Domingo, 28 de Agosto de 2005
Competitividade, flexibilidade e discurso político
A classe política parece ter descoberto agora o tema da inovação. Antes já se tinha encantado com o assunto da competitividade.

Vejamos então em que consistem as noções de produtividade e de competitividade.

Em termos físicos, numa lógica que os engenheiros percebem bem, a produtividade dum processo, no qual um input é transformado num dado ‘output’, é o quociente entre o ‘output’ e o ‘input’:

Produtividade = ‘Output’/‘Input’

Em termos económicos, a produtividade será o quociente entre o valor acrescentado gerado no processo de transformação e o input:

Produtividade = Valor acrescentado/‘Input’

Em termos económicos, é fácil perceber que se aumentarmos a produtividade num processo que cria um produto que não se vende (logo socialmente inútil), aumentamos o número de produtos produzidos, mas não aumentamos a competitividade… Por isso, a produtividade é condição necessária para a competitividade mas não é suficiente.

Como só há valor acrescentado se houver utilidade social e valor de mercado (preço) para aquilo que produzimos, ao introduzir a noção de valor acrescentado, aproximamos a noção de produtividade da de competitividade.

A competitividade é, no fundo, a capacidade das empresas produzirem bens e serviços, numa base sustentável, de forma mais eficiente que as suas competidoras, quer em termos dos factores-preço quer dos não-preço (factores de ordem qualitativa).

A competitividade consiste pois, em transformar ideias em produtos de uma forma melhor, mais rápida e mais barata que os concorrentes.

Em resumo: (1) a noção de competitividade descreve de forma genérica o desempenho da economia e a capacidade dum País segurar ou aumentar a sua cota de mercado num sector particular (Krugman, 1996; Porter 1998); (2) para medir a competitividade, recorre-se a vários indicadores de desempenho, entre os quais o mais importante é a produtividade; (3) a produtividade é um conceito e, como tal, pode-se medir; (4) a competitividade é apenas uma noção.

Por tudo isto, muitas vezes, as discussões sobre a competitividade dum Pais acabam por se reduzir à discussão sobre a produtividade.

Também é preciso ter consciência de que não há nos nossos dias competitividade sem flexibilidade na afectação dos recursos, o que passa necessariamente pela flexibilidade nos mercados de trabalho, produtos e serviços. Com efeito, o problema central duma economia é sempre a afectação de recursos escassos a um conjunto muito superior de solicitações. Numa época de acelerada evolução tecnológica, de globalização e de mutações nos mercados, a única certeza que podemos ter é que o dia de amanhã será diferente do dia de hoje, pelo que temos de ter capacidade de resposta rápida e agilidade às solicitações e mutações dos mercados, o que só é possível se houver flexibilidade na afectação dos recursos. Aqui, a Europa e Portugal estão a perder claramente em relação aos EUA e às economias asiáticas. Continuamos estáticos, com sistemas pouco flexíveis, mantendo níveis elevados de proteccionismo e intervencionismo estatais que tendem a cristalizar ou a distorcer a afectação dos recursos.

Por outro lado, no caso português, com a entrada no euro, rigidificamos a nossa taxa de câmbio nominal, que era o nosso ‘slack’, a variável que manipulávamos para repor artificialmente a nossa competitividade. Como os engenheiros bem sabem, as estruturas e os sistemas sujeitos a choques externos não podem ser rígidos, têm que ter flexibilidade e graus de liberdade, ‘slacks’, para se ajustarem a esses choques, sem partirem. Ora, a economia portuguesa é um sistema aberto ao exterior que rigidificou a taxa de câmbio nominal quando aderimos ao euro. Para compensar a perda desse grau de liberdade, temos que arranjar outras variáveis de ajuste aos choques externos duma economia globalizada. Tal implica o reforço da flexibilidade interna a nível macro-económico e a aceleração das reformas estruturais. Se tal não acontecer, o sistema ajusta-se dramaticamente através das variáveis reais como o emprego!
Há então que ter políticas públicas que promovam a competitividade, flexibilizem os mercados, acelerem as reformas estruturais. Por isso o discurso político e coxo quando fala em competitividade, esquecendo a flexibilidade e as reformas estruturais.



publicado por psylva às 11:11
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1 comentário:
De PGFreire a 30 de Agosto de 2005 às 10:16
Bravo! Bem dito!

Os portugueses têm que meter nas suas cabeças que numa economia de mercado, e em particular num espaço económico como o da UE, o mercado é o elemento fundamental para a criação de riqueza e dinamização da economia.

Se o mercado funcionar mal (e em Portugal funciona bastante mal) o enriquecimento de uns só se pode fazer à conta dos outros. Esta é a situação que se vive, com contornos mais ou menos dramáticos nos países subdesenvolvidos.

Ah, e já agora, metam também na cabeça, que o estado não pode distribuir riqueza que não gera. Portanto se o mercado não produzir valor, não há valor para repartir!

A finalizar, faço notar que o valor produzido pelo mercado negro (ou economia paralela) também não pode ser distribuido pelo estado pelo simples facto de não pagar impostos. Ou seja, são valores que dificilmente contribuem para o bem comum...


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