Sábado, 20 de Agosto de 2005
Crise do petróleo: o que sempre quis saber!

A crise do petróleo iniciada há um ano, ganhou nova expressão com os preços a atingirem valores «record», em termos nominais, já que em termos reais ainda estamos a alguma distância dos 40 USD por barril de 1979/1980.
Em tempo de férias, com tantas más notícias sobre a economia, a seca, os fogos, etc., não me apetece «bater mais no ceguinho»?

A crise do petróleo iniciada há um ano, ganhou nova expressão com os preços a atingirem valores «record», em termos nominais, já que em termos reais ainda estamos a alguma distância - já não muito longe - dos 40 dólares por barril de 1979/1980.

Isto tem levado a fazerem-me muitas perguntas e a escrever-se muito sobre o assunto, quase sempre abordando aspectos parcelares, o que lança confusão na avaliação do problema.

Por isso, decidi tentar definir alguns conceitos e explicações básicas que ajudem o leitor a melhor entender o(s) problema(s).

Tentarei explicar algumas ferramentas para melhor percebermos o que se está a passar.

1. O petróleo está a acabar? As reservas dão para quantos anos?

A confusão entre recursos petrolíferos e reservas petrolíferas é a fonte da maior confusão.

Vamos por partes. Claro que o petróleo «vai acabando» porque levou milhões de anos a formar-se, logo, não é renovável no horizonte útil das nossas sociedades e do nosso tempo histórico.

Recursos petrolíferos serão todo o petróleo que existe no planeta. Mas, deste, só uma pequena parte é recuperável: são as reservas, um subconjunto dos recursos.

Para além de muitos recursos não terem ainda sido identificados - nomeadamente nos oceanos (offshore) - muito do petróleo conhecido não pode ser explorado por razões económicas, políticas ou ambientais. Por exemplo, ninguém vai iniciar a exploração de petróleo num país em guerra e a protecção do ambiente não permite (ainda) extrair petróleo do Alasca.

Mas, a questão económica é a mais relevante para que os recursos possam ser «promovidos» a reservas. É um processo muito dinâmico que depende dos custos de produção - por sua vez dependentes, entre outros factores, da tecnologia disponível para extrair petróleo - e do preço que o mercado está disposto a pagar por um barril.

Assim, quando a cotação do petróleo aumenta, aumentam as reservas petrolíferas, já que reservatórios «marginais» passam a ser interessantes sob o ponto de vista económico.

Foi isto que levou a explorar o Mar do Norte depois dos choques dos preços em 1972/3 e 1979/80 e que hoje permite - com o avanço tecnológico - ir buscar petróleo nos oceanos a mais de 2 km de profundidade.

Dito isto, nas condições actuais de preço, da tecnologia e ao ritmo do consumo actual, teremos reservas petrolíferas para mais 40 anos.

Extrair um barril hoje, custa menos de meio dólar em muitas regiões do Médio Oriente, até 15 dólares em zonas inóspitas - offshore, zonas geladas, pântanos ou florestas densas.

O «resto» dos custos são royalties pagos aos países produtores e, claro, margem das companhias e a conta a outras despesas para fazer chegar o barril - que tem 159 litros de «outro negro» - aos postos de expedição.

2. Quem puxa pelo consumo?

Os chineses têm as costas largas. O aumento do consumo da China foi de 900 mil barris dia. O total do consumo, para 1,2 mil milhões de pessoas é de 6,6 milhões de barris dia. A Índia só aumentou a procura em 100 mil barris dia e mais de mil milhões de pessoas consomem 2,5 milhões de barris dia. Já os EUA aumentaram o seu consumo em 500 mil barris dia e cerca de 260 milhões de pessoas consomem 20,5 milhões de barris dia!!.

O «resto» do Mundo aumentou o consumo em 2004 em 1 milhão de barris dia.

3. A culpa é dos especuladores?

Ouve-se muito dizer que os preços sobem porque aumenta o número de especuladores e respectivos capitais especulativos que giram em torno das principais bolsas de petróleo.

Trata-se de uma explicação pobre.

Primeiro porque os «especuladores» não são parvos. Se transferem capitais para a commoditie petróleo, em vez de os aplicarem em qualquer outra área, é porque sabem que estão reunidas condições no mercado que lhes abrem a perspectiva de realizarem mais-valias. Portanto, como em qualquer outro mercado, a «especulação» não é a causa. Será, quanto muito, o efeito.

E sabe que, desde há muitos anos, que as transacções feitas em bolsa são em 99% de compra e venda de «petróleo branco», ou seja, em que menos de 1% corresponde a trocas físicas e efectivas?

Enfim, quando Bush invade o Iraque ou ameaça o Irão, «faz mais» pela especulação que todos os especuladores juntos, limitando-se a interpretarem os «sinais dos tempos»?

4. O que pagamos no litro de combustível?

O custo da matéria-prima não chega a «pesar» - mesmo a 67 dólares o barril - em 10% no preço de venda ao público da gasolina ou gasóleo. Muito menos, como vimos, os custos de extracção do petróleo do subsolo.

O «resto» dos custos estão no transporte, na refinação, na distribuição e, sobretudo, nos impostos pagos aos Estados na venda final, que chegam a 40% no gasóleo e mais de 60% nas gasolinas.

O que também tem estado a «correr mal», contribuindo para o encarecimento do abastecimento, é que ao aumento dos preços da matéria prima somam-se, pela primeira vez, aumento nos fretes de transporte e nas margens das refinarias.

É tudo a puxar para o mesmo lado!

Tal resulta da oferta e da procura. Durante duas décadas abateram-se navios e refinarias por razões de margem do negócio, ambientais, entre outras. Agora há escassez de oferta nestas etapas todos da «fieira» do petróleo, logo os preços aumentam.

5. Até quando é que isto vai durar?

Muito tempo, talvez para sempre!

A verdade é que todos os «fundamentais» que contam na formação dos preços estão a «puxar para cima» - procura elevada, sub-investimento no arriscado negócio da prospecção e pesquisa, estados mais exigentes na cedência de concessões, escassez de navios, de refinarias, etc.

Não tem qualquer fundamento dizer que os preços da matéria-prima chegarão a y ou 3y. Ninguém sabe e, nos últimos 25 anos, vi afirmarem-se os maiores disparates.

O que sabemos é que a procura é muito rígida - logo, pouco sensível ao aumento dos preços -, que descobrir e pôr a funcionar um novo reservatório pode levar mais de cinco anos, que conceber, licenciar e construir uma refinaria leva facilmente 10 anos, que construir e operar novos navios com as actuais especificações de segurança leva 5 anos.

6. Que fazer?

Prepare-se para gastar mais dinheiro com o seu carro. Pode começar a utilizar mais o transporte público?

Prepare-se ainda para trocar o seu carro por uma tecnologia mista ou «revolucionária» nos próximos anos. O velho motor de explosão alimentado a derivados do petróleo tem os dias contados.

Já agora, em termos macroeconómicos, tenha presente que cada dólar de aumento só na matéria-prima, petróleo, custa ao país 110 milhões de dólares!

Os preços pagos pelo barril foram de 38 dólares, em média, em 2004. Este ano serão superiores a 50, digamos 55 USD.

Como o Euro não tem estado a ajudar, face ao dólar, significa que a factura petrolífera de Portugal irá custar em 2005 mais cerca de 2 mil milhões de dólares?

É uma ponte sobre o Tejo, mais uma sobre o Douro que saem, a mais, do País!



publicado por psylva às 19:49
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2 comentários:
De Bruno puskas a 27 de Agosto de 2005 às 16:13
Será que, com esta subida do petróleo (que nunca mais acaba) não seria melhor "acelerar" o aparecimento de outras energias?
Será que não há interesses dos "donos do petróleo", que impessam o aparecimento mais rápido destas novas energias?
E como iriam ficar os países que apenas possuem petróleo e deserto, se aparecessem novas energias competitivas?


De Anjinho a 20 de Agosto de 2005 às 19:59
Olá! Vim aqui parar ao acaso! Muito bom para o ponto de vista económico, quando vi o nome do blog, lembrei-me logo do conceito económico da Mão invisível, o que as minhas aulas de ecnonomia, me fizeram lol :)


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