Domingo, 10 de Abril de 2005
verdade acima de tudo
Acto de coragem. Nas primeiras declarações, o futuro ministro das Finanças limitou-se a assumir que a consolidação das finanças públicas é inevitável. E não são possíveis duas interpretações ao que ele disse: para atacar as causas estruturais da crise orçamental, aumentar impostos é a forma de preservar a essência do modelo de vida que temos.
Não há volta a dar.
Foi um acto de coragem, porque não precisava de ter assumido tal inevitabilidade. Disse o óbvio, que nenhum cenário se pode excluir. Mas muitos dos novos apóstolos das finanças públicas saudáveis não gostam do óbvio.
Por isso explicam as suas fórmulas sedutoras para atacar o problema: menos Ministérios, com gabinetes mais enxutos, a poupar nas contas de telemóvel e coisas do género.
Há que acabar, de uma vez por todas, com este mito: não é nos 2000 milhões de euros de gastos de funcionamento que se faz a consolidação do Orçamento. E é estranho ver muito boa gente, que até anda há muito a denunciar a rigidez das despesas públicas, embarcar facilmente neste equívoco de que é aqui, no automóvel e nas fotocópias dos outros quinze ministros, que o titular das Finanças vai equilibrar o Orçamento.
Sem dúvida que é simbólico. Dar o exemplo fica sempre bem. Podem até os ministros ir de eléctrico para o trabalho. Podiam até ser menos que 16, o número de ministros neste Governo. Podiam e deviam. Por razões de eficiência. Não por causa do défice.
A missão de Campos e Cunha é aquela que algum dos anteriores ministros não conseguiu ou ousou: reformar a despesa. Obriga, agora e sempre, a começar pelo Estado.
Congelar salários dos funcionários é emergência. Despedir é impossível. Reformar por antecipação nada resolve. Mas muito ajudaria alterar profundamente as condições em que os nossos funcionários públicos se reformam.
Quem trabalha no Estado vai para a reforma com o valor do último salário. É injusto: para os outros portugueses conta toda a carreira contributiva. É inédito: nenhum funcionário público do mundo tem esse privilégio. E é insustentável: as despesas da CGA crescem 20% ao ano. O PS pode verificar a conta, porque era de 2.000 milhões quando saiu do Governo e agora está quase nos 3.300 milhões.
Antecipar o que a lei já prevê desde 1993, mas que só terá efeitos práticos a partir de 2028 - fórmula de cálculo igual ao sector privado. É uma medida justa. E com profundo impacto na despesa.
Num sector com duas empresas, o incumbente tem 90% do mercado e beneficia de uma distorção por acção do Estado. O concorrente luta pela sobrevivência, com produtividade mais elevada (130, contra 100 do ex-monopolista). O sector tem, assim, uma produtividade média de 103.
Um novo Governo decide eliminar essa distorção de mercado. O incumbente reage e aumenta a produtividade em 2%. O concorrente mantém. A prazo, invertem posições (quem tinha 90% passa para 10%). A produtividade do sector passa de 103 para 127.
Este exemplo não é meu. Foi apresentado por Luis Cabral há um ano, no Beato, e a sua conclusão é inequívoca: o problema da economia portuguesa não é, afinal, a produtividade. É a falta de concorrência.
Cabral não é só um ilustre desconhecido em Portugal. É, depois de Sérgio Rebelo, o nosso economista mais conhecido no mundo. E dirige o departamento de economia de uma grande universidade dos EUA. A mesma em que se encontrava Manuel Pinho, numa pós-graduação especializada nas teorias de crescimento. Teve de interromper para ser ministro.
Espera-se, portanto, que tenha aprendido a lição. Assim, desfaz um equívoco (o Estado a promover os «campeões nacionais») e tem uma série de medidas tendo em vista o mesmo objectivo: abrir a economia à concorrência. Não é pouco. Comandar, do alto do Ministério, reestruturações de sectores estratégicos, dá mais trabalho e menos resultados.
Mário Lino construiu o monopólio público nas águas e vai para as Obras Públicas. Pelas razões acima expostas, o ministro não deve repetir o equívoco do gestor público.
O Estado não é motor da iniciativa e o investimento público não é o estímulo ao crescimento económico. Os grandes projectos devem ter impacto a prazo.
Um ministro que gere com racionalidade os recursos e fiscalmente responsável é, portanto, um ministro que convence o partido que portagens nas autoestradas, incluindo as Scut, não são assunto para tratar em eleições.
É esta a medida prioritária de Mário Lino, num Governo que, nos próximos quatro anos, não fará outra coisa senão aliviar os impostos que os nossos filhos vão pagar.