Segunda-feira, 10 de Julho de 2006
Fusões e interesse nacional


Não se pede que o Governo tome todas as decisões com referência aos valores da concorrência; mas é razoável esperar que as decisões sejam justificadas.



O caso da aquisição da AEA pela Brisa é importante em si; mas é ainda mais importante pelo precedente que representa.

Ninguém põe em causa a legalidade da decisão do ministro da Economia. E ninguém contesta que a concorrência e o bem-estar dos consumidores não são os únicos valores relevantes. O que choca é o contraste na forma como as posições são argumentadas e fundamentadas.

A perspectiva da Autoridade da Concorrência é necessariamente parcial – há mais interesses a considerar para além do interesse do consumidor. E como qualquer instituição humana, há que esperar uma margem de erro – fusões que deveriam ser permitidas e são bloqueadas; e fusões que deveriam ser bloqueadas e vêem a luz verde.

Não obstante estas limitações, as recomendações da AdC são lógicas e coerentes com o estudo sério e rigoroso de cada caso. Oxalá o mesmo se pudesse dizer das decisões governamentais sobre fusões e aquisições. Infelizmente, o que temos visto está muito longe desse ideal: a defesa dos “campeões nacionais” é mais ideológica do que racional.

A justificação mais frequente para a grande empresa portuguesa – e aqui incluo vários artigos de opinião que tenho lido – é que cada vez mais o mercado relevante é o mercado europeu, pelo que a concentração no espaço português não levanta problemas. Isso é verdade nalguns sectores, mas certamente não nas auto-estradas. Dizer que o mercado relevante é a Europa é como dizer que se os preços das portagens em Portugal forem suficientemente baixos então os condutores franceses começarão a preferir as nossas auto-estradas.

A dimensão europeia da concorrência também pode ser entendida do lado da oferta. Tal como o recente episódio da Abertis e Autostrade sugere, existe alguma “fome” por aquisições internacionais neste e noutros sectores. Para que a Brisa se torne num ‘player’ de dimensão e extensão europeia, é preciso que compre empresas fora de Portugal. Nisto estamos de acordo. Mas como é que adquirir empresas rivais em Portugal facilita este processo de expansão internacional?

Mas há mais: porquê esta insistência numa Brisa de dimensão europeia? O Governo e vários comentadores sugerem que uma Brisa pequena será mais facilmente adquirida por uma empresa estrangeira, o que seria problemático para Portugal. Chegamos então a uma das inconsistências do argumento a favor da fusão: quando a Autoridade da Concorrência insiste que a concentração prejudica os utentes, dizem que a regulação é tão rigorosa que torna desnecessária a concorrência entre operadores; mas quando se fala do perigo do “papão espanhol” – que é, afinal, o que todos temem, mesmo que não o digam – já a regulação não tem valor algum.

Em suma, não se pede que o Governo tome todas as decisões com referência aos valores da concorrência; mas é razoável esperar que as decisões sejam devidamente justificadas. E simplesmente invocar o “interesse nacional” não chega.



publicado por psylva às 13:25
link do post | comentar | favorito

mais sobre mim
pesquisar
 
Outubro 2007
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

14
15
17
18
19
20

21
22
23
24
25
26
27

28
29
30
31


posts recentes

Semear futuras crises

As ideias de Luís Filipe ...

Tufão imobiliário

Ordem, custos e esbanjame...

Política, ideias e pessoa...

HÁBITOS DE RICO E A ARTE ...

As reformas da Chrysler

O que resta da esquerda?

O Governo e a Igreja

Um estado menos “keynesia...

arquivos

Outubro 2007

Julho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

blogs SAPO
subscrever feeds