Terça-feira, 20 de Junho de 2006
E se o dólar desvalorizar?


Samuel Brittan



Se a desvalorização do dólar é inevitável, é do interesse de todos que o ‘crash’ aconteça quanto antes. E porquê? Porque evitaria retaliações.

Segundo o Banco Internacional de Pagamentos, os preços das acções têm vindo a descer e os preços das matérias-primas estão cada vez mais voláteis. E isto não se deve aos receios em torno da subida da inflação ou dos preços das taxas de juro, deve-se sim ao nervosismo que hoje grassa entre os detentores de activos de risco, em especial os directamente ligados a acções e obrigações dos mercados emergentes. O Banco Central Europeu (BCE) volta a apontar, no seu Relatório de Estabilidade Financeira de Junho, ”os desequilíbrios financeiros globais” como principal fonte de risco e vulnerabilidade – uma observação que traz implícita a queda do dólar.

Quando me sugeriram que analisasse as implicações globais de uma forte depreciação do dólar, ocorreu-me que há uma grande diferença entre as consequências de tal cenário e a previsão da sua ocorrência. Em vez de consultarmos a bola de cristal, talvez seja melhor ponderar sobre os riscos inerentes e as políticas a adoptar para debelar a situação.

Tomemos uma depreciação do dólar na ordem dos 20% durante várias semanas. Inicialmente, esta queda afectaria particularmente o euro, no entanto, uma desvalorização tão drástica do valor externo do dólar deveria, antes de mais, levar os governos asiáticos a pôr termo à acumulação de activos e a proceder à sua alienação.

Mas mais importante são as circunstâncias em que este ‘crash’ pode ocorrer. Pessoalmente, tenho mantido um certo cepticismo face ao discurso sobre os desequilíbrios internacionais e respectivas panaceias. E explico porquê. Porque uma desaceleração no mercado imobiliário dos EUA resultaria num forte revés para o poder de compra dos consumidores norte-americanos, que resultaria, por sua vez, numa acentuada depreciação do dólar. Neste contexto, a Reserva Federal norte-americana teria, forçosamente, de alterar a actual política, aumentando gradualmente as taxas de juro de curto prazo. Em suma, tanto as perspectivas económicas imediatas como o comportamento dos diferenciais das taxas de juro internacionais seriam pessimistas para o dólar. O mercado obrigacionista entraria em queda e as taxas de juro reais e nominais de longo prazo tenderiam a subir, abrindo caminho a uma nova recessão.

Os resultados da economia norte-americana não têm, necessariamente, de ser adversos. A prova é que nem a debilidade da economia nacional – no fundo, o verdadeiro cerne do problema – a impede de manter um crescimento médio anual de 3% a 4%. A gravidade da situação dependeria, acima de tudo, dos desenvolvimentos no resto do mundo. Os optimistas esperam que este cenário sirva de estímulo à procura na zona euro e nos países asiáticos, enquanto os pessimistas receiam que os líderes europeus – como Jacques Chirac – possam retaliar reforçando as barreiras proteccionistas, desvalorizando a competitividade ou introduzindo taxas danosas nos movimentos internacionais de capital.

Segundo previsões do Fundo Monetário Internacional e da OCDE, este cenário terá provavelmente lugar durante um período de crescimento económico no resto do mundo. A verificar-se, não haveria consequências de maior caso a Europa e a Ásia falhassem a implementação de medidas de estímulo à procura interna. Melhor, uma ligeira inflexão nos EUA poderia, até, revelar-se bastante benéfica.

Se a desvalorização do dólar é inevitável, é do interesse de todos que o ‘crash’ aconteça o quanto antes. E porquê? Porque evitaria retaliações e leituras perversas dos governos europeus e asiáticos, dada a actual vaga de crescimento. Todavia, isto não basta para satisfazer o apetite dos mais pessimistas. Vamos supor que o preço do petróleo dispara para os 100 dólares ou mais por barril. Nesse caso, os bancos centrais teriam de controlar a procura independentemente do aumento da capacidade industrial e dos escassos indícios de pleno emprego. E os EUA seriam, obviamente, os mais afectados, na medida em que as suas importações energéticas são mais elevadas por cada dólar face ao PIB do que noutros países industrializados.

O pior cenário vai, contudo, além das teorias económicas convencionais e pode perfeitamente ser desencadeado com o encerramento do Estreito de Ormuz. Em vez de uma frente económica, passaríamos a ter duas outras frentes – a militar e a diplomática. A acontecer, o dólar seria a menor das nossas preocupações. Crises semelhantes no passado ensinaram-nos que, num cenário destes, se dá primazia a activos imobiliários, a reservas em ouro ou jóias em detrimento dos activos monetários. Mas não há dúvida de que o dólar sofreria muito mais do que o euro e a libra esterlina.

A pergunta que coloco é: conseguirá o Congresso norte-americano aplicar medidas orçamentais eficazes que lhe permitam agir em vez de reagir aos acontecimentos?


publicado por psylva às 14:14
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1 comentário:
De Financiamento Imobiliario a 3 de Outubro de 2009 às 17:37
Entretanto o dolar já baixou e subiu novamente. Acho que os efeitos não foram tão maus assim considerando tudo o que os americanos fizeram ao sistema económico. Muita especulação e lucros rápidos para os amiginhos e depois saem de fininho antes da bomba rebentar.


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