Domingo, 5 de Junho de 2005
Entrevista a Miguel Beleza
Porquê a necessidade de atingir um excedente orçamental o mais rapidamente possível? "O problema é que os trabalhadores que deviam pagar as nossas reformas não nasceram em número suficiente", sintetiza o economista Miguel Beleza. Caso as contas orçamentais não entrem no reequilíbrio a breve prazo, então "daqui a uns anos" os trabalhadores "terão de enfrentar impostos colossais, que se calhar até nem estarão dispostos a pagar". Ora, do ponto de vista geracional, a ideia de um orçamento equilibrado é ganhar folga orçamental para absorver o chamado choque inter-gerações.

Uma população idosa tem ainda outros custos, com reflexos orçamentais. "O envelhecimento traz inevitavelmente um aumento na despesa com a saúde." O progresso na área da saúde "é caro", afirma Miguel Beleza. "O custo a suportar com os novos medicamentos e aparelhos será sempre superior à inflação."

O que é necessário fazer rapidamente? "O anterior Governo socialista", diz o economista, referindo-se ao último Governo presidido por António Guterres, "produziu um Livro Branco que retratou menos mal a situação. Mas, diz, "agora anunciaram mais estudos. É pena, porque acho que este é o momento de fazer alguma coisa concreta".



Acha que neste momento o Governo está a evitar um discurso excessivamente dramático sobre a economia portuguesa?

O Governo está a proceder correctamente falar quando é preciso, evitando a excessiva exposição. Mas vai ser necessário explicar as medidas que brevemente serão tomadas... Eu acho bem uma contenção nesta matéria. Acho saudável. É escusado estar diariamente a fazer happenings como noutros tempos...

Mas será inevitável um aumento de impostos a médio prazo, a crer em alguns indicadores disponíveis. Concorda?

Sou contra. Por formação e por filosofia, sou a favor de impostos baixos. Propus em 2002 um aumento no IVA - contrariando o choque fiscal - e admito que algo de semelhante se possa fazer, actualmente, nos impostos indirectos, de forma limitada...

Como? Aumentando o IVA?

Defendo que se passe a taxa de 12% do IVA para a taxa normal, de 19%. Acho incompreensível a existência de uma taxa de 5% que se aplica a coisas como jornais...

Mas fica em aberto a questão dos bens de primeira necessidade...

O IVA a 5% aplica-se também a muitos produtos alimentares e medicamentos. Aqui a questão é um pouco mais complicada, porque se há pessoas, como eu, que não necessitam desse subsídio, haverá pessoas de baixo rendimento para quem fará muita diferença o aumento do IVA de 5% para 19%. Só que hoje sabe-se quem recebe a pensão mínima ou o rendimento mínimo e seria possível compensar directamente as pessoas para quem seria um problema grave a anulação da taxa de 5%...

Ou seja, aumentar o rendimento mínimo garantido?

Neste momento, a taxa de 5% do IVA subsidia de forma indiscriminada toda a gente, e eu acho preferível subsidiar directamente quem realmente necessite. Aliás, aprende-se na teoria económica, nenhum imposto indirecto deve ter a mesma taxa para todos. Repito, acho que o IVA deve subir dos 12% para os 19% e a taxa mínima para 19% de uma só vez ou utilizar um calendário de subidas...

Coloca um cenário de aumento do IVA de 19% para 20%?

Admito que se pudesse passar o imposto para 20%, mas isso depende de uma avaliação sobre o défice orçamental de 2005. Também suponho que vamos precisar de uma subida nos preços de combustíveis. É lamentável, mas vai ser necessário. Claro, é possível do lado da receita algo mais através do combate à fraude e fuga fiscal. Talvez 1% ou mesmo 2% do PIB, mas, em minha opinião, necessitamos de um ataque à despesa orçamental a sério.

A Comissão Europeia prevê para 2005 um défice orçamental de 4,9%, sem contabilizar as receitas extraordinárias...

A Comissão refere para Portugal um valor de 4,9% do PIB, mas já ouvimos falar em números, para mim inesperados, na casa dos 6% e até 7%. Não tenho elementos suficientes para aferir esse resultado, mas é uma questão que me causa alguma perplexidade, porque no fundo estão em causa, directa ou indirectamente, duas pessoas que eu considero sérias, honestas e competentes o doutor Bagão Félix e o professor Luís Campos e Cunha.

Não está surpreendido que ao fim de três anos de uma gestão das finanças públicas supostamente rígida o resultado fosse este?

A gestão das finanças públicas não foi tão rígida como isso. Não houve, de facto, um aperto enorme e ao mesmo tempo surgiu uma recessão na economia...

Faltou em paralelo a implementação das chamadas reformas estruturais...

E se tivesse existido, a probabilidade de produzir efeitos orçamentais no imediato era muito baixa.

A avaliação do défice para 2005 está agora nas mãos da chamada "comissão Constâncio"...

Devo dizer que, embora compreenda e aceite o pedido efectuado ao governador do Banco de Portugal, não é bom para a instituição nem para o Governo esta espécie de tutela ou aval por parte do Banco de Portugal... Penso que era preferível uma entidade independente ou agência, com personalidades competentes, e que funcionasse junto da Assembleia da República. No fundo, seria copiar um pouco o modelo "general accounting" americano e que desse uma espécie de aval ao saldo das contas públicas.

Não considera que o Orçamento de 2005, que à partida necessitava de quase dois mil milhões de euros em receitas extraordinárias, sobreavaliou o crescimento da economia com o propósito de mascarar o défice?

Penso que não... Estamos a falar de estimativas para 2005, efectuadas há seis meses, e nessa data as previsões para a economia portuguesa apontavam para um crescimento entre os 2,2% e os 2,4% do PIB. Portanto, à partida, não era uma previsão anormal ou pouco honesta. Agora houve de facto uma deterioração da economia em 2004.

Já especificou que o "ataque à despesa" é nuclear na definição de uma estratégia de redução do défice. Mas a despesa é considerada demasiado rígida, sem espaço para cortes...

Se afirmamos que as despesas são rígidas e que nada se pode fazer, então dizemos que há uma preferência por impostos mais altos, porque, no fundo, o défice é sempre pago. Mas o que devemos prosseguir é o objectivo de um orçamento equilibrado ou mesmo excedentário, o mais rapidamente possível, já que no futuro temos de resolver a questão do envelhecimento da população e as suas consequências...

Um Pacto de Estabilidade "descafeinado", como apelida Sarsfield Cabral, pode beneficiar as finanças públicas portuguesas?

Não conheço o texto final, mas tenho algum receio que o PEC que aí vem não seja, de facto, uma obra- -prima.

Mas o que receia?

Receio no capítulo das despesas a existência de demasiadas excepções.

Mas teme que a flexibilização do PEC seja aproveitada para um novo ciclo de facilitismo à volta das contas públicas?

Neste caso concreto, tenho a convicção de que o primeiro beneficiário de umas finanças públicas sãs é Portugal. Mas também compreendo que os actuais valores do défice não são corrigíveis de um ano para o outro.









A economia entrou uma fase dita de "reestruturação" com um desfecho ainda incerto. Concorda com esta análise de alguns economistas?

Eu gostava de acreditar que as medidas e o programa a apresentar pelo Governo irão ter como resultado a recuperação do crescimento potencial da economia. Mas estou profundamente preocupado. Não estou muito optimista em relação ao futuro. O que faz crescer o País é o sector privado, mas nos últimos anos observamos um comportamento do sector privado que se reflecte num crescimento potencial muito baixo.

Não vê dinamismo, entusiasmo, é isso?

Tenho dificuldade em ver... Não estou a criticar ninguém, porque acho ridículo criticar os empresários. Agora, de facto, vejo pouca garra... desde há muitos anos que crescemos muito pouco.

Mas qual a origem desta situação? Baixos níveis de confiança, formação dos empresários, efeitos da subsidiação estatal?

Não é fácil explicar. Existem muitos factores que ajudam a compreender o fenómeno... de entre os quais, com certeza, uma política fiscal e orçamental errada. Uma das explicações podem ainda ser encontradas no enorme boom de consumo e de algum investimento no final dos anos 90, justificadas pelas baixas taxas de juro. Um ciclo que tinha de terminar. Aliás, é o colapso da procura interna a principal razão por que o País entrou em recessão económica. Mas admito que isto explique apenas uma parte da equação...

Talvez a insuficiência das reformas estruturais...

Não vejo as tais reformas estruturais... Fala-se na necessidade de inovação, formação, educação, mas tudo isto não é para amanhã e a urgência era ontem.

Não há prescrições para a economia a curto prazo?

Não conheço.

Alguns economistas falam dos efeitos nefastos do famoso "discurso da tanga" de Durão Barroso...

Não acredito que os agentes económicos vão em histórias, mas de facto vejo pouca "garra".

As últimas previsões da Comissão Europeia indicam uma estimativa de crescimento de 1,6% para a zona euro. qual o significado para Portugal?

Significa uma má notícia. Para Portugal a revisão em baixa da estimativa do crescimento foi ainda mais drástica. Os principais mercados do País na UE vão crescer pouco e teremos mais um factor negativo a acrescentar, que terão como resultado um fraco crescimento da economia portuguesa...

Repercussões nas exportações, turismo...

Temos, basicamente, dois problemas. Portugal tem perdido quotas de mercado e competitividade. Em 2004, a economia terá crescido 1,0% e a procura interna cerca de 2,0%. As exportações nem se portaram muito mal, o problema é que as importações aumentaram muito. Isto sugere que um pequeno impulso na procura interna provoca uma enorme repercussão nas importações. Ou seja, as empresas portuguesas são pouco competitivas. Isto, a par da queda do crescimento potencial da economia, é um problema grave.

Os dados recentes demonstram que o crescimento potencial da economia está num ponto muito baixo...

Neste momento, está à volta de 1,6% do PIB, quando Portugal deveria aspirar a um crescimento potencial bem acima de 3, 4%... Estamos a ter sucessivos crescimentos baixos, e o impulso da procura interna não se repercute no aumento do produto e não tem, naturalmente, repercussões no aumento do emprego. Isto para mim é, neste momento, o maior problema do País.

Até quando teremos estas dificuldades?

Não é fácil responder... Mas podemos ter este problema durante alguns anos.

Posso arriscar mais uns quatro, cinco anos?

Talvez nem tanto, mas... dois, três anos. Tenho alguma esperança na recuperação da competitividade e acredito que as reformas estruturais anunciadas pelos últimos governos, e em particular pelo actual, acabem por produzir algum efeito, num prazo razoável.

As importações estão a provocar um novo disparo no endividamento externo, após uma redução em 2003. Não existe solução para estancar esta tendência?

Enquanto a competitividade não melhorar, teremos esse problema. Preocupa-me que a um crescimento moderado da economia em 2004 reflectiu-se de imediato num aumento muito forte do endividamento externo. É um sintoma do tal crescimento potencial fraco. Mas graças à nossa presença na zona euro, o endividamento externo é um problema solúvel.

Como não bastasse, o contínuo aumento dos preços internacionais do barril do petróleo poderá ter graves reflexos na economia portuguesa...

Isso é um problema muito sério, mais sério do que prevíamos... Para a economia portuguesa é particularmente difícil, dado o alto grau de dependência do petróleo. Significa o empobrecimento do País...



publicado por psylva às 10:34
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