Terça-feira, 16 de Outubro de 2007
Semear futuras crises

Os bancos são o ponto nevrálgico do sistema de pagamentos. Ora, quando este, por alguma razão, é afectado, a economia está condenada a sofrer.

Paul de Grauwe

A recente intervenção dos bancos centrais, que injectaram elevadas somas de dinheiro no mercado para garantir liquidez financeira, suscita algumas dúvidas. Antes de mais, terá sido a decisão mais acertada? Terão os bancos centrais – em particular o Banco Central Europeu (BCE) que injectou no mercado monetário da zona euro mais que o montante combinado dos restantes bancos centrais – dramatizado a situação? Até que ponto estas intervenções poderão semear futuras crises no sistema financeiro?

Os bancos são o ponto nevrálgico do sistema de pagamentos. Ora, quando este, por alguma razão, é afectado, a economia está condenada a sofrer. O mesmo será dizer que o comércio e o investimento são igualmente lesados, e que os bancos e as empresas mais sólidos padecerão das consequências do crédito malparado.

Sendo o sistema de pagamentos um bem colectivo, o banco central deve assumir-se, enquanto credor de último recurso, como garante desse mesmo bem colectivo, o que implica que, em tempos de crise, tenha capacidade para injectar liquidez ilimitada no mercado a fim de garantir o bom funcionamento do sistema de pagamentos.

Embora pareça relativamente simples, um problema se coloca. Os bancos centrais não são apenas responsáveis pela estabilidade presente do sistema de pagamentos; são-no também em termos futuros. E o dilema que se lhes coloca ganha proporções de tragédia grega. A injecção de largas somas no sistema, como aconteceu há duas semanas, acaba por isentar os bancos que procederam mal de toda e qualquer responsabilidade, designadamente aqueles que concederam elevados créditos a ‘hedge funds’ sem pensar nos riscos inerentes ou no grau de iliquidez das suas posições.

Os bancos centrais podem, em princípio, evitar este dilema injectando dinheiro apenas em “bons” activos, o que implica excluir os bancos em dificuldade devido às suas más opções. Na prática, porém, é difícil distinguir entre os bancos que registam problemas temporários de liquidez e aqueles que sobrecarregam os seus balancetes com “maus” empréstimos. Foi precisamente o que aconteceu nesta crise: os bancos anunciaram elevadas perdas, mas foram incapazes de quantificá-las.

Este dilema coloca dois problemas. Primeiro, vai contra o nosso sentido de justiça, na medida em que são dados aos bancos que agiram irresponsavelmente os meios necessários para contornarem a crise. Segundo, a actual estabilidade do mercado propicia crises financeiras no futuro. Porquê? Porque a actuação dos bancos centrais incita os banqueiros prevaricadores a fazerem mais do mesmo. Eis o problema moral para que os economistas alertam com alguma frequência e que releva, em parte, de anteriores operações de “salvamento”. Resumindo, os bancos centrais têm contribuído, e muito, para uma leitura deturpada dos riscos de mercado.

Regresso à pergunta inicial: terão os bancos centrais, e em especial o BCE, tomado a decisão certa? A verdade é que tinham de agir, dado o risco de ruptura ser real. Mas poderiam os bancos centrais ter feito mais para minorar o problema moral? Walter Bagehot, reputado economista britânico do século XIX, defendia que, em tempos de crise, os bancos centrais apenas deveriam assegurar liquidez mediante uma taxa penalizadora. Há duas semanas, os bancos centrais não tomaram este conselho em consideração. Pelo contrário, preferiram inundar o mercado de liquidez sempre que a taxa a curto prazo subia ligeiramente acima da meta fixada. O BCE fê-lo de uma forma gritante, mesmo sabendo que não desencadearia nenhuma catástrofe financeira se decidisse manter a taxa meio ponto percentual abaixo da meta dos 4%.

Uma taxa penalizadora simbólica não iria, obviamente, resolver o problema moral, mas seria a prova de que o BCE está disposto a enfrentá-lo. Em suma, impõem-se reformas drásticas, tendo em conta que os bancos se envolvem cada vez mais em actividades exteriores à moldura reguladora e de supervisão através da transferência do risco para os ‘hedge funds’.

Ora, os bancos que se entregam a estas práticas não devem tomar a protecção dos bancos centrais como garantida. Devem, sim, pagar um preço por ela. Ou seja, têm de aceitar que os ‘hedge funds’ se submetam à mesma moldura reguladora e de supervisão aplicada a outras actividades bancárias. Isto não será fácil porque envolve cooperação internacional, mas é imperativo fazê-lo para que haja estabilidade financeira no futuro.


publicado por psylva às 16:50
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1 comentário:
De Bruna Uchoa a 10 de Dezembro de 2010 às 13:04
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