Quarta-feira, 1 de Dezembro de 2004
Eles falam, falam...
Os milhões que hoje preenchem toda uma coluna da primeira página do Diário Económico têm uma história curiosa.
São herdeiros de outros largos milhões que, desde 1986, desaguaram em Portugal vindos directamente de Bruxelas com o objectivo de contribuir para o crescimento do país. Passados quase 20 anos, ninguém sabe exactamente o que aconteceu a esse dinheiro.
Para quem tem memória curta, Portugal recebe subsídios comunitários desde os anos 80, e tem sido um verdadeiro especialista em esbanjar dinheiro europeu. Sabe-se que as vendas de jipes subiram em flecha nos anos noventa e que o dinheiro destinado ao regadio se evaporou sem consequências. Não há, sequer, uma grande obra que se associe ao dinheiro de Bruxelas como em Espanha, em que a agricultura se tornou uma das mais rentáveis do mundo. O dinheiro entrou, foi aplicado não se sabe muito bem onde e, feitas as contas, estamos, como se diz em bom português, menos mal: um poder de compra 33% inferior ao da média comunitária e 75% inferior ao da Irlanda que arrancou tão pobre como nós. Até os gregos estão à nossa frente, com um poder de compra sete por cento mais alto. E a Eslovénia, com três por cento mais. Confrangedor, portanto.
Sabendo-se que estes milhões que agora entram nos cofres do Estado serão, provavelmente, muito reduzidos pela União Europeia (de 2007 para a frente, a prioridade são os novos países aderentes) a forma como serão aplicados torna-se, quase, um desígnio nacional. E é bom que o país tome consciência disso.
O país, sim, e não o Governo. Um exemplo: os 100 milhões de euros entregues ao Ministério de Álvaro Barreto não se destinam às despesas de funcionamento da sua equipa. Revertem, integralmente, para as empresas através do programa de incentivos à modernização. Dito de outra forma, seguem para as mãos dos empresários. Muitos deles são os mesmos que, há quinze anos atrás, investiram tudo em motos e jipes (apresentando depois facturas de máquinas agrícolas).
Outro exemplo: vão 82 milhões de euros para o Ensino Superior. Para os alunos, portanto. Se ninguém estudar, são 80 milhões que se escoam pelo cano.