Quinta-feira, 13 de Abril de 2006
Riscos laborais no século XXI
Impõe-se equacionar novas fórmulas, que envolvam governos e mercados, para melhor gerir os riscos pessoais que os trabalhadores de hoje enfrentam em todo o mundo.
O público centra cada vez mais a sua atenção nos riscos que a globalização e as TI têm criado ao nível salarial e de subsistência das famílias. O debate em torno de novas ideias para fazer frente a estes riscos tem sido, debalde, pouco construtivo. De facto, o ímpeto necessário à implementação destas ideias, forte ainda há poucos anos, parece estar agora a esmorecer.
Que não haja dúvidas: estamos solidários com aqueles que, chegados à meia-idade, ou mais, dão por si substituídos por trabalhadores com magros salários noutras partes do mundo, quando não por computadores ou robôs. Mas até que ponto iremos tomar uma atitude?
A lógica do seguro contra desemprego, tão em voga há alguns anos, pode sintetizar-se da seguinte forma: cabia ao governo proteger os trabalhadores cujo emprego estivesse em risco e não fossem capazes de encontrar outro dentro dos mesmos parâmetros salariais. O programa criado para o efeito asseguraria, então, o pagamento de uma fracção ou de metade da diferença entre o salário anterior e o actual durante um período pré-definido - dois anos, por exemplo.
O conceito foi explanado por Robert Z. Lawrence e Robert Litan na obra Save Free Trade, editada em 1986, e reavivado por Litan e Lori Kletzer num artigo publicado em 2001. A proposta suscitou interesse e levou, inclusive, à criação de um programa de demonstração nos EUA em 2002. Nesse mesmo ano, a Comissão Hartz recomendou a sua introdução na Alemanha, ainda que adaptada. Os programas seguro contra desemprego foram igualmente tema de debate em diversos países, tendo sido implementados com as devidas adaptações na Grã-Bretanha, França, Suiça e Irlanda.
Os programas em questão, apesar dos aplausos das elites intelectuais, ainda estão longe de ter um peso significativo na economia mundial, embora devessem tê-lo. E não bastam por si só, devem ser complementados por outros mecanismos.
Ora, o seguro contra desemprego poderia constituir um mecanismo mais vantajoso e eficiente para o financiamento de formação on-the-job, substituindo-se aos programas de formação promovidos por entidades estatais. Raramente os formandos de programas orientados pelo Estado conseguem obter um emprego com o nível de remuneração prometido. Na óptica dos proponentes do seguro contra desemprego, a eficácia seria muito maior se fosse a entidade empregadora a desenvolver a formação, visto ter noção das verdadeiras necessidades da empresa e dos conhecimentos que o trabalhador teria de apreender. E tudo indica que dois anos bastam para proceder a uma reciclagem, após a qual o trabalhador poderá aceder a um salário mais elevado sem recurso a subsídios estatais. Os governos receiam, acima de tudo, as despesas que o seguro contra desemprego possa acarretar em caso de grande adesão. Eis porque não foi implementado em larga escala.
Nos EUA, por exemplo, o programa seguro contra desemprego abrange apenas os trabalhadores da indústria transformadora, por esta ser extremamente vulnerável face à concorrência e por não ser possível a transferência de competências, conforme definido pelo Ministério do Trabalho norte-americano, que estipulou um tecto para os benefícios, que não deve exceder os 5 mil dólares por ano. Em suma, o programa caiu no esquecimento. Se não for renovado, termina já no próximo ano. O cenário mais provável, tendo em conta os elevados défices dos EUA.
É, pois, essencial que o seguro contra desemprego ganhe novo fôlego e, para isso, impõe-se reconhecer que este é somente um dos muitos mecanismos possíveis para lidar com os riscos do século em curso. O actual conceito peca, essencialmente, por limitar os pagamentos a um curto período de tempo e por depender dos efeitos a longo prazo das acções de reciclagem inerentes aos programas. Perder um emprego bem remunerado tem, certamente, consequências nefastas. Todavia, não será um programa de reciclagem que vai apetrechar devidamente um trabalhador com mais de 50 anos e no desemprego.
Em 2003, propus através do meu livro New Financial Order: Risk in the 21st Cenury uma abordagem diferente, a que chamei seguro de subsistência. Tal como o nome indica, visa ir além de um mera bolsa de oxigénio temporária ou de um subsídio para reciclagem profissional. Visa, sim, abordar as mudanças a longo prazo no mercado laboral e não garantir níveis salariais temporários. Nele defendo a intervenção do mercado e não a promoção de programas governamentais.
As seguradoras privadas assegurariam, assim, um fluxo de rendimentos ao titular de um seguro de subsistência caso o índice de rendimento médio profissional ou regional decrescesse consideravelmente. Este fluxo não estaria arbitrariamente limitado a um par de anos ou a qualquer outro período , antes se manteria até o índice normalizar. Por outras palavras, pretende-se desenvolver uma protecção para toda a vida.
A duração limitada dos programas governamentais deve-se essencialmente, aos chamados perigos morais. Ou seja, pretende impedir que a preguiça leve a melhor ou que as pessoas aceitem trabalhos menos bem pagos para continuar a beneficiar desse apoio, que lhes assegura o equivalente a um salário de uma ocupação mais exigente. O seguro de subsistência não se compadece com tais situações, na medida em que está indexado à subida ou descida dos índices de rendimento, que escapam ao controlo dos indivíduos. E encerra igualmente outra vantagem. Sendo o prémio determinado pelo mercado, este acabaria por ser mais elevado para as profissões em risco de deslocalização ou mudanças técnicas. No fundo, actuaria como sinal tangível e como incentivo a todos os trabalhadores para anteciparem a perda de emprego.
Não quero com isto dizer que o seguro contra desemprego seja má ideia ou que não deva ser implementado a uma escala mais alargada. As duas modalidades contra desemprego e de subsistência podem, porém, desempenhar um papel importante na gestão do risco. Impõe-se, assim, uma visão de futuro. Impõe-se equacionar novas fórmulas, que envolvam governos e mercados, para melhor gerir os riscos pessoais que os trabalhadores de hoje enfrentam em todo o mundo.