Domingo, 10 de Abril de 2005
António Borges 5
Crescimento económico modelo social e proteccionismo
Diz-se por vezes que o medíocre crescimento económico no Velho Continente se deve a um modelo social excessivamente generoso: sem grandes cortes no Estado Providência não seria possível relançar o crescimento e competir com os países mais dinâmicos do Mundo.
É verdade que a forma concreta como muitos mecanismos de protecção social são postos em prática em alguns dos principais países europeus é uma fonte importante de ineficiência e um obstáculo ao progresso económico - e até social. Mas culpar o modelo social europeu pelo mau desempenho económico da Europa é esquecer que alguns dos países da Europa com melhor performance têm um nível de protecção social dos mais elevados. É também desviar a atenção do problema número um da Europa, que é o proteccionismo e a defesa das grandes empresas dominantes.
O crescimento económico na Europa do Norte - Irlanda, Reino Unido, Escandinávia - sem chegar aos níveis excepcionais dos EUA é muito sólido e sobretudo sustentável. É acompanhado por uma verdadeira reestruturação da actividade económica e baseado no papel crescente da economia do conhecimento, com particular ênfase em serviços de alta qualidade, proporcionados por empresas novas. Duas características distinguem estes países: uma política macroeconómica acertada e prudente, em especial graças a um equilíbrio orçamental adequado; e uma preocupação dominante com a eficiência na afectação de recursos, a concorrência e o estímulo à inovação.
O que melhor distingue o modelo social destes países exemplares é o seu rigor. Embora seja um modelo generoso - até mais do que o que se observa no resto da Europa - tem regras de disciplina de aplicação e de atenção aos incentivos que fazem toda a diferença. É muito mais fácil abusar do sistema de protecção social - receber benefícios indevidos, obter subsídios indefinidamente, ganhar vantagens sem qualquer ligação com as contribuições - em França ou na Alemanha do que em Inglaterra ou na Suécia.
Nos países em estagnação - fundamentalmente França, Alemanha e Itália - o que se chama de modelo social não é senão uma protecção às actividades económicas existentes, boas ou más, promissoras ou ineficientes. A pretexto do combate à precaridade do emprego, toda a política económica se orienta no sentido de reduzir a dinâmica da concorrência, apoiando as grandes empresas dominantes, dificultando a entrada ou a progressão de novos projectos - sobretudo se forem fracturantes -, condicionando a abertura do mercado ao exterior, limitando a consolidação e reestruturação que sempre acompanham o desenvolvimento económico. A protecção tem muitas vezes a forma de apoio aos chamados Campeões Nacionais; utiliza outras vezes o pretexto da oposição à tomada de controle das empresas por estrangeiros; destina-se sempre a proteger postos de trabalho ameaçados; assume com frequência a forma de ajudas de Estado, contrárias à lei Europeia. Tem inevitavelmente uma única consequência: bloquear o enorme potêncial de inovação e de ciência e tecnologia de que a Europa dispõe, asfixiando o crescimento económico e a criação dos postos de trabalho que verdadeiramente interessam.
Toda a protecção cria rendas, por vezes muito grandes. O combate social a que hoje se assiste com tanta frequência em França ou na Alemanha é pela distribuição dessas rendas entre o Estado, as empresas e os trabalhadores. No discurso político, tudo se justifica pela defesa prioritária dos direitos adquiridos, quando numa economia em movimento rápido a ideia de direitos imutáveis é o maior dos contra-sensos. Na realidade, o que se defende são os privilégios actuais de alguns, em prejuízo do futuro.
A Europa debate hoje o seu atraso crescente relativo aos EUA. Discute-se como relançar a Agenda de Lisboa, como tirar proveito das enormes competências à nossa disposição. Mas há uma recusa generalizada do pensamento politicamente correcto em confrontar as verdadeiras questões. A Europa estagnada não quer copiar os elementos de sucesso da Irlanda, do Reino Unido ou da Finlândia; não se quer abrir à concorrência, nem sequer a dos países membros da Europa de Leste (veja-se o deplorável debate sobre a Directiva dos Serviços); não quer apostar na extraordinária capacidade criativa de uma enorme classe de jovens empresários que bem gostariam de revolucionar a actividade económica. Quer apenas defender as empresas que são hoje os pilares da economia europeia, num objectivo que congrega muitos patrões e todos os sindicatos.
O verdadeiro debate sobre crescimento económico e modelo social deveria centrar-se sobre a forma de compatibilizar o dinamismo da economia e um nível muito mais alto de risco e de flexibilidade com a indispensável solidariedade social e a protecção dos mais frágeis. O resto é poeira nos nossos olhos.