Domingo, 5 de Junho de 2005
A idiossincrasia da mediocridade
Sob a capa moral da solidariedade, os portugueses têm uma enorme tendência para proteger os medíocres.
... hoje ... o medo joga-se no enfrentamento possível da competitividade. ... O medo do rival, do colega, dos outros candidatos ao mesmo lugar... o medo de todos os outros. Medo extraordinariamente agravado pela subavaliação que o indivíduo faz de si mesmo, julgando-se sempre abaixo do nível exigido, nunca à altura do que se lhe pede. ... contribui também para que a incompetência aumente por falta de audácia, de coragem... O medo de não estar à altura impera, arruinando as potencialidades criativas
José Gil, Portugal Hoje: O Medo de Existir
Pode não se concordar com a totalidade das teses, nem com a articulação de todas as ideias apresentadas pelo filósofo José Gil na obra acima referenciada. Mas tem que se concordar, pelo menos, que ele identifica muito bem algumas das características negativas da identidade dos portugueses de hoje e que constituem uma séria limitação à sua capacidade competitiva e, consequentemente, à sua capacidade de afirmação no mundo. O medo, como ele o define nomeadamente o medo de não se estar à altura e que se reflecte frequentemente num notório complexo de inferioridade repassa praticamente todos os estratos da vida nacional. Recorde-se, por exemplo, que, há cerca de quatro anos, Portugal não apresentou um candidato ao Conselho Executivo do BCE porque o governador do Banco de Portugal (candidato natural) não estava disponível para o lugar e o Governo achou que o País não dispunha de mais nenhum candidato à altura (coisa que nenhum outro país admitiria!).
A inveja, o queixume e o ressentimento, com que muitos portugueses embrulham a pequenez de espírito e incapacidade de ousar e de assumir os riscos da sua individualidade, esgrimindo-as contra os que têm sucesso ou, mais simplesmente, contra os que se atrevem a sobressair da niveladora mediocridade, são outras dessas características negativas, e limitadoras, da nossa identidade colectiva.
Tenho para mim que um dos mais sérios efeitos colaterais do medo diagnosticado por José Gil e que constitui talvez a maior praga idiossincrática contra a nossa capacidade competitiva consiste na perversa solidariedade para com a mediocridade e os medíocres. Sob a capa moral da solidariedade para com os desvalidos, os portugueses têm uma enorme tendência para proteger os medíocres e os incompetentes, e que acaba por impedir (ou dificultar seriamente) a diferenciação e o estímulo da qualidade, da competência e da iniciativa criadora.
Tal atitude protectora visível, nomeadamente, na acção de muitos sindicatos, sobretudo na área da função pública acaba por promover o nivelamento rebaixado, face ao que deveriam ser as capacidades médias dos portugueses, e por dificultar a promoção da qualidade e, por conseguinte, da produtividade. A razão por que essa solidariedade perversa é tão assumida é, na minha opinião, precisamente o medo generalizado de se não estar à altura. Isto é, a generalidade dos portugueses, em lugar de se assumirem normalmente como capazes e competentes, têm instilado, lá no seu íntimo, o receio de não serem capazes, ou seja, de serem potenciais medíocres. Por isso, ao protegerem os medíocres e os incompetentes acham que estão, no fundo, a proteger-se a si próprios (por descrerem nas suas potencialidades).
Este é, em minha opinião, um dos factores que mais limitam a nossa capacidade de desenvolvimento e a expansão da nossa produtividade potencial. E que seria fácil de ultrapassar se os portugueses acreditassem um pouco mais em si próprios e nas suas capacidades. Se se considerassem, como norma, potencialmente competentes, em vez de potencialmente incompetentes.
Mas o mais grave é que esta idiossincrasia limitadora descrente, ressentida, anti-competitiva e mediocrizante se instalou no sistema de educação, pela mão dos ideólogos rousseauneanos que dele tomaram conta, e que, por conseguinte, vai continuar a coarctar o potencial de desenvolvimento pessoal das novas gerações.
A banca e o betão
Com a maior naturalidade, Portugal está a regressar ao modelo de acumulação de riqueza que melhor conhece e que tão bem serviu os interesses da burguesia nacional durante grande parte do século passado. O poder e o dinheiro estão na banca e no betão.
Com a maior naturalidade, Portugal está a regressar ao modelo de acumulação de riqueza que melhor conhece e que tão bem serviu os interesses da burguesia nacional durante grande parte do século passado. O poder e o dinheiro estão na banca e no betão.
Com a provável excepção do Luxemburgo, onde os serviços financeiros são praticamente a única indústria nacional, em nenhum outro país da zona euro o sector bancário detém uma tal influência na vida doméstica, tanto pública como privada. A sua prima directa, a fileira do imobiliário, adquiriu igual estatuto à custa de trabalho árduo e capacidade inovadora nas especialidades PDM e engenharia criativa, transformando-se numa best practice mundial. Hoje, a margem de intermediação e o metro quadrado urbanizável são as verdadeiras unidades de medida do sucesso nos negócios.
Não surpreende, pois, que os lucros da banca continuem a bater recordes sucessivos - no primeiro trimestre do corrente ano, os quatro grandes bancos privados registaram um crescimento homólogo dos lucros superior a 40 por cento - e que o preço do metro quadrado de luxo, em planta, tenha já ultrapassado (nalguns casos, largamente) os cinco mil euros, num movimento imparável de aproximação aos padrões das economias mais caras do planeta. Enquanto isso, na generalidade dos sectores da economia real as margens não param de diminuir e as perspectivas de sobrevivência a estreitarem-se.
Alguns defendem que esta divergência não está minimamente correlacionada nem é necessariamente perversa; pelo contrário, ficar-se-ia a dever, no caso da banca, ao seu superior desempenho técnico e à sua reconhecida eficiência operacional, alegadamente ao nível das melhores práticas internacionais. O que equivale a dizer que a banca teria sido especialmente dinâmica e competente na gestão dos seus recursos, ao contrário dos restantes sectores de actividade. O poder de influência de que dispõe na sociedade portuguesa não seria, assim, mais do que a consequência natural da sua condição de superioridade. Esta simpática leitura da ascensão da banca portuguesa aos céus verde-rubros não resiste, porém, aos argumentos certeiros dos mais cépticos, entre os quais os consumidores. Olhemo-los de perto.
Com tanta modernidade tecnológica, tanta eficiência operacional, como se explica que uma transferência interbancária chegue a demorar mais de oito dias a ser creditada na conta do beneficiário? Com tanta concorrencialidade e sentido de satisfação do cliente, como se pode aceitar que a banca pratique generalizadamente taxas de juro superiores a 20 por cento no crédito pessoal (nos cartões de crédito, por exemplo)? Se isto não é usura, o que é usura? Quem cuida da regulação do mercado no interesse dos consumidores?
Na área corporate, as dúvidas sobre a bondade da actuação do sector financeiro são de outra natureza. É sabido que a banca de investimentos está para a economia real como os "empresários" do futebol estão para os clubes. Facilitadores legítimos de todo o tipo de transacções, beneficiários na compra como na venda, estes agentes incorporaram na sua filosofia de actuação o princípio mais abstracto da moderna economia de mercado - o valor accionista. Acontece que as dúbias teorias do valor degeneraram na procura obsessiva de mais-valias. No léxico dos intermediários, uma boa operação não é aquela que é susceptível de produzir riqueza no longo prazo, mas sim a que permite a obtenção de ganhos instantâneos - a tal "valorização accionista", na versão banca de investimentos e agentes equiparados - em transacções onde os interesses societários são frequentemente ultrapassados por interesses pessoais, tão duvidosos quanto compensadores. E assim se vai conquistando mais e mais poder.
Como é óbvio, o raciocínio da superior eficiência comparada não é aplicável à fileira imobiliária, onde os indicadores do sector da construção civil estão ao nível dos do Sri Lanka. Aqui, a razão nuclear do sucesso é outra - o supremo talento dos actores na criação de valor a montante e a jusante da cadeia de valor. Afinal, tudo aquilo por que nos batemos para o conjunto da economia portuguesa. E se fôssemos todos aprender com os empreiteiros?
defices
Um défice a caminho dos 7% mostra um país afastado do que antes se chamava "governo limitado". Um país sem respeito pela equidade entre gerações. Um país que não pode investir, que não pode reduzir impostos, que não tem liberdade. Por esta via ainda nos tornaremos um país sul-americano, com baixo crescimento económico, um Estado corrupto e uma inalterável desigualdade social. Não é muito diferente nascer nos Estados Unidos ou na América Latina excepto se se nascer pobre. Receio que a latinização de Portugal esteja em curso.
Que o défice é antes de tudo uma questão política, pode comprovar-se pelas entrevistas de anteontem, no DN, a um grupo de economistas. Não disseram nada que não se adivinhasse. Mas sintomaticamente, a maioria diverge sobre as medidas a tomar uns pedem acções imediatas e duras, outros soluções de continuidade; uns sugerem aumentos de impostos, outros a redução de prestações sociais; uns pretendem que o défice é prévio à economia, outros temem que resolver primeiro o défice não mude os problemas de fundo.
Na última década, muitos economistas ocuparam a pasta das Finanças. Nem por isso o défice diminuiu. A razão é que, de Sousa Franco a Bagão Félix (para não recuar ao cavaquismo), os ministros das finanças serviram políticas e primeiros-ministros. Não foram eles que erraram, mas aquelas políticas; e, salvo casos pontuais e conflitos esporádicos, a maioria nunca se opôs aos paradigmas que lhes foram impostos. O destino de um ministro das Finanças costuma ser ou a glória ou a miséria. Não há, de facto, meios-termos.
Elogio ao amor (por Miguel Esteves Cardoso)
"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro.
Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem.
A paixão que devia ser desmedida é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões , farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas e cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas, já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor,a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que
refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".
Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso.
Odeio os novos casalinhos. Por onde que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. o amor é um estado de quem se sente. o amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita não faz mal. Que se invente e minta e sonho o que quiser. O amor é uma coisa a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. é sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder.
Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também"
Miguel Esteves Cardoso
In " expresso"
Agradecimentos de um benfiquista
Gostaria de AGRADECER:
- A todos que enviaram imagens de sofás e cadeirões, dizendo: "Queres ser campeão? Então espera sentado". Foi um bom conselho. Isso de esperar 18 ou 19 anos dá experiência nestes assuntos;
- A todos os que enviaram avisos sobre possíveis doenças transmissíveis pelo "mofo" acumulado desde 1993. Não se preocupem, pois Portugal já passou epidemias bem piores, nomeadamente os 18 e 19 anos acima referidos. Mas como o agradecimento é sincero, fica uma sugestão: RENNIE ou KOMPENSAN para a azia;
- A todos os que enviaram o aviso de que tinha problemas na versão Word 1.0 de 93/94, que não conseguiam escrever "Benfica Campeão". A grande maioria dos portugueses reportaram o facto à Microsoft, e eles desenvolveram a aplicação "1 a 0" versão 04/05, pelo que já podem escrever as tão desejadas palavras, que não irá ocorrer qualquer problema;
- A todos que enviaram o vídeo do Gato Fedorento, "O adepto do Benfica". É um grande momento de humor. Embora continuemos a querer ganhar por "quinje a jero", conclui-se mais uma vez, que não é necessário ganhar com algumas goleadas para ser campeão (a outra foi na longínqua época do treinador John Mortimore);
- A todos os que enviaram menus de restaurantes com "Salada Russa", após a eliminação do Benfica pelo CSKA (tivemos azar...apanhamos os russos no inicio da UEFA, houve quem tivesse mais sorte e só apanhou no fim). Esqueceram-se que a referida salada se serve fria.
Gostaria, ainda, de AGRADECER:
- Ao Ricardo, por ser benfiquista e nos fazer rir muito, com as suas actuações. É sem dúvida, dos melhores em Portugal;
- Ao facto do Mourinho ter saído do FCP. Foram menos 20 pontos, em relação à época passada. De facto, um grande treinador, que transforma o mediano em óptimo;
- Ao Pitbull, ao Leandro, ao Areias, ao Leo Lima, ao Fabiano Fabuloso, ao Pepe, ao Claudio, ao Del Neri e ao Luis Fernandez;
- Ao Trapattoni, que nos fez ganhar o campeonato, mesmo piorando 9 pontos, em relação ao ano passado. Isto apesar de termos sido eliminados da UEFA pelo vencedor desta prova, para quem não sabe, o CSKA ("a melhor equipa que defrontamos esta época");
- Ao Peseiro, pela frase acima referida;
- Aos russos que, a 18 de Maio, gritaram "Viva o Benfica";
- Ao Luisão que, em Janeiro, após derrota com o Beira-Mar afirmou: "Em Maio vamos ver quem festeja!". Ele tinha razão. Foi o marcador de um dos golos mais decisivos dos últimos tempos;
- Ao fantasma da Luz, que após ter feito um penalty sobre o Jardel, na época 2001/2002, redimiu-se e fez a falta sobre o guarda-redes do Sporting, no dia 14 de Maio, na Luz;
- Ao Manolo Vidal (que considerou legal o golo do benfica) e ao Soares Franco, que afirmou: "Não temos nada a reclamar em relação ao golo." [declaração logo após o jogo da Luz]. Finalmente, alguém que conseguiu tirar o filtro verde do televisor;
- Ao Pampilhosa, por não estar na Taça de Portugal, na altura em que se disputava a 33ª Jornada, o que impediu novamente a "limpeza" de cartões amarelos (alguém poupou 15000 euros);
- À Bandeira de Portugal, que nos vai emprestar as Quinas para os equipamentos;