Quarta-feira, 29 de Novembro de 2006
The beach-head’
Qual é o general que ao fazer um desembarque (Normandia, Yukon na guerra da Coreia, etc.) espalha as suas forças por kms e kms? Nenhum.
Jorge A. Vasconcellos e Sá
O ponto de entrada, é um conceito importante no lançamento de um produto, ou entrada numa nova área geográfica.
Na sua essência é um triplo foco: 1) de segmento/nicho; 2) de canal de distribuição; e 3) de canal de promoção. Ou seja: concentração em poucos, ou apenas um de cada um dos três.
Segmento/nicho: ao lançar-se um novo produto, p.e., para o mercado de conveniência, dever-se-á primeiro, de início, optar por um ou poucos segmentos: congelados? ou refrigerados? ou enlatados? ou em pó? ou temperatura ambiente?
Poder-se-ia aliás ir mais longe, segmentando o segmento, isto é focando num nicho: dentro dos congelados: refeições prontas ou componentes (rissóis, croquetes, etc.) ou vegetais? ou...?; dentro dos refrigerados, sanduíches, ou sopas, ou saladas, ou pastas ou sobremesas?
Há depois a concentração do canal de distribuição: institucionais (cantinas e empresas de catering) ou discounters (’hard’ ou/e ‘soft’), ou ‘supers’, ou hipers, ou gasolineiras, ou outra distribuição moderna, ou cafetarias, ou venda directa à restauração ou...?
Finalmente há o foco em termos do canal de promoção: que programas de TV? e quais na rádio? ou que revistas? ou que jornais? ou outdoors? e assim sucessivamente.
As vantagens do triplo foco são seis: primeiro, podemos penetrar onde a concorrência (directa ou semelhante não está). Segundo, dado que no início se tem menos dinheiro (depois já há ‘cashflow’), urge optimizá-lo através da concentração. A qual também é importante para ultrapassar outras quatro desvantagens: a inexistência de word of mouth; o facto da maioria dos consumidores ser aversa ao risco (a % de inovadores logo de início é pequena); mesmo os que experimentam o novo, muitas vezes “racionalizam” e regressam às compras tradicionais do passado; e ainda por vezes as novas marcas defrontam-se com outras no mercado tão enraizadas na mente do consumidor que este confunde marca com produto: Kleenex, Gillette, Aspirina, Black & Decker, etc.
É por estas razões que mesmo que se tenha muito dinheiro (o que nem sempre é o caso) é melhor concentrar num ponto de entrada, como fez a Perrier ao entrar nos EUA ficando no 1) segmento classe A; 2) com a distribuição focando exclusivamente nos restaurantes de luxo; e 3) a promoção sendo feita apenas pelos vendedores.
Os molhos Newman? Entraram no mercado pelo 1) segmento de senhoras classes A e B com gosto pela cozinha; 2) promoção nas revistas de culinária; e 3) ‘direct mail’ como distribuição (por debaixo de cada anúncio havia um coupon picotado).
Os cosméticos para homem (anti-rugas, amaciadores de pele, etc.)? Entraram como? Primeiro: classe A. Segundo: promoção através de revistas de homem (Playboy, etc.). Terceiro: distribuição directa e através dos cabeleireiros de homem.
Em síntese: qual é o general que ao fazer um desembarque (Normandia, Yukon na guerra da Coreia, etc.) espalha as suas forças por kms e kms? Nenhum. Escolhem o melhor local (mais fraco do inimigo) e concentram tudo aí.
Os gestores? Fazem frequentemente dezenas de mini-desembarques em locais (segmentos, distribuição, promoção) diversos. Donde atacam fraco onde a oposição é forte. Resultado? Colhem o que semearam: (no mínimo), sub-resultados; (frequentemente), o fracasso.
Expansão democrática
Com George W. Bush e o 11 de Setembro de 2001, a visão expansiva da democracia ganhou novo fôlego. Mas mudou também na sua natureza.
João Cardoso Rosas
A democracia liberal expandiu-se extraordinariamente no mundo desde meados dos anos setenta. Samuel Huntington popularizou este processo com a ideia de uma “vaga” de democratização, iniciada em Portugal em Abril de 1974 e potenciada pela queda do muro de Berlim em 1989. No final do século, o optimismo quanto à democratização da generalidade dos países do nosso mundo tornou-se predominante no Ocidente e passou a ocupar um papel central na política externa dos Estados Unidos.
A mudança foi particularmente visível durante a presidência de Bill Clinton. Este tinha a enorme vantagem de ser um político atento à esfera internacional e pouco dado a fechamentos ideológicos. Por isso favoreceu a expansão da democracia, mas com as devidas cautelas, especialmente no Médio-Oriente.
Com a presidência de George W. Bush e o 11 de Setembro de 2001, a visão expansiva da democracia ganhou novo fôlego. Mas mudou também na sua natureza. Tornou-se mais ideológica e dogmática.
Muito se falou na influência do neoconservadorismo. Este tem – ou tinha, uma vez que está morto e enterrado – a ideia de que cabia aos Estados Unidos andar pelo mundo a derrubar todos os regimes não democráticos, a que os neoconservadores chamavam, com típica falta de rigor, “fascistas”. É a partir deste enquadramento ideológico neoconservador que se entende o plano para democratizar o Médio-Oriente a partir da invasão e subsequente democratização do Iraque.
Como é sabido, as coisas não correram bem. Embora os neoconservadores tendam a dizer que o erro não esteve no plano, mas na sua execução, há muito que se tornou óbvio que o próprio plano tinha pés de barro. Todos conhecemos as suas consequências: o Iraque mergulhou no caos, os movimentos terroristas ficaram reforçados aos olhos do mundo muçulmano, o Irão tornou-se mais agressivo, as teocracias árabes continuaram no poder, o Hamas ganhou as eleições na Autoridade Nacional Palestiniana, o Hezbollah reforçou-se no sul do Líbano, e por aí adiante. Assim chegámos à crise actual. Ela mostra-nos que, no Médio-Oriente, as coisas continuam a ser aquilo que eram, mas de um modo agravado.
Apesar das limitações inerentes ao seu carácter étnico, o Estado de Israel permanece como a única democracia liberal na região. A ideia de um novo Médio-Oriente, retoricamente repetida ainda esta semana pela Secretária de Estado norte-americana, não passa de uma miragem.
Do ponto de vista da expansão da democracia, portanto, o mínimo que se pode dizer é que o plano neoconservador e a acção da administração Bush falhou com estrondo e com dor. A ‘hybris’ democratizante, pelo menos no Médio-Oriente, parece ter incendiado tudo aquilo em que tocou. Talvez porque esqueceu o velho princípio de auto-ajuda de Stuart Mill: não se pode democratizar um povo contra a sua vontade. Ou ainda porque esqueceu que o essencial num regime democrático é o respeito pelos direitos fundamentais e não a realização de eleições competitivas. Ou seja, o essencial da democracia é o seu fundamento liberal, pacientemente construído, e não a rápida implantação dos mecanismos eleitorais que permitem a selecção de quem ocupa o poder.
Diante do falhanço, há várias atitudes possíveis. A primeira é a daqueles que, à direita e à esquerda, tudo aproveitam para alimentar o seu anti-americanismo primário (e, já agora, o anti-semitismo). A segunda é a dos que preferem a visão dita realista, mais favorável a deixar correr e a permitir que “eles se matem uns aos outros”. Nenhuma destas atitudes é racional ou convincente. Ao prescindirem do ideal democrático diante do falhanço de uma estratégia específica, ambas deitam fora a criança com a água do banho.
Assim, é talvez o momento de recordar que a democracia liberal é e continuará a ser o melhor regime. Ela é aquele regime que permite o respeito pelos direitos fundamentais de cada indivíduo e a substituição dos governantes sem derramamento de sangue. A democracia liberal é o enquadramento que permite a uma sociedade viver em liberdade e em paz com as outras democracias e, se a governação não for demasiado má, prosperar economicamente.
A ideia de que devemos desejar para os outros aquilo que temos de melhor para nós mesmos deve levar-nos a favorecer a expansão da democracia liberal no mundo. Mas não nos deve conduzir à ‘hybris’ democrática, potenciada pelo neoconservadorismo ou por qualquer outra visão ideológica mal alinhavada. A expansão da democracia passa sempre pelo exemplo dos Estados democráticos e pelo apoio aos democratas onde quer que eles estejam. Mas não é possível fazer democratas à força e à pressa.
O poder do comprador de casa
De repente, a psicologia mudou drasticamente, dando origem a um medo generalizado de uma queda acentuada dos preços no sector imobiliário dos EUA.
Robert J. Shiller
Depois do final da década de 90, foram muitos os locais do mundo que se viram a braços com o chamado ‘boom’ do mercado imobiliário. Como referi no ano passado, na segunda edição do meu livro ”Irrational Exuberance”, este tipo de ‘boom’ assenta no investimento especulativo dos compradores de casa alimentados, substancialmente, pela percepção generalizada de que o capitalismo triunfou e que todos devem ser proprietários. Convencidos de que o regime privado se tornou essencial para uma vida confortável e prática, os compradores inflacionam os preços da habitação.
Além do mais, os receios de que as pessoas têm de um eventual ‘boom’ faz com que, frequentemente, os preços das casas sejam rapidamente inflacionados. Ora, é esta a psicologia que vinga no mercado chinês e indiano, onde se espera que as receitas, em rápido crescendo, e os novos “bem sucedidos” exerçam uma forte pressão no sector dos materiais de construção, no mercado imobiliário e de terrenos. Há muito que o ‘boom’ do sector imobiliário tem sido uma constante nas grandes cidades destes dois países. Na China, e não obstante alguns sinais de fraqueza – o mercado de Xangai em queda, por exemplo –, a subida dos preços continua a ser acentuada na maior parte do território.
No entanto, um ‘boom’ provocado por estas suposições não pode ser ‘ad eternum’, porque os preços também não podem subir permanentemente, e devido aos sinais de desvalorização brusca que começam a surgir. Durante os últimos meses, a imprensa norte-americana tem vindo a divulgar relatórios que anunciam o fim próximo do ‘boom’ dos preços do sector imobiliário e proclamam o rebentar, iminente, desta bolha. De repente, a psicologia mudou drasticamente, dando origem a um medo generalizado de uma queda acentuada dos preços no sector imobiliário norte-americano.
A acontecer nos EUA – o bastião do capitalismo –, será que tal irá baixar os níveis de confiança dos consumidores e acabar com o ‘boom’ noutros países? Se assim for, será uma recessão a nível mundial o resultado mais provável?
A tendência para uma descida dos preços no mercado norte-americano, por exemplo, não parece reflectir alterações subjacentes nos níveis de confiança na economia dos norte-americanos. Segundo um estudo que levei a cabo, juntamente com Karl Case, durante os meses de Maio e Junho, com o apoio da Yale School of Management, é possível constatar uma queda acentuada nas expectativas, a curto prazo, dos norte-americanos em relação aos preços do sector imobiliário. Por outro lado, registam-se poucas alterações nas expectativas a longo prazo, o que nos leva a concluir que a maior parte das pessoas continua a acreditar que este é um sector de investimento a longo prazo.
A título de exemplo, e para que seja possível compreender a natureza de uma eventual mudança de opinião, devemos ter em conta que, hoje em dia, é muito difícil encontrar alguém que se preocupe com o disparar dos preços dos automóveis devido ao aumento da procura, na China, do aço e outros materiais responsáveis por uma subida exagerada dos preços. A ideia de uma especulação neste sector é completamente descabida, à semelhança do que aconteceu com o sector imobiliário até aos finais da década de 70.
Agora que possuímos um novo ponto de vista em relação ao sector imobiliário, nunca voltaremos a ser os mesmos. O rápido e acentuado aumento dos preços deste sector tem tendência para estimular uma nova onda de ofertas o que, por seu lado, vai acabar por minar os preços. Durante os próximos anos, e à medida que as pessoas se apercebem do aumento significativo da oferta, é provável que comecem a deixar de ver o sector como um investimento vantajoso, o que, inevitavelmente, vai conduzir a uma descida dos preços.
Com efeito, se por um lado as alterações nas percepções fundamentais podem não ocorrer rápida e facilmente, por outro, nunca deverão ser alvo de qualquer regulamentação. Mais, o preço dos terrenos urbanos nas grandes cidades japonesas, por exemplo, tem vindo a cair desde 1991, à medida que a crença nos poderes milagrosos do capitalismo japonês foi desaparecendo.
Este tipo de erosão nos preços do sector imobiliário pode suceder na maior parte das cidades. Para tal, basta que o crescimento da oferta ultrapasse a crença dos investidores no capitalismo.
Contestações
As diferentes modalidades de contestação não têm ainda conteúdo ou protagonistas à altura. Prova disso foi a unanimidade no congresso do PS.
João Cardoso Rosas
Aqueles que apoiam a continuidade da política reformista do governo devem estar preocupados com a actual onda de contestação social? Para responder a esta pergunta temos de distinguir três modalidades de contestação e caracterizá-las quanto ao conteúdo e quanto aos protagonistas.
A primeira modalidade é aquilo a que se poderia chamar uma contestação de carácter geral ou holista. Ela consiste em apresentar alternativas globais, articuladas e convincentes à política do governo, sejam elas mais à esquerda ou mais à direita. Este tipo de contestação tem de ser protagonizado pelos actores tradicionais, como os partidos políticos, ainda que possa ser ajudado por iniciativas da sociedade civil, sindicatos, movimentos de cidadãos, etc.
Ora, não se vislumbra este tipo de alternativa na sociedade portuguesa. Por um lado, a esquerda comunista não é certamente capaz de a articular. Esta esquerda considera que as políticas dos últimos 30 anos estão erradas e que seria necessário voltar ao modelo do Portugal de 1975, ou então da URSS. Quem é que vai aceitar isto para além de alguns crentes que nunca têm dúvidas? Por outro lado, o PSD quer defender um projecto liberal de direita, cortando nas funções sociais do Estado, mas tem medo de o dizer. Por isso diz coisas que mais parecem vir da oposição comunista: não se pode tratar assim os funcionários públicos, há cortes na despesa que são excessivos, etc. Enfim, o PSD não passa hoje de uma ”barata tonta” que não sabe para onde se virar.
A segunda modalidade de contestação é de carácter corporativo. Ela reúne todas as pessoas que são afectadas nos seus interesses particulares, ainda que não tenham qualquer desejo de alinhar por contestações de carácter holista. Assim tem sido com funcionários públicos em geral, deputados, professores, polícias, juízes, etc. O avatar mais recente deste tipo de contestação veio da banca. Isso demonstra que aqueles que mais clamam pelas reformas são os mesmos que protestam contra elas quando os seus interesses particulares são afectados.
Como muitos têm notado, o governo é especialmente hábil a tratar este tipo de contestação, cujos protagonistas estão disseminados. Até agora, Sócrates e os seus ajudantes têm sido convincentes na apresentação da política anti-corporativa como rectificação de privilégios que não se justificam. Toda a gente percebe que a taxa efectiva do IRC pago pela banca tem de se aproximar do imposto que é pago por outras actividades económicas. A questão não é legal – de saber se a banca respeita a lei ou não – mas moral. Da mesma forma, a generalidade das pessoas percebe que os serviços do Estado existem para servir os cidadãos e não as pessoas que lá trabalham. A educação não deve estar ao serviço da conveniência dos seus profissionais, os tribunais ao serviço dos magistrados, e por aí adiante.
A terceira modalidade de contestação é de carácter territorial. Ela tem sido alimentada pela lei das finanças locais e pela lei das finanças das regiões autónomas. Mas cabem no mesmo grupo os protestos contra o fecho de maternidades ou serviços de urgência, a oposição às portagens nas SCUT, etc. Como é normal, alguns agentes políticos de nível regional e local, especialmente os que militam na oposição, têm procurado capitalizar o descontentamento ao nível territorial.
Até agora, o governo tem conseguido acalmar esta contestação. A generalidade dos portugueses pode até achar graça à boçalidade encenada do Dr. Jardim, mas não o leva a sério. Os autarcas, por seu turno, geram alguma desconfiança no povo. Este sabe e tem inveja do enriquecimento indevido de muitos deles.
Ainda assim, a contestação territorial é aquela que contém um maior grau de perigosidade para o governo. Por exemplo, quando os utentes do Grande Porto, uma região particularmente desfavorecida, começarem a pagar portagens nas auto-estradas vão sentir-se verdadeiramente injustiçados face aos turistas ricos que frequentam a Via do Infante. Será por este tipo de erros ou inabilidades políticas que o apoio ao governo será mais abalado nos próximos tempos.
Assim, conclui-se que as diferentes modalidades de contestação social não têm ainda conteúdo ou protagonistas à altura. A prova disso foi a unanimidade no congresso do PS. A contestação externa a um poder estabelecido, seja de que tipo for, só passa a ter importância determinante quando abre brechas entre os próprios protagonistas do poder. Mas isso não está a acontecer.
Por fim, note-se que todas estas modalidades de contestação seriam exponenciadas caso existisse em Belém um Presidente que as acarinhasse. O Presidente não precisaria de se comprometer com nenhum tipo de contestação holista. Bastar-lhe-ia ir recebendo em audiência os protestos das corporações e territórios. Esse gesto seria suficiente para que eles encontrassem o protagonista forte que lhes falta para ganhar impulso político. Nesse dia sim, o governo tremeria.
Macroeconomia
“Salários têm de cair 20%”
Olivier Blanchard considera que o aumento do salário mínimo vai atrasar a recuperação portuguesa
A economia portuguesa necessita de uma redução de 20% nos salários nominais para sair rapidamente da crise. Uma medida “terrível” mas que é a única solução, na opinião do ex-presidente do departamento de Economia do Massachusetts Institute of Technology (MIT), para a falta de competitiviade portuguesa. Neste sentido aumentar o salário mínimo é um erro.
O economista francês Olivier Blanchard e actual professor no MIT, em declarações ao Expresso, considera ser esta a descida necessária à resolução do problema da produtividade e à descida da taxa de desemprego que, no terceiro trimestre, aumentou para 7,4%. Para Blanchard este passo deveria ser dado imediatamente para que produza efeitos o mais rápido possível, embora compreenda que não seja fácil: “O aumento dos custos de trabalho acumulado nos últimos anos implica uma descida de 20% nos salários nominais - cerca de metade nos salários reais. Parece uma coisa terrível mas, na ausência de um milagre na produtividade, não há outra solução”.
Em relação ao salário mínimo, defende que não seja aumentado como o Governo pretende, mas que, pelo contrário, as pessoas que estão nessa situação sejam beneficiadas através da política fiscal.
Salário de 400 euros
No congresso do Partido Socialista, do passado fim-de-semana, José Sócrates anunciou um aumento do salário mínimo nacional para 400 euros em 2007. Um valor que corresponde a uma subida de 3,6% em relação ao actual nível de 385,9 euros e que deverá continuar a crescer rapidamente até 2009, de acordo com as palavras do primeiro-ministro. O salário mínimo foi desindexado das pensões no âmbito da reforma da Segurança Social e pode subir sem ter grandes implicações no comportamento da despesa pública.
Nos anos anteriores, a promessa de convergência das pensões acabou por funcionar como um travão ao andamento da retribuição mínima que cresceu abaixo da taxa de inflação e perdeu poder de compra.
O aumento anunciado por Sócrates foi aplaudido por sindicatos - que exigem, apesar de tudo, um valor superior - e criticado pelos patrões que temem uma pressão demasiado elevada sobre as empresas. O risco é funcionar como um entrave aos ganhos de competitividade e, ao mesmo tempo, atrasar a criação de emprego.
Apostar no turismo
Olivier Blanchard não tem dúvidas. A aposta na descida dos custos do trabalho nos sectores que produzem bens não transaccionáveis, isto é, que não vão para exportação, é o caminho que Portugal deve seguir. “Maior produtividade nos bens não transaccionáveis leva a preços mais baixos, o que facilita a descida dos salários nominais sem perda de poder de compra e acaba por tornar os sectores virados para a exportação mais competitivos” refere o economista francês. E acrescenta: “Não há obviamente qualquer erro em tentar melhorar a produtividade nos sectores transaccionáveis, mas é mais difícil porque já são mais competitivos”.
Segundo o professor do MIT, Portugal deve olhar com mais atenção para o turismo e todas as actividades que lhe estão associadas, pois é aí que poderá estar o segredo para o seu crescimento. “
Não tenho qualquer objecção ao facto de Portugal apostar em sectores de alta tecnologia e no investimento em educação, que são coisas boas para o crescimento - o acordo com o MIT é um bom exemplo, mas não penso que tenha vantagens comparativas nestes sectores ao contrário do que acontece no turismo, por exemplo”, refere Olivier Blanchard.
A análise do economista francês sobre a situação económica portuguesa será publicada em breve num artigo do ‘Portuguese Economic Journal’. No texto intitulado ‘Adjustment within the euro. The dificult case of Portugal’, Blanchard avalia as consequências da entrada de Portugal na União Económica e Monetária em 1999 que, na sua opinião. explicam o cenário actual. É com base neste estudo que chega às conclusões para a saída da crise económica que atingiu Portugal nos últimos anos.
A ditadura dos inspectores
O nosso tempo é desconfiado. Um dos traços de carácter mais influentes e ocultos da nossa era é a suspeita latente dos cidadãos. Ao mesmo tempo, porém, a nossa sociedade céptica tem uma fé ingénua na lei. O resultado desta insólita combinação é que a vida hoje é regida, estatuída e restringida de uma forma que não tem paralelo em qualquer outro tempo e lugar.
Existem regulamentos, decretos, portarias para todos os temas e assuntos. De vez em quando os jornais denunciam indignadamente a falta de regulamentação de uma qualquer actividade, manifestando assim esta patética exigência: os detalhes mais ínfimos da nossa vida têm de estar sujeitos ao minucioso controlo da legislação.
Para que essas cláusulas sejam cumpridas existe um enorme exército de fiscais, inspectores e vigilantes que, em variados sectores, se dedicam a acompanhar, denunciar e punir a violação dos tais regulamentos.
Tudo isto é feito, obviamente, em nome de princípios elevados: a saúde pública, qualidade alimentar, educação responsável, segurança nas estradas, combate ao crime, eliminação da corrupção, defesa do ambiente e mil outros objectivos louváveis.
Mas o Estado democrático suporta aí um poder mais totalitário e minucioso que as piores ditaduras.
O problema é que a lei é um instrumento grosseiro e brutal. Ela não consegue, de facto, substituir a adesão livre, a cooperação social, a honorabilidade pessoal. Assim, as leis têm muita dificuldade em promover os objectivos proclamados nos seus articulados.
Quando chega um inspector a uma escola, não lhe interessa se os alunos são bem ensinados ou se aquela é uma comunidade educativa saudável e funcional. Ele tem é de medir as janelas, contar as sanitas, calcular os metros quadrados por criança. Se algum dos miríades de indicadores prescritos estiver fora do nível fixado pela lei da Nação, a escola é multada, obrigada a obras incomportáveis ou até fechada. Que os principais prejudicados por isso sejam os alunos é absolutamente irrelevante para os fiscais.
Uma visita de inspecção a um restaurante ou loja alimentar não se ocupa da qualidade da comida ou da satisfação dos clientes. Tem é de registar os prazos nominais dos alimentos, observar as condições de exaustão de fumos, exterminar galheteiros, colheres de pau e outros instrumentos nocivos. Normalmente, a presença da Inspecção implica a destruição de toneladas de comida em excelentes condições, cometendo os fiscais um desperdício muito mais criminoso do que os que tentam evitar. Entretanto, os comerciantes são multados ou até presos, não por venderem produtos avariados, mas por terem nas instalações "condições de embalagem e refrigeração desadequadas".
Naturalmente que os casos de sucesso atraem mais as fiscalizações. Uma empresa lucrativa, uma escola procurada, um festival gastronómico são presas apetecidas. E há sempre algum parágrafo por cumprir, o que alegra o estéril fiscal, satisfeito por revelar a fútil aparência do tal sucesso. Toda a criatividade, inovação, originalidade é contra os regulamentos. Só a mediocridade apática passa na inspecção.
Já a Antiguidade dizia que a lei tem de ser aplicada com equidade. Esta virtude resume o bom senso do juiz na análise das circunstâncias concretas do caso. Quem viole a letra da lei com razões poderosas, justificáveis e até legítimas, deve ser absolvido. Mas como se pode exigir esta elevação a uma multidão de inspectores, em múltiplas visitas diárias? Aliás, mesmo que um fiscal seja sensato e compreenda as razões do incumprimento, o mais provável é que venha a ser denunciado como negligente ou corrupto por um colega zeloso. Os regulamentos são sagrados. A severidade, mesmo injusta e destruidora, é o sinal que consola a sociedade nos seus propósitos elevados.
Devido à obsessão moderna pela saúde, educação, ambiente e outras abstracções, e sobretudo à enorme desconfiança em que vivemos, os inspectores têm uma autoridade que nenhuma outra classe possui. Eles são, ao mesmo tempo, detectives, acusadores, juízes e executores. Quanto mais elevado é o valor em causa, mais graves os efeitos. Hoje é concedido a funcionários o poder supremo de tirar filhos a seus pais.
Os poderes regulamentar e inspectivo são muito mais eficazes que os poderes legislativo e judicial. Exagerados, ficam asfixiantes. A sociedade que substitui a confiança nos cidadãos pela letra da lei acaba na ditadura, por mais elevados que sejam os seus propósitos.
Realidades paralelas
A diferença entre as percepções no mundo dos capitais e num mundo mais familiar, as carnes, pode ser abissal.
Ricardo Reis
No discurso comum, os mercados de capitais surgem quase sempre envoltos em mistério. Quando se misturam finanças, nacionalismo e política, então as discussões entram numa realidade paralela. A diferença entre as percepções no mundo dos capitais e nummundo mais familiar, as carnes, pode ser abissal. Vejamos:
Mundo das carnes: Você costuma comprar carne no talho do sr. Silva. No entanto, corre um rumor de que a carne está estragada. Quando lá foi a semana passada, você reparou nuns bifes azuis escondidos a um canto. Receoso, decide experimentar ir ao talho do sr. Pinto. Veredicto: você é responsável.
Mundo dos capitais: Estamos em 1997 e você tem as poupanças investidas em aplicações financeiras na Coreia do Sul. Corre um rumor de que o sistema financeiro coreano está a beira da falência. Você lê a imprensa económica que revela existirem, escondido pela contabilidade dos bancos, milhões em crédito mal-parado. Receoso, você decide vender as aplicações coreanas e trazer o dinheiro para Portugal. Veredicto: especulador maldito!
Mundo das carnes: O sr. Silva trabalha dia e noite, é sempre simpático, e você tem-lhe afeição. Custa-lhe vê-lo em dificuldades até porque os problemas devem-se à incapacidade que ele tem em ter mão nos trabalhadores. Mas, na última vez que lá foi, o bife que trouxe estava estragado e foi directamente para o lixo. Decide não ir lá mais. Veredicto: a saúde da sua família está primeiro.
Mundo dos capitais: Estamos em 2002 e a Argentina está em crise orçamental. Você tem muita afeição pelo rancho na Patagónia
herdado de um tio emigrante, e espera retirar-se para lá depois da reforma. Embora confie no ministro das Finanças Cavallo, você percebe que ele não consegue parar a espiral incontrolável de despesa dos governadores regionais. As finanças públicas estão em colapso, e alguns populares insatisfeitos já ocuparam parte do seu terreno. Você decide vender enquanto ainda lhe dão algum pelo rancho, antes que perca tudo. Veredicto: explorador insensível!
Mundo das carnes: Agastado, o sr. Silva anuncia que o seu filho, Afonso, vai passar a estar à frente do talho. O Afonso, quando era rapaz, vangloriava-se de nunca lavar as mãos e de ser muito manhoso nas suas tácticas para enganar os clientes nos trocos. Hoje, diz-se um homem mudado, mas você desconfia. Por isso, decide esperar uns tempos sem voltar ao talho até perceber se o Afonso afinal endireitou.Como os clientes não voltam, o sr. Silva começa a duvidar da decisão de nomear o Afonso. Veredicto: você é prevenido e sensato.
Mundo dos capitais: Em 2002, Lula da Silva concorre a presidente do Brasil e as sondagens dão-lhe a vitória quase garantida. No passado, Lula defendeu a expropriação dos capitais e o fim da política monetária estável seguida pelo banco central. Você decide por uns tempos manter as suas poupanças em Portugal em vez do Brasil. A fuga de capitais leva a que Lula caia nas sondagens. Veredicto: ataque à soberania nacional – estão a condicionar as escolhas democráticas dos brasileiros! Mundo das carnes: Num prédio com idosos, decide-se incumbir o sr. Velez de comprar a carne todas as semanas. Porque controla centenas de euros, quando o Velez responde às queixas dos idosos quanto à qualidade da carne, mudando do talho Silva para o Pinto, é o fim do talho Silva. Veredicto: o Velez zelou pelo interesse dos idosos.
Mundo dos capitais: Porque você não tem tempo para acompanhar o mercado de capitais, põe os seus investimentos a cargo de um fundo. O gestor do fundo, responsável por conseguir um bom retorno para os seus milhares de clientes, reage a más notícias na Tailândia em 1997 retirando os milhões que lá tinha investido. A Tailândia mergulha numa crise. Veredicto: capitalista cruel!
O ponto de vista nos veredictos sobre os mercados de capitais é compreensível. As crises financeiras trazem crises económicas com efeitos devastadores e atiram muitos para a miséria. Mas, culpar os misteriosos “especuladores” e o tenebroso “mercado de capitais” esconde os problemas em vez de os enfrentar. Frequentemente, os primeiros a correr atrás destes moinhos de vento são os verdadeiros responsáveis pelas dificuldades do país. Não se deve confundir o sintoma com a doença.