Quarta-feira, 1 de Dezembro de 2004
A liberdade de imprensa
Ultimamente tem-se falado muito de jornalismo. Discute-se a liberdade de imprensa, denunciam-se pressões sobre a comunicação social, lamentam-se os abusos dos repórteres. Mas duas coisas têm passado em claro e vale a pena sublinhar.
A primeira é que a nossa imprensa falada ou escrita é, em geral, muito má. Existem notáveis profissionais, boas publicações e equipas esforçadas, mas o balanço global é muito deficiente, como esses jornalistas admitem. Em boa medida isto deve-se aos turbulentos últimos 30 anos. Depois do «caso República», da ocupação da Rádio Renascença e dos mais de dez anos de nacionalização, seguiram-se várias «revoluções» que formaram a natureza do jornalismo português livre. Os episódios mais marcantes são, entre outros, as fotomontagens do Jornal Novo em 1975, o nascimento da TSF Rádio Jornal em 1984, de O Independente em 1988, da SIC em 1992 e da nova TVI em 1997. Cada um deles trouxe acutilância e substanciais melhorias na qualidade técnica da informação, que hoje goza de toda a dignidade de uma sociedade livre e moderna. Mas dois elementos têm- -lhe desfigurado o rosto: a unanimidade e o narcisismo.
Em todos os países os jornais alinham-se no espectro ideológico. Cada leitor sabe o que lê ou ouve, porque o periódico define-se como de esquerda, direita, moderado ou crítico. Entre nós os media julgam- -se isentos, imparciais, verdadeiros. A consequência é que todos dizem quase o mesmo. Estiveram a favor de Guterres e a seguir contra, foram contra Barroso e agora contra Santana. Quando apoiam, hesitam. Mas quando se opõem, fazem-no de forma radical, contra tudo, sem concessões, definitivamente. E em cada caso, na sua neutralidade, nunca pensam veicular a sua opinião, mas descrever uma evidência.
Por outro lado, a imprensa está fascinada consigo mesma. Considera-se o máximo, exulta na própria magnificência. Basta ver o espaço que gasta a falar de si e o desprezo que despeja sobre quem a critica. Os comentadores comentam comentadores. Os jornalistas passam por especialistas e criticam relatórios, classificam estudiosos, ridicularizam responsáveis. A mensagem desaparece atrás da sedução do mensageiro.
Infelizmente, apesar das honrosas e sofridas excepções, a realidade está muito aquém da imagem. Os disparates que se dizem! Enquanto continuarem a resumir assuntos complexos em dualidades simplistas, a promover tricas espúrias diante de dilemas sérios, a resumir acontecimentos importantes em ridículos apontamentos de reportagem, não se chegará à qualidade mínima. Apresentar como a opinião do público três entrevistas de rua não é jornalismo, é manipulação boçal. Triunfar perante um lapso de um ministro, um detalhe insólito, uma controvérsia de pormenor, sem sequer pensar na relevância do aspecto escolhido, é desvirtuar uma função crucial. É fácil desrespeitar o nosso jornalismo!
Mas há um outro lado: a razão porque a imprensa deve ser respeitada não é porque ela seja boa, mas porque ela é imprensa. Trave fundamental da civilização e da liberdade, ela tem de ser preservada mesmo quando não se sabe dar ao respeito.
Quem insulta, pressiona ou, pior de tudo, manipula a comunicação torna-se a sua maior vítima, como a censura aprendeu.
É urgente fazer tudo para que a imprensa melhore, mas muitos dos esforços nesse sentido agravam o que dizem promover. A única resposta à má qualidade é a qualidade na resposta.