Sábado, 1 de Janeiro de 2005
O sistema fiscal
A importância que o sistema fiscal assume - entendido este, de forma simples, como o conjunto de impostos vigente num determinado país ou espaço geográfico -, levou a que historicamente sempre existissem preocupações sobre as características que o mesmo deveria revestir.
A importância que o sistema fiscal assume - entendido este, de forma simples, como o conjunto de impostos vigente num determinado país ou espaço geográfico -, levou a que historicamente sempre existissem preocupações sobre as características que o mesmo deveria revestir.
Já em 1776, na obra «O Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações», Adam Smith identificava as «quatro máximas» a que devem obedecer os impostos, a saber/recordar:
Máxima I: «Os súbditos de todos os Estados devem contribuir para a manutenção do governo, tanto quanto possível em proporção das respectivas capacidades».
Máxima II: «O imposto que todo o indivíduo é obrigado a pagar deve ser certo e não arbitrário. O tempo de pagamento, o modo de pagamento, o quantitativo a ser pago, tudo deve ser claro e simples para o contribuinte e para todas as outras pessoas».
Máxima III: «Todo o imposto deve ser lançado no tempo ou modo mais provável de ser conveniente para o contribuinte o pagar».
Máxima IV: «Todo o imposto deve ser arquitectado tão bem que tire o mínimo possível do bolso das pessoas para além do que traz para o erário público». Ainda que marcadas pelo tempo estas máximas - que modernamente designaríamos por requisitos de justiça, certeza e baixos custos de cumprimento e de administração -, continuam a integrar qualquer sistemática de características desejáveis de um «bom sistema fiscal».
A eles se acrescentariam hoje os objectivos da flexibilidade conjuntural e da produtividade financeira, ausentes da proposta de Smith, pela confiança quase absoluta que os autores clássicos depositavam nas virtualidades do mercado e nas forças da concorrência, como instrumentos para alcançar a estabilidade económica e o bem-estar social.
Torna-se compreensível que face às características e exigências referidas, as estruturas fiscais concretas se possam afastar, na prática, de alguns desses princípios, nomeadamente por que concebidas e limitadas por um conjunto de influências de carácter económico, social e político, não raramente conflituantes, e de que falámos em crónicas anteriores.
É assim que, por exemplo, podem surgir dificuldades de conciliação entre os objectivos da simplicidade e da equidade (veja-se o caso dos modernos impostos sobre o rendimento pessoal); da distribuição do rendimento e da estabilização (penalização fiscal do consumo com maior incidência nas populações mais pobres); da eficácia financeira e da neutralidade fiscal (aumento das taxas de tributação com maior distorção nas escolhas económicas); etc. A este propósito, é célebre a descrição efectuada por Smith dos efeitos da tributação imobiliária, em vigor na Inglaterra do séc. XVIII, sobre o aspecto exterior dos prédios.
Era o caso do chamado «imposto de janela», que era estabelecido em função da existência e do número destas (aumentava gradualmente, atingindo um máximo de 2 xelins no caso de imóveis com 25 janelas ou mais).
A reacção lógica dos contribuintes foi a redução do número de janelas dos edifícios então construídos, o que passou a constituir uma característica da arquitectura da época. É evidente que não era este o objectivo do legislador, mas antes o de tributar o património, sendo o número de janelas de cada habitação um indicador, que se pretendia relevante, do valor patrimonial respectivo; contudo o resultado foi o de diminuir a luminosidade das habitações tornando as casas mais escuras!
Mais recentemente, e em Portugal, foi também elucidativa a grande procura que, nos finais dos anos 90 e nos meios urbanos, tiveram os veículos movidos a gasóleo e do tipo «todo-o-terreno» e «pick-ups», resultado de uma «protecção fiscal» cuja justificação, do ponto de vista económico, era bastante discutível (apoio ao sector agrícola), e que permitiu um humorado comentário do (já falecido) deputado Lino de Carvalho, afirmando que na Avenida de Roma existia a maior concentração de «agricultores» do país.
Não admira, portanto, que uma das preocupações mais insistentemente reafirmadas em anos recentes (vide OCDE) diga respeito aos (eventuais) efeitos desincentivadores que as opções e práticas fiscais dos governos podem exercer sobre a disponibilidade para trabalhar, o espírito de risco e iniciativa, a poupança, etc?
Bem como sobre a eficácia e efectividade do uso dos instrumentos fiscais, como os benefícios e incentivos, para impulsionar o crescimento económico. Pelo que o objectivo a este nível será sempre o de promover e alcançar uma combinação de características que permita retirar a máxima vantagem da estrutura e do sistema fiscal existentes, quer em termos de equidade, quer de eficiência económica e administrativa.
É esse naturalmente o «sonho» de qualquer governo e respectivo ministro das finanças, que aspiram a que os seus concidadãos sintam e digam como o juiz Oliver Holmes (1841-1935): «Gosto de pagar impostos; graças a eles ofereço a mim próprio a civilização»!