Segunda-feira, 10 de Julho de 2006
Nós precisamos de duas coisas: uma sociedade mais livre e mais favorável à iniciativa privada e boas instituições de justiça social.
O Roteiro para a Inclusão, lançado pelo Presidente da República, é uma boa oportunidade para o país tomar conhecimento daquilo que é feito nesse capítulo, quer pelo Estado, quer pela sociedade civil. Mas é também uma excelente oportunidade para pensar - e só pensando bem podemos agir melhor.
A ideia de inclusão é a de que nenhum indivíduo deve ficar à margem por incapacidade do sistema social e dos próprios actores desse sistema, isto é, de todos nós. É claro que alguns indivíduos podem ficar à margem por escolha própria. Mas são casos muito raros. Em geral, mesmo aquela marginalização que parece voluntária é produto de uma exclusão social que foi sendo interiorizada ao longo da vida.
A inclusão pode ser operada por duas vias fundamentais: a via da justiça social e a via assistencial. Grande parte das pessoas confunde facilmente uma coisa com a outra. No entanto, elas são muito diferentes.
A inclusão pela justiça social tem a ver com aquilo a que costumamos chamar igualdade de oportunidades, assim como com a distribuição dos rendimentos e da riqueza. Mas ela também requer a existência de uma economia de mercado. Por seu turno, a inclusão pela assistência tem a ver com o sistema de seguros de risco social que o Estado cria, mas também com a acção da sociedade civil no apoio àqueles que, apesar de tudo, caem fora da rede assistencial pública. Vejamos agora melhor como estas duas formas de inclusão se distinguem e articulam.
A inclusão pela justiça social depende de determinados sistemas de regras ou instituições sociais que enquadram a nossa vida em sociedade. De entre essas instituições, as mais importantes são o sistema fiscal, a definição legal dos direitos reais, o sistema educativo e o sistema de cuidados de saúde. Estes sistemas permitem que quem nasceu pobre, ou até com especiais desvantagens físicas ou psíquicas, possa aceder a um número de oportunidades que a inexistência destes sistemas tornaria impossível. Estes sistemas permitem ainda, quando funcionam bem, diminuir as grandes disparidades de rendimento e de riqueza produzidas pela reprodução da desigualdade ao longo das gerações.
A inclusão pela justiça está também dependente da existência de mercados livres. Uma economia de mercado operante é uma condição básica da justiça. Por um lado, porque a economia de mercado é a única que funciona. Por outro lado, porque a liberdade económica que o mercado exige e proporciona é ela própria um primeiro passo no sentido da inclusão sistémica gerada por instituições justas. Em alguns aspectos, a liberdade económica é mesmo a mais inclusiva de todas estas instituições.
A inclusão pela assistência é outra coisa. Ela depende de uma rede de protecção dos riscos sociais, como a doença, a invalidez, o desemprego, etc. A maior parte das pessoas pensa que, quando se fala de justiça social, estamos a pensar neste tipo de prestações e que mais justiça social corresponde a um aumento deste tipo de ajudas e do seu montante. Isso é um erro.
A assistência providenciada pelo Estado - ou, quando este falha, pela caridade privada - é sem dúvida importante e não deve deixar de existir. Mas a multiplicação dos subsídios deste tipo não é uma solução para os problemas estruturais da injustiça. Assim, por exemplo, o rendimento mínimo criado em Portugal é uma medida assistencial que diminuiu a penosidade da pobreza para algumas famílias, mas não fez diminuir as taxas de pobreza. Em termos de justiça social o seu contributo é quase nulo.
Quando a inclusão pela justiça funciona bem, a sociedade é formada por cidadãos qualificados e independentes. Eles raramente precisarão que o Estado ou as organizações caritativas cuidem deles. Pelo contrário, quando, por exemplo, o sistema fiscal é tão ineficiente que obriga ao fim do mais justo dos impostos (o imposto sucessório) por incapacidade de cobrança, ou quando o sistema educativo é tão mau que leva à fuga dos filhos da classe média para escolas privadas e à consequente degradação das escolas públicas, então estão criadas as condições para a multiplicação futura dos mecanismos assistenciais.
É claro que uma sociedade decente e com as nossas tradições humanistas não pode tolerar a exclusão e deve assistir, por mecanismos públicos ou privados, aqueles que necessitam. Mas, como estratégia de longo prazo, não deve estar aí a nossa aposta. Nós precisamos de duas coisas: uma sociedade mais livre e mais favorável à iniciativa privada e boas instituições de justiça social. Se tivermos estas duas coisas, o braço assistencial poderá ser bem menos longo do que aquilo que é hoje em dia. Ele terá sido substituido pela prosperidade que os indivíduos ganham para si mesmos e pelos reequilíbrios espontâneos produzidos pelo funcionamento de instituições justas ao longo do tempo.