptivo à excelência. Tem tido, ao longo do tempo e nalgumas áreas, experiências portadoras de excelência, sem problemas de comparação com o que de melhor há no sector privado. Mas raramente perduram enquanto referenciais de excelência, tendendo, com mais ou menos tempo, a reverter para a mediania que caracteriza o funcionamento geral da Administração. Os vários interesses corporativos que dominam a Administração Pública empenham-se, mais ou menos encarniçadamente, em minar as condições de excelência em que alguns organismos apostaram e os dirigentes políticos, com ressalva de algumas excepções – que, pela natureza dos lugares, são pouco duradouras –, raramente estão dispostos a contrariar ou afrontar esses interesses.
A maldição da reversão para a mediania acaba, pois, por anular as tentativas de afirmar a excelência como um princípio duradouro. Não se quer dizer que o funcionamento do Estado não tenha melhorado ao longo do tempo e não continue a apresentar (pontual e efemeramente) experiências louváveis. Mas a melhoria registada tem sido sobretudo o resultado da incorporação do progresso tecnológico disponível na sociedade (nem sempre com objectiva avaliação do seu custo!). E, sem prejuízo das excepções, a mediania é norma.
E é norma, entre outras razões, porque os incentivos funcionam nesse sentido. Não se premeia o sucesso, mas penaliza-se fortemente o “erro administrativo”, fomentando assim a burocracia processual e desencorajando a gestão virada para os resultados (globais).
Uma pequena história para ilustrar. Numa instituição do Estado, cuja boa gestão permitiu poupar largas dezenas de milhões de euros, os serviços cometeram um erro processual que implicou uma perda de algumas dezenas de milhares de euros. Pois o órgão de fiscalização do Estado, em lugar de apreciar a gestão no seu conjunto, contrapondo o impacto do erro desses serviços aos benefícios conseguidos com uma gestão dinâmica e profissional, prepara-se para exigir que os dirigentes dessa instituição compensem, do seu bolso, o erro dos seus serviços.
Alguém duvidará de que no futuro, em lugar de se preocuparem em continuar a poupar dezenas de milhões de euros ao Estado, os dirigentes dessa instituição (e de outras, eventualmente) se vão passar a preocupar sobretudo em incrementar os procedimentos burocráticos e as formalidades que lhes evitem uma semelhante penalização financeira? Assim funciona um incentivo à vitória da burocracia sobre a eficiência.
Outro exemplo de incentivos perversos pode ser recolhido do recente folhetim à volta do director-geral dos impostos. Todos reconhecem e elogiam os excelentes resultados da sua gestão, mas a sua substituição estará iminente porque... ganha demais. Demais em relação ao que ele deu a ganhar ao Estado? Não. Demais em relação aos resultados alcançados? Não. Apenas demais! Porque na Administração Pública a qualidade não tem valor distintivo: o Estado está disposto a pagar pelo desempenho da função, mas não pelos seus resultados. Se os resultados forem bons, tanto melhor (é uma “mais valia”), mas não é algo em que se esteja disposto a investir. Ou seja, mais um incentivo a favor da burocracia sobre a eficiência, ou seja, de reversão para a mediania... Mas o mais relevante (e preocupante!) disto tudo é a aceitação popular deste conceito, como se viu pelos fora radiofónicos ou jornalísticos onde o assunto foi discutido. Ou não tivéssemos uma cultura pontuada pela inveja...