Quinta-feira, 13 de Abril de 2006
Cortes de gestão

Tendo em conta a pressão no mercado de trabalho, pelo lado da procura, é fácil fazer uma gestão sacrificando o factor trabalho.

“Um navio pode dar à costa por força do mau tempo, mas encalhar tem toda a mediocridade e azedume do erro humano”.
Joseph Conrad (Escritor inglês)

Não existe hoje nenhuma empresa que não “faça gala” nos cortes introduzidos ao longo da sua cadeia produtiva. Aliás, tornou-se mesmo uma moda fazer cortes nas despesas gerais, nas de representação, nos benefícios sociais dados aos colaboradores e o maior corte veio justamente, do número desses mesmos colaboradores. Um bom sistema de gestão tem que eliminar desperdícios, controlar custos, mas evitar cair numa situação extrema em que seja o factor trabalho o único a ser sacrificado.

Tendo em conta a pressão que existe hoje no mercado de trabalho pelo lado da procura, é relativamente fácil fazer uma gestão sacrificando o factor trabalho. Com medo e em risco de perder o emprego, muitos são aqueles que acabam por trabalhar muito mais horas do que aquelas consagradas nas contratações colectivas de trabalho, horas essas completamente gratuitas para uma entidade patronal aproveitadora da situação difícil que o mercado de trabalho vive.

Esta situação relatada anteriormente é válida para os que procuram o primeiro emprego, tendo que se sujeitar a condições verdadeiramente incríveis para poderem começar a trabalhar; aqui podemos contar situações oferecidas muito abaixo das suas competências, salários a roçar a vergonha nacional e terminando no aproveitamento do conceito “Estágio” para não pagarem subsídio de férias nem de Natal, bem como não reconhecerem o direito a gozo de férias. No entanto, o desempenho requerido é tão ou mais exigente, que aquele que é requerido a quem está nos quadros das empresas e que gozam de algumas condições bem superiores. E não pensem que é nas pequenas empresas que esta situação se passa. Não, pelo contrário, são algumas empresas de referência nacional que patrocinam estas situações.

Depois existe a outra situação que é aquela que se prende com colaboradores há vários anos na empresa. Aqui existe uma distinção, entre os que estão com o “regime” e os que se limitam a fazer o seu trabalho. Se estão com o “regime”, apesar de medíocres, mal qualificados e incapazes de coordenar uma linha de pensamento ou dizer uma frase que faça sentido, acabam por ver a sua lealdade compensada com acréscimos pecuniários interessantes e outras benesses exponenciadas (cartão de crédito, valor da viatura de serviço, valor para gasolina de utilização pessoal, viagens, etc). Se está do outro lado da “barricada” que é como quem diz: se faz o seu trabalho de forma correcta mas não engrossa o rosário de fiéis servidores do poder dominante, se não se curva perante a hipocrisia reinante ou se não alinha pelo beija-mão do súbdito ao seu senhor, tudo lhe é retirado! Os cortes são gerais (viatura, cartão de crédito, gasolina e parte variável do salário). É um colaborador a abater de qualquer forma, nem que para isso se inventem e forjem os mais rocambolescos episódios, por vezes patéticos e nauseabundos mas que vão forçando situações do agrado de muitos que têm a gestão de algumas empresas sob sua responsabilidade.

A este propósito de cortes e da forma completamente inopinada, desgarrada e sem pudor como a sua esmagadora maioria é feita, naqueles que se referem ao factor trabalho, lembro-me sempre daquela célebre carta que Eça escreveu ao então presidente da Companhia das Águas de Lisboa.

Certo dia, Eça de Queiroz recebeu uma carta da Companhia das Águas de Lisboa a anunciar-lhe que lhe iam cortar o fornecimento da água por falta de pagamento. Perspicaz, incisivo e mordaz como era seu timbre, Eça foi lesto a responder e por carta escreveu: “Se o senhor Presidente me quer cortar a água, que cortarei eu a Va. Exa.?”.

De facto, perante cortes no factor trabalho que na sua grande maioria são totalmente inexplicáveis e inexplicados, apeteceria aos visados perguntar perante aquela gritante situação de revolta, de forma queirosiana, o que iriam eles cortar aos autores de tais dislates. Acredito que cada um teria o seu corte preferido a fazer!

O nosso problema sempre foi uma abordagem séria à mediocridade e enquanto esta não se fizer, vamos ter muitos portugueses (tal como o Eça), a apetecer cortar qualquer coisa a alguém!
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publicado por psylva às 13:01
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