Domingo, 28 de Agosto de 2005
Uma questão de prioridades
Os projectos da OTA e do TGV subsumíveis na tese do Manifesto dos 13 acabaram por tomar o centro do debate.
A maioria das reacções ao documento que ficou conhecido por Manifesto dos 13, sobretudo as oficiais, têm sido de uma confrangedora pobreza argumentativa. Com excepções, naturalmente, e com destaque para o papel da blogosfera.
A tese central do documento é a de que Portugal vive uma crise profunda, caracterizada, entre outras coisas, pela perda de competitividade da produção nacional e por um excesso de despesa (face à capacidade produtiva). O medíocre crescimento económico dos últimos anos e a sucessiva acumulação de défices externos dão disso boa conta. A que acresce um descontrolo das finanças públicas, de há muito reconhecido pelos mais atentos. Nestas circunstâncias, apostar no investimento em grandes obras públicas é uma ideia errada, que irá agravar, ao invés de resolver, os problemas fundamentais do País e inverter as prioridades reclamadas pela situação. E sobre esta tese central nada de relevante foi dito.
Não deixa, pois, de ser estranho que tanta tinta tenha sido feita correr para justificar o que não foi disputado: o potencial papel do investimento público. Sobre isso, o documento reconhece que O investimento público pode ter virtudes e pode ser um importante elemento estimulador do desenvolvimento. Mas especifica e é sobre esta situação específica que deverá incidir o eventual contraditório que não é, nas presentes circunstâncias da economia e das finanças publicas, o caso do investimento físico, sobretudo se dirigido a obras cujo mérito não tenha sequer sido devidamente demonstrado.
O Ministro da Economia, no artigo do Expresso, cita dois estudos em defesa dos investimentos públicos. Um, é o muito citado trabalho de M. Pereira e J. Andraz, que apenas permite concluir que as infrastruturas de transporte, construídas a partir de um estado de subdesenvolvimento na matéria, terão criado importantes externalidades positivas. Mas se daí se quiser extrair, como tem sido feito, que as obras públicas exercem um grande efeito dinamizador na economia, então deveria esperar-se que os últimos 10 anos (com a Expo, o Euro, as Scuts, a Ponte, os Metros, etc.) fossem dos mais prósperos. Todavia, aconteceu precisamente o contrário: temos que recuar 60 anos para encontrar uma década com um crescimento económico tão baixo, e acumulou-se um dos maiores défices externos do mundo actual. É por este caminho que se quer seguir?
O outro estudo é um paper do FMI (Cristophe Kamps, IMF WP/04/67), do qual é retirado que Portugal tem a menor capitação de capital público entre 22 países da OCDE (pois não tem também a menor capitação do PIB?!), mas de que se omite, convenientemente, que: a) entre 1990 e 2000 o stock de capital público per capita cresceu 75% (contra 30% do PIB per capita); b) Portugal era, até 1990, o último desses 22 países, em termos do rácio entre capital público e o PIB, mas em 2000 já passara para a 16ª posição, ultrapassando a Irlanda, a Bélgica, a Austrália, o Canadá, a Suécia e o R. Unido (e não contando com as obras desorçamentadas...); c) a elasticidade entre o PIB português e o stock de capital público (1960-2001) é negativa (-0.57). Será ilusão minha, ou este estudo valida a tese do Manifesto?
Fernando Pacheco, por outro lado, escreveu neste jornal, em 5 de Agosto, um extenso artigo, academicamente argumentado, para justificar a potencial utilidade do investimento público, que, salvo talvez algum radicalismo liberal, ninguém contesta. Mas o mais importante que se extrai do seu artigo está no primeiro quadro (Factores explicativos dos diferenciais de crescimento na OCDE) e que mostra, muito claramente, que os dois factores onde Portugal perdeu mais terreno nos diferenciais de crescimento, que têm um maior efeito potencial no crescimento e que, por isso, deveriam constituir prioridade absoluta de qualquer governo, são: a) factores específicos (eficiência do funcionamento dos mercados de factores, quadro regulatório, políticas de concorrência e estímulo à informação; e b) capital humano. Só depois, e com um impacto potencial muito menor, é que vem a taxa de investimento (nada a referindo, porém, ao investimento público). Ora, não é isto também um poderoso argumento a favor da tese do Manifesto?
Entretanto, os projectos da OTA e do TGV que, subsumíveis na tese do Manifesto, não são por ele particularmente visados acabaram por tomar o centro do debate. E, nesta matéria, a sua defesa tem sido tão frágil e tão mal fundamentada que começa a suscitar receios antes impensados.
Quanto a estes projectos, aquilo que se espera ver fundamentadamente justificado é muito simples: a) que os projectos são necessários; b) que não existem alternativas mais eficientes; c) que têm uma aceitável rendibilidade económica e social; d) quais os recursos financeiros necessários, para investimento e funcionamento, qual a sua origem e qual a engenharia de mobilização; e) que garantias, contratuais ou extra-contratuais, são asseguradas pelo Estado aos investidores privados. Só isso.
Já agora, quando se diz que os projectos são uma escolha política (insinuando a sua autojustificação), isso quer dizer exactamente o quê? Que, num regime democrático, o capricho e o porque sim são fundamentações da escolha pública prevalecentes sobre a demonstração racional e transparente? É que eu julgava que isso era apanágio dos outros regimes, mas se calhar é ignorância de economista...
De PGFreire a 29 de Agosto de 2005 às 10:52
Já agora, permito-me, a propósito do tema do aeroporto da OTA, reproduzir aqui o teor de um mail recebido:
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Uma história de 2 aeroportos:
Áreas:
Aeroporto de Málaga: 320 hectares,
Aeroporto de Lisboa: 520 hectares.
Pistas:
Aeroporto de Málaga: 1 pista,
Aeroporto de Lisboa: 2 pistas.
Tráfego (2004):
Aeroporto de Málaga: 12 milhões de passageiros, taxa de crescimento, 7% a 8% ao ano.
Aeroporto de Lisboa: 10,7 milhões de passageiros, taxa de crescimento 4,5% ao ano.
Soluções para o aumento de capacidade:
Málaga: 1 novo terminal, investimento de 191 milhões de euros, capacidade 20 milhões de passageiros/ano.
O aeroporto continua a 8 Km da cidade e continua a ter uma só pista.
Lisboa: 1 novo aeroporto, 3.000 a 5.000 milhões de euros, solução faraónica a 40Km da cidade.
É o que dá sermos ricos com o dinheiro dos outros e pobres com o próprio espírito. Ou então alguém tem de tirar os dividendos dos terrenos comprados nos últimos anos. Ninguém investiga isto?
É preciso fazer alguma coisa.
Pelo menos divulguem!
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