Terça-feira, 19 de Dezembro de 2006
Incentivos ao nascimento de mais crianças podem estar a resultar em alguns países
Em França teres três filhos equivale a quase dois salários mínimos portugueses…

Apesar do aumento das taxas de fecundidade, globalmente nascem poucas crianças
na Europa

Os europeus estão a pensar duas vezes antes de terem bebés. Mas mais benefícios, nomeadamente monetários, podem estar a fazer crescer, ainda que lentamente, as taxas de fecundidade em alguns países.
A Islândia lidera a tabela das nações europeias com taxa de fecundidade mais elevada, com um valor de mais de dois filhos (2,03) por mulher, em 2004 - o último ano para o qual existem estatísticas do Eurostat.
A Irlanda, com 1,99 filhos por mulher, e a França, à qual o Eurostat atribui um valor provisório de 1,90 filhos por mulher, aparecem em segundo e terceiro lugares no ranking. Os países nórdicos, incluindo a Noruega e a Finlândia, estão relativamente bem, com taxas de 1,81 e de 1,80 em 2004.
Mas globalmente os números continuam a ser preocupantes porque, de acordo com o Eurostat, a taxa de fecundidade que assegura a substituição da população nos países desenvolvidos é de 2,1 filhos por mulher.
As mulheres dos países da Europa de Leste e do Sul - região onde se situam muitos dos novos Estados-membros - são as que têm menos filhos. A Eslovénia está no fundo da tabela, com 1,22. Perto estão a República Checa e a Polónia, ambas com 1,23.
Com o objectivo de encorajar os casais a terem filhos, a Áustria (1,42 contra 1,36 em 2003), a França e outros países europeus têm reforçado os benefícios às famílias com filhos.

Pais "encurralados"
Na Áustria, a estratégia inclui pagamentos mensais de 436 euros para o filho mais novo até aos três anos de idade e mais entre os 105 e os 153 euros, também todos os meses, para a restante prole, conforme a idade das crianças. Manuais escolares gratuitos e a utilização dos transportes públicos, sem pagar, de escola para casa e vice-versa, são também assegurados.
Uma austríaca pode receber até 48 meses de prestações sociais por cada filho e está garantido um subsídio de maternidade dois meses antes e depois do nascimento do bebé. Nalguns casos, os pais têm também o direito de escolher quantas horas por semana querem trabalhar até os filhos atingirem a idade escolar.
Já em França, o primeiro-ministro Dominique de Villepin anunciou em Setembro incentivos financeiros para os pais que tenham o terceiro filho.
A medida garante 750 euros por mês aos que tirem um ano de licença sem vencimento depois do nascimento da terceira criança. Paralelamente, existe a possibilidade de os pais optarem por uma licença sem vencimento até três anos com um pagamento um pouco mais baixo: 512 euros.
Mas as carências nos cuidados às crianças permanecem. Um estudo recente revelou que na Áustria faltam 46 mil lugares em creches, jardins de infância e programas de ocupação das crianças depois da escola.
"Na Europa, muitas pessoas sentem-se encurraladas" na hora de conciliar mercado de trabalho e os cuidados aos filhos, diz Hubert Krieger, da fundação europeia para a melhoria das condições de trabalho e de vida. AP


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A crise, a China e os paradoxos do valor

Toda a gente sabe que as empresas de Portugal e Europa não conseguem resistir à China, que invade o mundo com produções baratíssimas. Assim, ou fecham ou fogem para Oriente. Mas esta coisa que todos sabem esquece um elemento muito simples e determinante: a criação económica de valor.

O conceito de valor, base da economia, é uma das ideias mais subtis e traiçoeiras da história da ciência. Foram precisos mais de cem anos, até fins do século XIX, para se definirem os seus verdadeiros contornos e mesmo hoje muitos dos que se dizem economistas continuam sem a apreender. Porque aquilo que dá valor a uma coisa não é o seu volume ou peso, a quantidade de esforço nela incorporado, o montante de capital envolvido ou a elaboração técnica da sua produção. O valor depende exclusivamente da utilidade que o público decide atribuir-lhe, do capricho do consumidor.

Pode ser algo rudimentar ou fortuito, uma mania passageira ou mesmo prejudicial, mas o valor advém apenas do que desejam as pessoas. Pagam-se milhões por telas pintadas há centenas de anos ou peças velhas de colecção. Simples pedras, como os diamantes, estão entre as coisas mais caras do mundo. Uma fama passageira dá fortunas a cantores e romancistas, até a moda mudar. A heroína e o haxixe valem muito mais que os medicamentos. O valor é o que a gente quer que seja. Esta ideia muito simples elimina graves erros contemporâneos.

Por exemplo, a China transformou-se na oficina do mundo. Os seus baixos preços de produção são imbatíveis pela concorrência. Será que ela está realmente a produzir valor e a roubá-lo ao Ocidente? Considerando apenas as quantidades envolvidas, fica-se impressionado. Mas a perspectiva da engenharia está longe de ser económica. É preciso ter em conta que aquilo que as empresas chinesas produzem constitui uma pequena parte do preço final do consumidor. De facto, as toneladas de materiais que saem dos portos chineses valem muito pouco.

Este problema é o mesmo com que os agricultores lidam há milénios. Desde a Antiguidade que se ouvem os homens do campo protestar contra a exploração dos intermediários, comparando o preço dos seus vegetais à saída da quinta com o que é pago pelos clientes. Mas estes protestos não têm em conta que o valor da peça de fruta no prato é muito superior ao que ela tinha na árvore. Transportar, acondicionar, refrigerar, distribuir, anunciar e comercializar exige muito esforço e organização, que têm de ser incorporados no custo. Os agricultores dão-se conta disso quando, procurando ultrapassar os armazenistas, colocam bancas na berma da estrada e, com grande dificuldade, escoam pequenas percentagens da sua colheita.

À medida que a sociedade se torna mais sofisticada, este elemento aumenta drasticamente a sua importância. Por que razão, entre os milhares de bonecos da loja, só um deles, e logo o mais caro, se vende em grandes quantidades? Por causa dos milhões gastos a fazer os filmes, séries televivas, videojogos e a maciça publicidade que o popularizaram, levando todas as crianças a quererem aquele brinquedo em particular. O fabrico da figurinha é exactamente igual ao de todas as outras, e isso foi o que a China recebeu. Mas, no valor que aquele bem contém, a parte física propriamente dita é mínima. Todo o resto, normalmente mais de 90 por cento do montante envolvido, foi produção ocidental.

Essa diferença fica patente a quem quer que visite os omnipresentes armazéns chineses de desconto. Por que razão os seus preços, várias vezes inferiores, não dominam totalmente o mercado? Por que motivo todos nós continuamos a comprar nas lojas normais? Precisamente porque o valor não é apenas o produto físico. Precisamos de várias outras coisas, como embalagem, design, variedade, garantias de qualidade, serviço ao cliente. Numa sociedade de informação, estes aspectos são decisivos.

Portugal e a Europa estão a perder indústrias de base para os países emergentes enquanto mais de 60 por cento da sua população activa se desvia para os serviços. Isso, que é uma evolução normal, parece um sinal muito perigoso para as mentes materialistas, que medem o valor em toneladas. Perguntam: "Quando nós só tivermos comércio, turismo e divertimentos, como podemos produzir e desenvolver-nos?" Mas se se derem ao trabalho de analisar as várias componentes do preço daquilo que compram, verão que foi precisamente para esses sectores que se dirigiu a maior parte do dinheiro que gastaram.



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Electricidade, livre mas mais cara


Paulo Ferreira

Estamos habituados a relacionar a liberalização dos mercados e a sua abertura à concorrência com a descida de preços e o aumento da qualidade se serviço. Com a electricidade, no entanto, este efeito sobre o preço não vai acontecer

Começa hoje oficialmente o mercado liberalizado da electricidade. Na teoria, isso quer dizer que qualquer consumidor, grande ou pequeno, pode mudar de fornecedor de energia eléctrica se assim o entender. Mas na prática nada vai acontecer já para o consumo doméstico. Mesmo os consumidores mais experimentalistas, que gostam de ser dos primeiros a testar as novidades, vão continuar "casados" com a EDP por, pelo menos, mais uns meses. A oferta para os pequenos consumidores ainda não é apelativa para as empresas concorrentes da EDP, que vão começar pelo mercado da pequena indústria e comércio.
Estamos habituados a relacionar a liberalização dos mercados e a sua abertura à concorrência com a descida de preços e o aumento da qualidade se serviço. E isso faz sentido: a possibilidade de livre opção entre produtos e serviços por parte dos consumidores é o melhor indutor da qualidade e da racionalidade dos preços praticados pelas empresas.
Com a electricidade, no entanto, este efeito não vai acontecer. No início do próximo ano as tarifas eléctricas que os portugueses pagam deverão subir consideravelmente acima da taxa de inflação.
Porquê? O aumento do preço da electricidade, que é definido pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, foi de 2,3% em 2005. Este valor ficou muito abaixo daquilo que devia se todo o aumento de custos de matérias-primas, com o petróleo à cabeça, tivesse sido directa e imediatamente passado para o consumidor. Neste caso, a subida teria chegado a 14,7%. A diferença entre um aumento e outro gerou um chamado défice tarifário na ordem dos 400 milhões de euros. Como em economia não há nem almoços nem energia grátis, essa factura atrasada vai ser paga a partir de 2007, e durante cinco anos, pelos consumidores. Com juros.
Apesar das razões que lhe estão na origem, este será terreno fértil para semear críticas à liberalização por todos os que preferem economias centralizadas, com preços definidos nos gabinetes ministeriais.
Já foi assim com os combustíveis, que tiveram os preços liberalizados numa altura em que o petróleo subia, tendência que ainda não parou.
Mas não tenhamos ilusões. Os preços das matérias-primas energéticas são formados em mercados internacionais que poucos países têm capacidade para influenciar. Se o petróleo ou o gás natural sobem e se os preços finais não reflectem totalmente essas subidas é porque alguém, pelo meio, está a pagar uma parte da factura. Isso aconteceu, por exemplo, quando no final da década passada o governo decidiu subsidiar o preço dos combustíveis, pagando às gasolineiras para que estas não aumentassem preços. Os aumentos apenas deixaram de ser pagos pelos consumidores na bomba de gasolina e passaram a ser pagos indirectamente pelos contribuintes nas facturas de IRS ou IVA.
Por muitas voltas que sejam dadas, é sempre mais racional e transparente que consumidor e pagador sejam a mesma pessoa.
Se a regulação for eficaz, a médio e longo prazo o consumidor vai ganhar com a liberalização da electricidade, porque passa a dispôr de uma arma fundamental: a liberdade de escolha. Sempre foi assim em todos os mercados e não há razões para pensar que neste caso vai ser diferente.


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Ciclos e mitos (1)


José Pacheco Pereira

Quem cá anda há mais tempo já percebeu os ciclos de sobe e desce, da fama e do esquecimento, o eterno retorno de ideias velhas apresentadas como ideias novas. Isto contraria a tentação adâmica de muitos, cuja memória é demasiado curta, ou a ignorância demasiado longa, e que acham que o mundo começou com eles, dedicando-se com estrépito a arrombar portas que muitos outros antes deles abriram com mais dificuldades. O espectáculo de os ver voar direitinhos à porta e passar sem dar por isso pelo imenso espaço aberto devia ser uma lição de humildade, mas normalmente não é.
Um destes ciclos recorrentes é a fortuna do par "esquerda-direita" como classificação dominante e moda identitária. Contrariamente ao que se pensa, o retorno actual do par é relativamente recente, data do período posterior ao fim do comunismo, que permitiu voltar a categorias maniqueístas, logo aparentemente mais simples, de análise. Onde antes era comunista-anticomunista, fascista-antifascista, democrata-antidemocrata, passou a ser esquerda-direita, uma classificação mais genérica e mais vasta, essencialmente histórica antes de ser política. Facilita a vida aos jornalistas e ao pensamento semijornalístico em que estamos mergulhados e por isso faz o seu caminho, embora cada vez menos sirva para classificar qualquer realidade contemporânea, num mundo complexo e com questões distintas do mundo pós-Revolução Francesa e pós-Revolução Industrial, onde a distinção foi gerada e sobreviveu com altos e baixos.
Ora, o que poucos vêem é que o retorno do debate "esquerda-direita", agora transvertido de "fundacional da direita" é mais um sintoma de crise da classificação do que da sua pujança. Sendo antes de mais um remake sem a frescura nem originalidade do debate original, cujo primeiro acto acompanhou a fundação do PP versus CDS, e a do BE, a discussão actual é, na verdade, um reflexo da crise política que se vive na pequena galáxia do CDS-PP, incluindo aí uma ala minoritária do PSD que cresceu nos anos Barroso-Lopes e tem como objectivo consertar um péssimo resultado eleitoral e os problemas de intervenção política do grupo ligado a Paulo Portas. São os impasses políticos desse grupo que estão na origem do actual debate, embora nalguns aspectos este os ultrapasse.
Voltemos atrás, à história ideológica, lexical e taxionómica pós-25 de Abril. Basta revermos os debates políticos na televisão, rádio e jornais, durante quase duas décadas depois do 25 de Abril para entender que mais do que no dualismo ideológico direita-esquerda, a identidade estava centrada nos nomes da identidade partidária: ser-se centrista, social-democrata, socialista ou comunista era a mais comum e suficiente forma de identidade. Se se caminhasse para o dualismo - e não se caminhava por regra -, as dificuldades de posicionamento apareciam de imediato. Nesses anos, apenas pequenos grupos ideológicos à direita se nomeavam como tal, embora preferissem classificar-se de "nacionalistas revolucionários" e alguns mesmo não desdenhassem assumir-se como tributários de várias tradições do pensamento autoritário incluindo o fascismo. A pouca fluidez do nosso sistema partidário também não corria por esses canais duais: por exemplo, o PRD, os "renovadores" ligados ao General Eanes, não se colocavam no espectro dualista, mas demarcavam-se através de issues, através de linguagens e através de personalidades. O debate absurdo, mas que existiu, sobre se o PCP era de esquerda ou de direita, numa altura em que era vital a demarcação dos socialistas dos comunistas, é outro exemplo. Então os socialistas nem sequer permitiam a pertença à "casa comum" da esquerda dos comunistas e vice-versa, o que mostrava as dificuldades operacionais da nomenclatura. Com excepção do Movimento da Esquerda Socialista e da União da Esquerda para a Democracia Socialista, e a excepção precursora do Clube da Esquerda Liberal, que usava a "esquerda" para contrabalançar o "liberal", a palavra "esquerda" não entrou no sistema político desde a "Esquerda Democrática" na Primeira República. O mesmo acontecia à direita.
Tal não significava que o dualismo esquerda-direita não fosse importante como factor de identidade política, em particular como manifestação de pertença afectiva, biográfica, geracional, histórica, nem que, se perguntados, os portugueses não se identificassem dentro dele e considerassem que cada lado definia um campo, um território. Só que, depois, na prática, usavam outros nomes para classificar as entidades políticas e tal lhes bastava. Necessitavam de tanta adjectivação ("esquerda socialista", "esquerda revolucionária", "esquerda liberal", "direita revolucionária", etc.) que se percebia que eram mais um ponto de partido do que de chegada. A classificação esquerda-direita era poderosa como posicionamento biográfico e factor de identidade, mas permanecia por nomear, permanecia sem explicitude, e, quando tal acontecia, remetia mais para os extremos do que para o mainstream. Quem se dizia de direita aparecia como sendo de extrema-direita e quem se afirmava de "esquerda-qualquer coisa" já se sabia que não era nem socialista soarista, nem comunista cunhalista. Com o tempo, à medida que o eleitorado se "soltava" e esbatia no seu comportamento a identidade partidária, alternando o voto "ao centro" entre o PS e o PSD, o fenómeno da demarcação ideológica também perdeu força.
Foi neste contexto que a aparição desse outro par de gémeos, o PP e o BE, nos extremos do espectro político, ambos muito influentes na comunicação social, tornou de novo dominante a classificação direita-esquerda. A ambos interessava uma classificação identitária forte e que fizesse simultaneamente a ruptura e a integração. Vinham das margens, mas desejavam a integração no mainstream político em categorias reconhecidas, em que cada um parecesse como guardião da identidade do seu "lado" - o PP da direita, o BE da esquerda. Cada um se definia como sendo a encarnação da verdadeira identidade do seu lado: o PP como a verdadeira direita face ao CDS e o BE como a verdadeira esquerda face ao PS. Devido à história do sistema político português depois do 25 de Abril, a mecânica era diferente em cada um dos extremos: o PP radicalizava à direita e o BE desradicalizava à esquerda; o PP pretendia ocupar um espaço que considerava vazio, o da direita, o BE pretendia deslocar-se da extrema-esquerda, para se afirmar como a esquerda face ao PS. A novidade do BE em relação aos grupos de extrema-esquerda que o constituíam era essencialmente essa, a de se definir como a "esquerda" do PS e não a "esquerda" do PCP.
Um dos mitos a que hoje se atribui papel "fundacional" na versão actual da distinção "esquerda-direita" é ao jornal O Independente. É em grande parte uma reconstrução a posteriori, porque aquilo a que o jornal deu origem, mais do que a uma nova direita foi a um populismo agressivo, antiparlamentar, anti-sistémico que tanto serviu o PP como o PCP, tanto serviu o radicalismo do PP de Manuel Monteiro-Paulo Portas e a sua variante boçal do "Paulinho das Feiras" como o justicialismo esquerdizante dos que desejavam uma "república dos juízes" em Portugal. Ambos foram filhos de O Independente, irmanados no combate aos mesmos inimigos, aliados que se reconheciam mais do que se pensa e do que a história revisionista e mítica dos dias de hoje quer reconhecer. Do papel dos mitos de O Independente no ciclo destes ciclos, falaremos a seguir. Historiador



publicado por psylva às 09:12
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Os Planeadores
A maior parte das pessoas assume que pode haver um plano para a solução dos vários problemas de uma sociedade. Em particular que pode haver um plano que desenvolva um país ou que melhore a sua prosperidade.
Porém, esta utopia apelativa esbarra com a evidência histórica de que raramente houve um plano que tenha trazido prosperidade a qualquer sociedade. A verdade é a de que não existe uma explicação satisfatória para os níveis de bem estar atingidos pelos diversos países.

Surgem com frequência propostas de explicação que atribuem à qualidade das instituições, à educação, ou à visão de certos governantes o elevado grau de prosperidade de certos povos. Eu acredito que todos estes factores são importantes. Mas dificilmente se comprova que se pode desenhar um plano que manipule esses factores de forma a criar um desempenho económico superior (talvez com a honrosa excepção do Japão a seguir à segunda guerra mundial, mas com consequências dúbias a longo prazo).

Sendo assim, porque é que tantos continuam a acreditar que se pode planear o desenvolvimento de uma sociedade?

Talvez uma das principais razões seja a dificuldade em compreender como de facto funciona a sociedade. Como a maioria das pessoas não compreende o modo como o mundo funciona são sensíveis a que planeadores visionários lhes expliquem o que se pode fazer para desenvolver a sociedade.

Uma das descobertas mais desvalorizadas é a importância da liberdade de escolha propiciada pelos mercados no desenvolvimento de uma sociedade. A ideia da mão invisível é de facto uma ideia poderosa. No essencial essa ideia diz que a prossecução do bem comum e do bem individual são conciliáveis, mas também que não é necessário que haja uma autoridade que diga às pessoas o que devem comprar ou vender no seu dia-a-dia.

A complexidade do funcionamento da sociedade reside no facto de todos os dias serem tomadas milhões de decisões independentes por milhões de pessoas diferentes. Como é que alguém conseguirá planear isso?

O mercado é em certo sentido profundamente democrático e transparente (desde que haja liberdade e ausência de coerção ou violência), e é isso que incomoda os planeadores. Além disso trata com naturalidade as diferenças entre as pessoas quer as que resultem dos seus gostos quer as que resultam das suas competências. E dessa forma adapta-se de forma natural à cultura de cada povo e mesmo à diversidade cultural. E convive com instituições jurídicas ou tradições muito diferenciadas. Ou seja, não é preciso mudar de cultura, língua ou religião para que a mão invisível do mercado funcione (mesmo os que acreditam que certos sistemas jurídicos são superiores não advogam a sua mudança como solução para o desenvolvimento).

Para a maior parte dos economistas, a capacidade do mercado de produzir boas alocações de recursos na sociedade é óbvia. Porém, esta é uma ideia alienígena a muitas outras disciplinas académicas ou profissões. Outras disciplinas adoptam um grau de controle sobre o seu objecto de estudo que não existe quando se estuda a sociedade humana no seu todo.

Não decorre do que escrevi até aqui que em muitos casos as soluções não envolvam um grau elevado de cooperação entre as pessoas. Por exemplo uma empresa resolve problemas (produz bens ou serviços) que uma pessoa isolada não conseguiria resolver. As grandes empresas do mundo resolvem certamente muito bem um qualquer problema da sociedade. De outra forma não sobreviveriam.

Da mesma maneira, às vezes é preciso coordenar as acções de quase toda a gente. Nesses casos, uma entidade como o Estado pode ser o veículo de coordenação adequado para resolver um dado problema da sociedade. Pessoas razoáveis podem discordar sobre quais os problemas que devem ser resolvidos ao nível do Estado, ou mesmo se certos factos devem ser considerados um problema.

Porém, mesmo numa sociedade em que o sistema político seja extraordinariamente centralizado e forte continua a haver muitas decisões (provavelmente as mais importantes para o bem estar das pessoas) que são tomadas de forma descentralizada fora da esfera do Estado. É por isso que, no campo das hipóteses, qualquer bom plano para desenvolver um país deveria ser baseado numa boa compreensão do modo como o resto da sociedade iria reagir a esse plano.

Raramente os planeadores ou os planos passam este teste. Paradoxalmente, a sucessão de planos falhados leva os planeadores a concluir que o seu plano original não era bom. Rapidamente começam a trabalhar num novo plano. Uma outra conclusão possível é a de que não há plano bom e a que se devia confiar mais nos processos de decisão descentralizados e não coordenados.

Em qualquer caso, os planeadores podem ser muito úteis à sociedade pois são uma fonte importante de ideias e inovação. Mas é importante que os seus planos não sejam implementados por pressão no segredo dos gabinetes ministeriais. Os planeadores são uma ameaça constante à liberdade individual e económica bem como ao bom funcionamento do mercado. É por isso crucial sujeitar permanentemente os planos públicos ao sufrágio, responsabilização e transparência da democracia.



publicado por psylva às 09:11
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O pragmatismo governamental



Uma das verdades actualmente à deriva no mar da sabedoria nacional é esta: o presente Governo não deveria ser definido através da oposição entre esquerda e direita, mas entre ideologia e pragmatismo. Portugal teria, muito simplesmente, um Governo "pragmático". Dito isto, falta saber o que isto quer dizer. Como quase todos os termos políticos, não adianta incomodar os dicionários para determinar o sentido de "pragmático". Será talvez mais interessante notar o modo como alguns tendem a conciliar a tese do pragmatismo governamental com a esperança de ver o Governo, num ímpeto reformista, dobrar o cabo do corrente modelo social. Ora, há aqui um equívoco. Porque o Governo ou é pragmático ou é reformista. As duas coisas não são compatíveis.
O actual Governo do Partido Socialista é pragmático, no sentido em que todos os governos do PS, desde 1976, foram pragmáticos. Em 1997, a Juventude Socialista pediu a vários notáveis do actual regime que explicassem "o que é governar à esquerda". É ainda hoje uma leitura edificante. Mário Soares, depois de recordar ironicamente que sempre foi "acusado de governar à direita", deu esta definição do que era governar à esquerda: "É governar com o pragmatismo necessário para compreender as realidades internas e externas que condicionam o nosso país e os parâmetros da globalização." Obviamente que ao governante de esquerda não ficava bem a nudez forte do pragmatismo: convinha-lhe cobrir-se com o manto da "sensibilidade social" e exibir as devidas tatuagens tribais ("republicanismo", "laicismo", "antifascismo", "causas fracturantes").
Em 1997, a grande preocupação dos próceres do actual socialismo, como António Vitorino, era afastar a ideia de que, para governar à esquerda, fosse necessário "transgredir", como se a esquerda fosse exterior ao regime político e económico. O governo de esquerda definir-se-ia, não por esta ou aquela orientação política, mas por uma "forma de estar nas instituições". Governar à esquerda seria, em resumo, o que a esquerda, identificada pela "forma de estar", fosse levada a fazer quando ocupava o poder. Esta atitude foi a que melhor poderia servir a um partido que sempre precisou do Estado como de oxigénio. Como Mário Soares lembrou em 1980, quando se zangou com os seus camaradas, o partido estava pejado de "pessoas que vieram para o PS porque o PS estava na área do poder. Porque querem exercer o poder. E pensam que a política é o exercício do poder e não o exercício da oposição".
O PS tem esta característica: nunca, desde 1974, encabeçou nenhuma grande mudança em Portugal. Não fez nem as nacionalizações, nem as privatizações. Também não as desfez. O que fez foi moderar o que outros fizeram. A grande preocupação dos líderes socialistas foi sempre a de arbitrar entre as várias correntes políticas, esperando com isso serem reconhecidos, à esquerda e à direita, como o partido natural do Governo. É esclarecedor sobre a natureza do PS que, actualmente, a mais agressiva voz da esquerda dentro do partido seja a de uma antiga militante do PSD. O antifascismo lírico de Manuel Alegre pode levantar muitos votos no país, mas não no partido. Ao contrário do que se diz, José Sócrates corresponde bem ao verdadeiro PS, aquele cujo rosto "pragmático" Mário Soares desvendou em 1980.
Para exercer o poder é preciso, agora, respeitar os limites europeus do défice, aumentar impostos e cortar ou congelar prestações e salários. Em tempos, também foi necessário fazer acordos com o FMI e desvalorizar o escudo (a maneira antiga, indirecta, de diminuir salários e prestações). O PS, nos seus tempos de Governo, fez tudo isso. O que nunca fez foi tentar romper com o sistema instalado. O PS tem um projecto de poder, não tem um projecto de mudança do país. Basicamente, os actuais ministros cortam e retiram, pelas mesmas razões porque deram e acrescentaram no tempo de António Guterres: por pragmatismo. Poupam porque não há dinheiro, tal como gastaram quando havia. Nada disto é aberrante na Europa. Todos os governos europeus são hoje pragmáticos. Desistiram de reformas complicadas. Preferem ajustamentos e reafinações, à espera de uma retoma anunciada todos os anos para o ano seguinte. Numa época em que a vida é ainda aceitável, para quê correr grandes riscos? Nunca se farão reformas por pragmatismo, porque o pragmatismo aconselha a não esticar a corda. O reformismo depende de convicções alheias aos dirigentes "pragmáticos" do PS. E isto tranquilizará algumas famílias, mas deveria fazer desesperar outras.


publicado por psylva às 09:10
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Portugal e o euro (parte II)

No final dos anos 90, tipos como eu deviam ser abatidos, pois eram péssimos para o negócio, e em época de euforia ninguém gosta de ouvir maus agoiros.


Na próxima sexta-feira, segundo dizem os jornais da especialidade, o Banco Central Europeu vai de novo subir as taxas de juro da zona euro. A subida, como é óbvio, vai implicar várias subidas de outras taxas, em principal a do crédito à habitação. As prestações vão pois subir, mais uma vez, mais uma má notícia para os muitos portugueses que compraram casa. Depois da subida da gasolina, agora é a vez dos juros, naquilo que parece um ataque concertado ao bem-estar da nação. A ilusão de prosperidade mágica, que dominou Portugal durante o final da década de noventa e o princípio do novo século, continua a ruir, desmoronando-se a cada ano que passa.

Lembram-se ainda do bom que foi? Lembram-se da loucura consumista que sobrevoou o país nesses tempos? Eu lembro-me. As casas, por exemplo, subiram a preços perfeitamente estratoesféricos. Com os juros sempre a descer, com a perspectiva de entrada no euro, com a banca a dar crédito a uma velocidade impressionante, o efeito sobre o mercado imobiliário foi imediato e colossal. Havia coisas do arco-da-velha. Lembro-me de ter visto T2 pequenos e apertados cujo preço pedido era de 50 mil contos. E o pior era que havia gente que comprava! Uma onda compradora assaltou os portugueses, todos os portugueses, e toda a gente falava de casas extraordinárias, que tinha visto, comprado ou vendido. Os portugueses são um povo muito curioso, que gosta de se gabar dos bons negócios que fazem. Nesses dias, toda a gente se gabava de ter feito um belo negócio, só porque tinha vendido um T3 relativamente medíocre por 60 mil contos a um palerma que o havia comprado. Como se houvesse mérito pessoal envolvido, os portugueses dissertavam teses magníficas sobre a permanente valorização do mercado imobiliário, “é um bom negócio, o preço está sempre a subir”, e como crianças fascinadas com um novo brinquedo, revelavam que iam comprar uma magnífica nova casa. É claro que isto implicava que qualquer mais valia feita na venda era comida na compra seguinte de uma casa maior, mas como o que interessava era a prestação mensal, aqui vai disto, e quem diz 70 mil contos diz 80 mil contos, ou 90 mil, não interessa, o que interessava era viver muito bem, mostrar que se fizera um belo negócio, e impressionar a malta que os ouvia.

Eu, que sempre suspeitei de euforias, ouvia a avó da minha mulher dizer que aquilo era como comprar jóias falsas, e dizia que sim com a cabeça. Impressionava-me a ideia de ter de pagar uma casa várias vezes. Era o preço acordado, mais algum para a sisa, e mais 30 anos de juros em cima, o que é o preço de outra casa, e ainda a contribuição autárquica todos os anos, e mais as reparações porque já não havia senhorio, o senhorio seríamos nós, e aquilo fazia-me azia, ficava com os pés frios à noite só de pensar nos anos que tinha de trabalhar para pagar tanta massa, e pronto, não comprava. É claro que, no final dos anos 90, tipos como eu deviam ser abatidos, pois eram péssimos para o negócio, deprimiam as pessoas, e em época de euforias ninguém gosta de ouvir maus agoiros.

Dez anos depois as coisas estão a dar para o torto. O país está espremido, o governo está espremido, as empresas estão espremidas, e as famílias, é óbvio, também estão espremidas. O problema é que ninguém vê uma forma de sair disto, e agora as casinhas, que eram tão belas e tão alegres há dez anos, estão a começar a ser um peso, uma canga pendurada ao pescoço das pessoas, dos casais jovens, e já não há tanto dinheiro assim, e a prestação sobe por causa do maldito Banco Central Europeu que só se preocupa com uma inflação que não existe mas eles vêem-na, eles vêem na, lá ao longe, nos cenários macroeconómicos, e estamos aqui estamos a perder a paciência com o governo, com o Cavaco, com isto tudo que não há meio de se endireitar, e é aí que a depressão se instala, e olhamos para as jóias e elas são falsas, bem dizia a tua avó. Falsas e ainda por cima caríssimas...




publicado por psylva às 09:10
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Ainda vamos a tempo

Já se sabe que as obras públicas estão sempre sujeitas ao efeito consecutivo de um multiplicador comum: primeiro, surgem os estudos de consultores competentíssimos, que indicam um orçamento inicial. Na elaboração dos cadernos de encargos, esse orçamento é multiplicado até se chegar à base de licitação. Adjudicada a obra, os "trabalhos adicionais" imprevistos e não orçamentados multiplicam novamente o valor pelo mesmo factor. Quando a factura chega ao conhecimento do público, a culpa não é de políticos nem técnicos, porque há muito que morreu solteira.
As obras faraónicas anunciadas por este Governo já entraram nessa espiral. No caso da Ota, sabe-se que custará muito mais do que as previsões e não vai ficar "de borla" para o Estado, que deixará de receber os importantes lucros que tem hoje com a Portela. Já se adivinha que a futura parceria pública/privada vai incluir o Aeroporto do Porto (não vá este tornar-se num temível concorrente) e será confundida e misturada com a privatização da ANA. Para cúmulo e como as inundações alagaram a zona de leito de cheia que será abrangida pelo aeroporto, cresce a dúvida se o estudo de impacte ambiental caucionará a gigantesca obra de terraplenagem. Entretanto, a ANA resolveu investir no plano de expansão da Portela, que será realizado até 2010 e custará 550 milhões de euros (antes do tal multiplicador comum...), que depois serão deitados fora em 2017 quando o aeroporto, que entretanto estará ligado ao metro, for demolido para ser substituído pela Ota...
Mas as novidades não ficam por aí. Lembram-se da nove ponte ferroviária entre Lisboa e o Barreiro que, segundo o Governo, devia servir para os TGV destinados a Madrid e ao Algarve e também para o do Porto e para as "navetes" do aeroporto da Ota, que entrariam em Lisboa pelo sul? Afinal, os últimos estudos mostram que a elevada duração destes dois trajectos exigirá a construção de um novo e caríssimo canal de entrada em Lisboa pelo lado norte...
Com tantas "surpresas", deviam-se repensar e articular os projectos ferroviários e aeroportuários. Desde logo, é preciso "casar" os estudos de procura (que foram elaborados em separado...) porque é certo que a rede de TGV vai arrefecer a procura do transporte aéreo em 20 por cento. Em segundo lugar, deve ser reavaliada a opção "Portela + 1", que passa por ampliar o aeroporto existente e desenvolver um outro, secundário para as low cost, por exemplo na base aérea do Montijo. Essa solução foi rejeitada para Lisboa (apesar de ter sido adoptada em muitas capitais) com o argumento de que com dois aeroportos não se conseguem economias de escala. Ora, não serão essas economias muito menores do que os exorbitantes custos associados à opção Ota?
Uma coisa parece evidente: a opção "Portela mais Montijo" justificaria que, em vez da ponte do Barreiro e do novo canal a norte, se concentrasse todo o tráfego ferroviário por uma travessia a montante, exactamente na zona do Montijo. Teríamos então um sistema integrado, com uma nova rede ferroviária (sem navetes...) a ligar todos os nossos aeroportos...
Com menor pompa e circunstância e maior realismo, talvez ainda se vá a tempo de evitar grandes asneiras...


publicado por psylva às 09:09
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O modelo dos socialistas


Quando os socialistas falam do Estado do bem-estar como uma conquista civilizacional, sabem que a maioria dos cidadãos europeus concorda com eles

Dezenas de membros de partidos socialistas europeus estão, a partir de hoje, no Porto a discutir o seu mais adorado objecto de desejo ideológico: o modelo social europeu. Conclaves como o que se anuncia têm sempre o condão de conciliar a retórica com o turismo, o convívio com a partilha, o discurso programático com a conversa de circunstância, ou seja, não servem para grandes desígnios. Mas, ao dedicarem o ponto central de um congresso ao modelo social europeu e não à tensão com a Rússia, ao mais uma vez adiado alargamento à Turquia ou à explosiva situação no Médio Oriente, os socialistas jogam pelo seguro. Apesar de estar sujeito a enormes pressões, o modelo social europeu é um produto que vende bem. Mesmo não sendo uma criação exclusivamente socialista (os conservadores britânicos e os democratas-cristãos foram também responsáveis pela sua instituição e desenvolvimento), os PS europeus sabem que não têm à mão melhor bandeira eleitoral para conquistarem ou se consolidarem no poder do que a da insistência na protecção social garantida pelo Estado.
É fácil de perceber porquê. Entre a exclusiva responsabilidade individual e a mão protectora da providência estatal, entre a dependência da sorte ou do azar e o conforto de um nível mínimo de previsão no quadro da vida de cada um, não parece haver dificuldade em optar. Quando os socialistas falam do Estado do bem-estar como uma conquista civilizacional, sabem que a maioria dos cidadãos europeus concorda com eles. O problema está, como sempre, entre a miragem de um modelo que se deseja e a realidade que o permite, ou não, alcançar.
Há 30 anos que o dilema se coloca e só muito recentemente os socialistas, em Portugal ou na Alemanha, ou no Reino Unido - Ségolène Royal dirá se também na França -, foram capazes de perceber que a protecção social só se garante se houver coragem para prescindir dos anéis para conservar os dedos. Ou seja, quando quem governa é capaz de fazer reformas no modelo que tanto se quer conservar. E, para o fazerem, os socialistas tiveram de vender a alma ao capital: perceberam que o sucesso capitalista é um aliado que fornece recursos e não o covil dos inimigos de classe que urge a todo o custo meter na linha.
A revisão programática, que deixou pelo caminho o pleno emprego ou a tutela da economia, está, porém, longe de se esgotar. A globalização abre novos desafios, a dinâmica demográfica mantém as suas ameaças e a tese segundo a qual a igualdade é um mito e o que importa é garantir as mesmas oportunidades para todos os cidadãos, seja no acesso à saúde ou à educação, continua sem produzir resultados entusiasmantes. O congresso do Porto tem, por isso, muito para discutir.
Apesar de todas as questões em aberto, se os socialistas fazem questão de venerar tão recorrentemente o modelo social do qual se consideram pais fundadores, é porque, no essencial, o modelo parece capaz de resistir aos novos desafios da economia global. Enquanto houver casos como os da Finlândia a servir de farol, os congressos socialistas terão sempre ao dispor um modelo para discutir com amenidade.



publicado por psylva às 09:08
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IRS a taxa fixa é certo?
 

As dúvidas justificam o ponto de interrogação. Mas entre as palavras “errado” ou “certo,“ parece-me que a opção “certo” está mais perto da verdade.


O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira escreveu uma coluna no DE de 7 de Setembro intitulada: “IRS a taxa fixa é errado.” Para o caso de restarem dúvidas quanto à sua opinião, encerra com a frase: “Porém, a opção pela ‘flat rate’, de que frontalmente se discorda, é socialmente má.”

O que é o ‘flat tax’? A proposta consiste em substituir o IRS com os seus múltiplos escalões, isenções, exclusões de impostos, deduções, etc., etc., por uma taxa única. Cada contribuinte pode deduzir um valor fixo em euros, só pagando impostos sobre os salários ou pensões acima deste valor. Substitui-se também o IRC por um imposto à mesma taxa única aplicado à facturação das empresas menos as despesas em investimentos e no pagamento de salários.

Para tornar esta proposta mais concreta, deixem-me sugerir uma taxa de 20% e uma dedução por contribuinte de 18.000 euros em média, mas que pode variar com o número de pessoas no agregado familiar. Ora, o valor do PIB em 2004 foi 143 mil milhões de euros, dos quais se deduzem 32 mil milhões em investimento. Os salários são deduzidos pelas empresas mas cobrados aos trabalhadores pelo que não afectam as receitas fiscais. Há cerca de 3 milhões de contribuintes que declaram IRS em Portugal, o que multiplicado por 18.000 euros resulta em 54 mil milhões de euros em deduções. Logo, a taxa aplicar-se-ia a 143-32-54=57 mil milhões de euros o que a 20% produz uma receita fiscal de 11,4 mil milhões de euros.

Este sistema tem uma enorme vantagem: é fantasticamente simples. Os formulários do IRS seriam substituídos por um papel do tamanho de um postal, salvando milhares de árvores. O controlo fiscal seria muito mais fácil porque as regras são tão simples e transparentes, e os cidadãos ganhavam todo o tempo perdido com o IRS. Para além disso, podíamos redireccionar o trabalho de muitos e talentosos contabilistas e fiscalistas para tarefas mais produtivas.

O professor Ferreira não está convencido e levanta cinco objecções. Em primeiro lugar, afirma que, com uma só taxa, ganham os ricos e perdem os pobres. No entanto, embora a taxa marginal seja a mesma para todos, a taxa média não é. O contribuinte que ganha menos de 18.000 euros (quase toda a classe baixa e média-baixa) paga 0% deles em impostos, o que ganha 25.000 euros paga 5,6%, e o que ganha 50.000 euros paga uma taxa média de 12,8%. O sistema é progressivo – quem ganha mais, paga mais.

Em segundo lugar, o professor Ferreira acha que a mudança para este sistema “não constitui razão para os comportamentos se alterarem e deixar de se defraudar o fisco.” Contra este argumento tem toda a ciência económica que afirma que as pessoas respondem a preços e a incentivos. Os dados também não ajudam: quando nos EUA nos anos 80 se baixou a taxa de impostos sobre os 5% mais ricos de 50% para 28%, a fracção dos impostos paga por eles subiu de 39% para 46%. Isto, em parte, porque a evasão fiscal baixou em pelo menos 100 mil milhões de dólares.

Em terceiro lugar, o professor Ferreira acha que “os esforços devem centrar-se na eliminação de anomalias e diversidades.” Mas, no sistema actual, as principais anomalias surgem para tentar corrigir de uma forma imperfeita a taxação das poupanças. Com o ‘flat tax’, porque se deduzem as despesas em investimentos, não se taxam as poupanças e encoraja-se o crescimento económico.

Em quarto lugar, rejeita o “êxito da ‘flat rate’ em vários outros países,“ a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Rússia e a Eslováquia, porque “se trata de países menos desenvolvidos”. Talvez em parte por causa do sistema fiscal, estes países estão a crescer tão depressa que em breve podem ser tão ou mais desenvolvidos do que Portugal. Pelo menos assim pensam a Grécia, a Alemanha, a Espanha, e os EUA, onde as propostas de ‘flat tax’ estão em cima da mesa.

Por fim, em quinto lugar, o professor Ferreira receia “quebras nas suas receitas fiscais”. Em 2004, o Estado recolheu em IRS e IRC 11,3 mil milhões de euros. Menos do que o ‘flat tax’ que descrevi acima.

Não quero convencer o leitor que o ‘flat tax’ é a melhor opção; há muitos problemas e algumas alternativas que não tenho espaço para expor aqui. As dúvidas são suficientes para justificar o ponto de interrogação no título. Mas entre as palavras “errado” ou “certo,“ parece-me que a opção “certo” está mais perto da verdade.


publicado por psylva às 09:08
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