Sábado, 10 de Setembro de 2005
China - pânico ou serenidade
DE: António Borges
A China tem um modelo económico simples e bem sucedido; num quadro de gestão macro-económica prudente.
A irrupção dos produtos chineses nos mercados internacionais tem gerado considerável pânico, sobretudo na Europa. A conquista sistemática de novas posições comerciais por parte dos chineses parece inexorável. Cada ano os produtores chineses entram em novos mercados, evoluem para indústrias mais sofisticadas e impõem os seus produtos a preços imbatíveis. É fácil extrapolar esta tendência: com a sua gigantesca dimensão, a China rapidamente dominará a economia mundial; a todos nós restará o desemprego, na sequência do desaparecimento de toda a nossa capacidade de produzir, seja o que for, a preços competitivos com os chineses. Felizmente, a realidade é bem mais complexa e interessante do que uma simples extrapolação. E o crescimento da China e de outros países emergentes além de muito menos ameaçador do que se pensa, tem muitíssimos aspectos positivos para o resto do mundo.
O receio excessivo causado por novos concorrentes não é novo; sobretudo, é pouco racional. Já na década de 70 se afirmava sem margem para dúvidas que o Japão dominaria o mundo e que antes do fim do século 20 seria a maior economia do globo. Nada disso aconteceu. E ainda que o Japão tivesse muito melhores condições para liderar a economia mundial do que a China tem, já ninguém receia os japoneses nem tem medo do seu domínio.
A China tem um modelo económico extremamente simples e bem sucedido; num quadro de gestão macro-económica prudente aliás, dizem alguns, excessivamente prudente uma taxa de poupança elevadíssima permite canalizar para investimento uma parcela gigantesca do PIB. Com uma mão de obra disciplinada, ambiciosa e trabalhadora e uma notável capacidade para atrair nova tecnologia do exterior, a produção pode crescer a ritmo muito rápido. Graças à globalização, os mercados externos fornecem inesgotáveis oportunidades comerciais. Resta ir repetindo a receita, ano após ano, o que se torna fácil devido à ilimitada disponibilidade de mão de obra interessada em entrar neste novo mundo de prosperidade incomparável com a da China rural e tradicional.
Curiosamente, este modelo tem muitas semelhanças com o do extraordinário crescimento económico português dos anos 60: crescimento muito rápido, exportação, investimento, poupança elevada, mão-de-obra disponível, tudo idêntico inclusive, claro está, a ditadura. Ora nós bem sabemos que o êxito do nosso crescimento económico dos anos 60 nada significa quanto à nossa capacidade de competir e nos desenvolvermos no século XXI. Quem pensa que o modelo chinês se pode reproduzir indefinidamente sofre seguramente de fortíssima miopia. Aliás, a grande questão que se deve colocar no que respeita à China é justamente a de se poder prever o ponto de inflexão, quando aquela gigantesca economia tiver de encontrar novas vias para manter o momento de que agora inegavelmente desfruta.
O caracter inevitavelmente limitado do crescimento chinês não impede que durante muito tempo a concorrência chinesa continue a ser um enorme quebra-cabeças para todos os outros países. Mas convém lembrar que nunca os ganhos do comércio internacional são apropriados por um único país. A economia mundial sai sempre a ganhar, muitos países beneficiam consideravelmente da expansão do comércio, embora evidentemente também haja quem perca. Quanto mais os chineses exportam, mais têm interesse em importar: é precisamente o crescimento gigantesco do mercado chinês que explica o êxito de países asiáticos ou latino americanos como o Brasil. E as exportações destes para a China dão origem a importações que criam excelentes oportunidades para terceiros. O processo propaga-se rapidamente, e é hoje um dos mais importantes factores da forte expansão da economia mundial a que temos assistido.
Perante esta situação, há duas atitudes. A nossa de certa Europa e em particular de Portugal consiste em concluir que vamos seguramente perder com esta concorrência desabrida: precisamos de protecção e de salvar o que temos. A de muitos outros países do Mundo consiste em procurar avidamente todas as oportunidades, todos os mercados, todos os projectos em que o talento e a experiência de que dispõem possam ser de alguma utilidade. A atitude que se escolhe determina a política dos governos e a estratégia das empresas. Não admira que seja um factor importante para se saber quem realmente sai a ganhar ou a perder.