Quinta-feira, 10 de Maio de 2007
O estilo e a substância
O estilo do primeiro-ministro confirma apenas a sua falta de substância
Em portugal, há uma suave combinação entre o poder e a arrogância que leva invariavelmente ao mito e à hagiografia. em 1990, quando o cavaquismo decidiu vender uma imagem diferente do chefe, o expresso deu à luz um trabalho de fundo, sob um título auspicioso: a história do menino aníbal. como mandam as regras da propaganda, a história do menino aníbal oferecia-nos "o retrato de um vencedor" e o percurso de um "predestinado" que "o acaso" empurrara para a política, a bem da modernização do país e da felicidade dos portugueses. a biografia, recheada de pequenos e coloridos episódios, revelava um "novo" cavaco silva, surpreendentemente humano (havia dúvidas sobre a matéria!) nos seus pequenos prazeres e nas suas inocentes "tropelias". para deleite de todos os fiéis, ficou-se a saber que, por trás do rosto esquálido e austero do primeiro-ministro, havia um "aníbal" traquinas que gostava de pingue-pongue e de matraquilhos e que subira a pulso na vida. ungido pelo mérito, o rapaz pobre de boliqueime, que fazia parte dos "costeletas" (por oposição ao grupo privilegiado dos "bifes"), acabara por se transformar num mago da economia, com doutoramento a preceito e provas dadas no desprezível mundo da política. na altura, quando o regime celebrava a existência de um "novo português" que se distinguia pela "vontade de vencer", o exemplo de cavaco silva, educado no esforço e na disciplina, era a confirmação de um sonho que animou esses excepcionais anos de falsa prosperidade.
apesar da sua aridez e da limitação dos seus horizontes, a história do "menino aníbal" tinha, apesar de tudo, um sentido que ultrapassava a mera glorificação do chefe e do seu grandioso "destino". entre os sacrifícios da infância e o posterior brilho da academia, a biografia não deixava de encerrar o essencial do cavaquismo. ou, dito de outra forma, o essencial de uma velha e recorrente tradição nacional que privilegia o esforço e o mérito em detrimento dos "interesses" mesquinhos dos partidos, que defende o primado da competência sobre as subtilezas da ideologia e que, em última análise, se baseia na superioridade da economia face às "intrigas" em que se entretém a política. neste sentido, o retrato de cavaco silva é também o retrato de um país que procurou sempre fugir às suas responsabilidades através dos bons ofícios de um qualquer salvador que o resgatasse do seu proverbial atraso e da sua irremediável pobreza.
o que impressiona na biografia do eng. sócrates, publicada, este fim-de-semana, pelo semanário sol, é o imenso vazio em que se afundam as inúmeras qualidades atribuídas ao biografado. em vinte páginas de prosa, ao longo das quais vamos assistindo ao harmonioso desenvolvimento do pequeno zezito, não há um pormenor que o diferencie, um traço que o caracterize ou uma ideia que o distinga - e muito menos algo que o determine à nascença para o exercício do poder, como assegura o título escolhido pelo semanário para coroar esta hagiografia da mediocridade.
na história do "menino zezito", não há esforço, nem sacrifício. também não há proezas académicas. nem feitos profissionais. o bacharelato no isec - que tantas dúvidas tem levantado - é completado, vinte anos depois, quando já se encontrava no governo do eng. guterres, com uma obscura licenciatura, na universidade independente. pelo caminho, e dando provas da sua vocação para a política, mergulha, com o amigo jorge patrão, "nos meandros socialistas da região". ou seja, envolve-se nas pequenas guerras do aparelho, onde gasta o melhor dos seus dias e inicia a sua fulgurante carreira. em 1987, depois de se ter enfiado no sótão do eng. guterres e numas intrigas de maior alcance, chega finalmente ao parlamento, onde viceja discretamente durante os anos do cavaquismo. ao contrário do que a sua "coragem" e "determinação" poderiam indiciar, josé sócrates, esse estadista de última hora, foi sempre um homem do aparelho, um cacique local que cresceu nos jogos partidários e se distinguiu nos golpes de bastidores.
antes de assentar na política, não deixou de fazer umas breves incursões profissionais. em 80, deu aulas de matemática no liceu da rainha d. leonor. e, um ano mais tarde, arranjou um "posto" na câmara municipal da covilhã, onde se distinguiu pelo "estilo", fugindo, como diz o jornal, ao "estereótipo do senhor engenheiro" que ele, para todos os efeitos, não era. mas usava "calças encarnadas" - o que já então revelava uma aversão às regras da burocracia que se veio a corporizar, mais tarde, na apresentação do programa simplex.
é com este extraordinário curriculum que chega, em 95, ao governo, pela mão do eng. guterres, de quem foi sempre um solícito boy. mantém-se firme, ao seu lado, até ao fim, quando o seu tutor político abandona as funções de primeiro-ministro depois de ter deixado, segundo as suas próprias palavras, o país "à beira do pântano". uns anos mais tarde, surge a consagração mediática, com um frente-a-frente, na rtp, com pedro santana lopes, uma das grandes estrelas desse restrito firmamento. diz este último que o conhece como ninguém. e acrescenta: "há duas pessoas na política que perceberam o meu método e, nalguns aspectos, seguem os meus passos: o carrilho e o sócrates." por uma vez, uma pessoa sente-se tentada a dar-lhe razão. o estilo do primeiro-ministro confirma apenas a sua falta de substância.
Copianço
Se os objectivos principais dos exames são incentivar o estudo e permitir aos alunos sinalizarem o seu valor, qual é o papel do “copianço”?
Porque há exames na faculdade? O principal objectivo do professor é que os alunos aumentem os seus conhecimentos. Como também é este o objectivo dos alunos, não deveria ser preciso perder tempo em exames. No entanto, se os alunos, jovens, têm dificuldade em comprometer-se a estudar, porque não conseguem resistir a outras tentações como ir para a praia ou namorar, então a possibilidade de reprovar um exame cria um custo em não estudar. Para evitar este custo, os alunos não cedem às tentações e fazem aquilo que realmente desejam, estudar.
É preciso também dar um inventivo ao professor. É que, no dia do exame, a melhor coisa que o professor pode fazer é entrar na sala e anunciar que o exame está cancelado. Por essa altura, já ninguém vai estudar mais ou menos, e assim evita-se o desperdício de fazer e corrigir exames. O problema é que os alunos antecipam este comportamento e percebem que não vai haver exame. Por isso, não estudam e acabamos todos pior. As universidades arranjaram um mecanismo para corrigir este problema: obrigam todos os professores a fazerem exames e proíbem-nos de os cancelarem.
Existe uma segunda razão para ter exames. A sociedade pede às universidades que sinalizem os alunos que são mais trabalhadores, inteligentes e esforçados. Esta informação é muito valiosa para os futuros empregadores, que assim evitam os enormes custos em avaliar cada candidato a emprego. Para responder a este pedido, as universidades criam obstáculos para os alunos ultrapassarem na forma de exames. Uma licenciatura passa assim a ser um certificado que o aluno passou esses obstáculos, e a média final um sinal mais preciso das dificuldades que teve.
Se os dois objectivos principais dos exames são incentivar o estudo e permitir aos alunos sinalizarem o seu valor, qual é o papel do “copianço”? Se o aluno sabe que, com uma probabilidade positiva, pode copiar sem ser apanhado, então não vai resistir a esta tentação assim como não resistia a ir à praia ou namorar, pelo que deixa de estudar. Por sua vez, se o mercado de trabalho sabe que os alunos copiam, então a licenciatura ou média de curso perdem valor como sinal, porque deixam de distinguir entre os bons alunos e os alunos que copiam bem. Copiar ataca na raiz as duas funções dos exames. Daí o esforço das universidades em combatê-lo. Os únicos beneficiados do estado de “copianço” são os alunos que não têm como objectivo aprender, e os alunos que se apercebem que a universidade vai sinalizar o seu baixo valor pelo que preferem eliminar o sinal na esperança de serem confundidos com outros de maior valor.
Na minha vida, passei por três sistemas de ensino. Em muitas universidades portuguesas, muitos copiam abertamente e quem não ajuda no acto de copiar é visto como mau colega. As regras das universidades tornam difícil condenar um aluno apanhado a copiar e as punições são leves. Em Inglaterra, nas universidades que conheço, os exames têm muitos vigilantes e regras rígidas. O sistema de exames é custoso (e por isso os exames raros) mas é muito difícil copiar. Nas universidades de topo nos EUA, em contrapartida, a vigilância é baixa. Em Princeton, o professor é obrigado a deixar os alunos sozinhos na sala durante o exame. Vigiá-los seria uma falta de confiança, até porque todos assinam no topo da folha de resposta uma jura de que se vão comportar de uma forma honrada. Mas se alguém é apanhado a copiar (ou porque foi denunciado por um colega ou porque as respostas o tornam óbvio) então a punição é muito severa–pelo menos suspensão por um ano e talvez expulsão.
Estas diferenças entre sistemas de combate ao “copianço” capturam diferentes atitudes perante a regulamentação: (1) não regular e tolerar a ineficiência do mercado; (2) regular de uma forma severa mas com grandes custos de implementação; ou (3) deixar o mercado auto-regular-se mas punir severamente os poucos incidentes. Nos mais diversos domínios, da justiça, à fiscalização, ou à regulação da economia, as sociedades escolhem entre estas três abordagens.
UNi
Numa empresa que compete no mercado, o que conta é a competência da pessoa e a sua capacidade de gerar lucros.
Mais do que o caso Sócrates, o que atrai a minha atenção na Universidade Independente é a falta de qualidade da instituição. Professores que ensinam quatro disciplinas num só ano aos mesmos alunos, uma secretaria caótica e incompetente, sucessão de reitores mal-preparados, processos judiciais pouco claros... é difícil imaginar pior! A Independente é um caso extremo, mas revela algumas das fontes de problemas nas universidades portuguesas: a procura, os incentivos, e a diferenciação.
1. A procura. A existência de universidades como a Independente satisfaz uma procura por parte de pessoas que querem desesperadamente uma licenciatura. Mas porquê esta ânsia por uma folha de papel com um carimbo?
Numa empresa que compete no mercado, o que conta é a competência da pessoa e a sua capacidade de gerar lucros. Ter sido capaz de obter um curso numa boa universidade é um indicador de capacidade, mas um curso às três pancadas numa universidade medíocre não garante nada. Por cada queixa que leio na imprensa acerca da “cultura” portuguesa recompensar cursos e títulos independentemente de valor, leio outra queixa acerca de alguns “recém-licenciados” que ganham uma miséria em muitas empresas.
Há um empregador em Portugal, no entanto, que paga mais a um licenciado independentemente do seu trabalho ou de onde estudou. Por acaso, é também o maior empregador: o Estado. Porque é que milhares de alunos estão dispostos a sacrificar anos de vida e a pagar propinas altas a frequentar cursos onde não aprendem nada? Porque sabem que o canudo só por si lhes garante admissão, carreira, e salário na função pública. Foi esta a resposta que ouvi de alunos da Independente quando foram entrevistados.
2. Os incentivos. O economista Roberto Perotti recentemente resumiu os problemas no ensino superior italiano. Perotti nota que, embora em Itália e no Reino Unido as cargas lectivas e o financiamento por professor sejam idênticos, a produção científica em Inglaterra é muito maior.
Os problemas de fundo no sistema italiano são de incentivos. Primeiro, um professor tem emprego garantido para a vida. Independentemente do que produza ou do tempo que passa na universidade, pode contar com o emprego. Segundo, para cada vaga, abre-se um concurso e forma-se um comité de professores que avalia os candidatos. Analisando os dados, Perotti mostra que (i) os membros do comité em média têm menos produção científica do que os candidatos e (ii) ter uma posição anterior na universidade que abre a vaga é equivalente a ter mais 13 publicações científicas no impacto que tem na probabilidade de obter a posição. Terceiro, o financiamento das universidades depende em muito pouco da produção científica mas antes sobretudo do número de alunos por professor. Este é um indicador difícil de interpretar: muitos alunos tanto pode significar muita procura, como pode antes sinalizar pouca e fraca oferta.
Embora eu não conheça um estudo semelhante sobre Portugal, suspeito que o sistema seja semelhante ao italiano. Os incentivos acima implicam que, para o professor ter emprego e ser promovido ou para a universidade sobreviver, não conta quase nada a capacidade de produzir conhecimento.
3. A diferenciação. O problema de fundo nas duas questões acima descritas é a insistência do Estado na uniformidade. Como empregador, o Estado trata todos os licenciados por igual. Como financiador, insiste em não distinguir quem produz. Só que, ao não diferenciar e recompensar os melhores, distorce o mercado de trabalho e elimina os incentivos para ser melhor.
Um sistema de ensino superior onde o curso não garante emprego e salário e no qual a carreira dos professores depende da sua produção científica é necessariamente diferenciado. Neste sistema, os mais bem-sucedidos (porque são melhores, têm mais sorte ou, na maioria dos casos, ambos) são mais bem recompensados do que os menos bem-sucedidos. Casos como o da Independente não conseguiriam sobreviver neste mercado, sem serem precisas as opiniões ou acções do ministro Mariano Gago.
Os quatro problemas
Um estudo do ICEP na Alemanha concluiu que Portugal era visto como um país 1) velho e 2) desorganizado.
As dificuldades das exportações portuguesas retratam a seriedade das dificuldades, que as nossas empresas defrontam. Foquemos em três desses problemas.
Primeiro: alteração de paradigma. Antes, Portugal tinha (nos têxteis, confecções, calçado, cerâmicas, etc.) o chamado primeiro preço do mercado. Isto é, Portugal era o barateiro do mercado internacional.
Hoje, já não é assim, devido ao Norte de África, Próximo e Extremo Oriente, etc., o que eliminou quatro vantagens.
Quando Portugal tinha o preço mais baixo, 1) os canais de distribuição eram óbvios: as grandes superfícies; 2) entrar lá era fácil (havia o argumento preço); 3) o consumidor final experimentava (sendo o preço o mais baixo, ele tinha pouco a perder); e além disso 4) tinha uma razão para repetir (o preço).
Agora tudo se alterou. Sem 1º preço, os canais adequados poderão ser lojas de especialidade, ‘department stores’ mais caros, venda directa a empresas, distribuição moderna (gasolineiras, lojas de conveniência), etc. E mesmo que a grande superfície continuasse a ser o canal ideal (1), entrar nela (2), levar o consumidor a experimentar (3) e a repetir (4), torna-se agora muito mais difícil porque não se tem (o menor) preço, nem (frequentemente) imagem.
Os problemas levantados por esta alteração de paradigma são exacerbados pela imagem do país. Um estudo do ICEP na Alemanha concluiu que Portugal era visto como um país 1) velho e 2) desorganizado. Donde, é mais difícil vender qualidade a partir de Portugal (do que p.e. da Holanda, Irlanda, Dinamarca, etc.). Em testes cegos, os ‘smokings’ da Maconde ganham a “Hugo Boss”. Mas o preço? É pouco mais de 1/3. “Superbock”: teste cego, em Espanha?: 1ª marca preferida; quando se conhece a marca?: 5ª; quando se sabe que é portuguesa?: 9ª (em dez).
Terceiro problema: a dimensão das empresas portuguesas. Sendo menores carecem de 1) economias de escala e 2) efeitos de experiência. Logo, (para igual remuneração dos factores produtivos), custos mais altos. Não se trata de um problema sem solução. Mas sim, de mais um problema a resolver. Prova? “Afer” (que concorre com a gigante “Brabantia”); “Atral Cipan” (que exporta com sucesso no meio dos gigantes farmacêuticos, etc.); etc.
O resultado destes três problemas? A dificuldade das nossas exportações em arrancarem. O que fazer? Ultrapassar os problemas (que existem para ser resolvidos e não simplesmente apontados). Possível? Seguramente. Leia-se “Renova”, “Vicri”, “Aerosoles”, etc. O que fazem estas empresas?
Por razões de espaço, fica para a próxima oportunidade. Porque o exemplo de sucesso merece detalhe de análise.
Joke
Um homem está a conduzir o seu carro, quando a certa altura percebe que se perdeu. Dá conta de outro homem que passa por perto, encosta ao passeio e
chama-o:
- Desculpe, pode dar-me uma ajuda? Prometi a um amigo encontrar-me com ele às 14h, estou meia hora atrasado e não sei onde me encontro.
- Claro que o posso ajudar. O senhor encontra-se num automóvel, entre os 38 e os 39 graus de latitude norte e os 9 e 10 graus de longitude oeste, são 14
horas, 23 minutos e 42 segundos, hoje é quarta-feira e estão 27 graus centígrados.
- O senhor é informático?
- Exactamente! Como é que sabe?
- Porque tudo o que me disse está correcto do ponto de vista técnico, mas é inútil do ponto de vista prático. De facto, não sei o que fazer com a informação que me deu e continuo aqui perdido.
- Então o senhor deve ser um chefe, certo? - responde o informático
- Na realidade sou mesmo. Mas. como percebeu?
- Muito fácil: não sabe nem onde se encontra, nem para onde ir; fez uma promessa que não faz a menor idéia de como vai cumprir e agora espera que outro qualquer lhe resolva o problema. De facto, encontra-se exactamente na mesma situação em que estava antes de nos encontrarmos, mas agora, por um qualquer estranho motivo a culpa acaba por ser minha!