Quarta-feira, 1 de Dezembro de 2004
O fim de uma civilização hegemónica?
AEuropa está em vias de extinção. Esta afirmação não é uma acusação, profecia ou aviso. É simples extrapolação das tendêncisa recentes. Não é para já nem será súbito, mas no remanso do nosso quotidiano seria bom saber que estamos envolvidos numa linha de decadência. Perante os bizantinos decretos da Comissão e os palavrosos debates do Parlamento Europeu, talvez fosse conveniente conhecer este «pequeno» detalhe.

A primeira dimensão da extinção é quantitativa: a população europeia está em queda absoluta. Num mundo em crescimento, esta perda constitui uma força decisiva. Nas previsões da ONU (State of World Population 2004, UNFPA), constata-se que os 25 países que constituem a actual União Europeia (UE25) vão perder mais de 23 milhões de pessoas até 2050. Portugal perde um milhão, mais que a média. Como o globo no mesmo período aumentará mais de 2500 milhões de pessoas, o peso demográfico da Europa cairá acentuadamente.

Actualmente, a UE25 representa 7,1% da população do mundo e descerá para 4,8% a meio do século. Isto tem consequências sérias face aos vizinhos. Os Estados Unidos, ganhando 112 milhões de pessoas no período, mas caindo ligeiramente em percentagem de 4,7 para 4,6%, vão, apesar disso, ultrapassar em importância os 15 países da recente União Europeia (UE15), reduzidos dos 6% do mundo hoje a 4,1% em 2050. O mundo árabe, que representa agora só 4,9%, irá ultrapassar não só a UE15 mas também a UE25, atingindo 7,1% do planeta daqui a 46 anos.

O problema é elementar: os europeus desistiram de ter filhos. Isso, só por si, condena-os à irrelevância. Para mais, porque a reduzida dinâmica de população que ainda temos vem sobretudo dos imigrantes.

Assim, esta Europa será, não só muito mais pequena, mas crescentemente árabe, africana e oriental. Os europeus do futuro serão decididamente estranhos à tradicional cultura europeia. Goste-se ou não, assim será.

O facto quantitativo é agravado pela confusão ideológica e estratégica de que padecem os europeus. A União parece ser a única zona do mundo que não sabe o que quer, ou que quer coisas inconsistentes.

Enquanto os outros blocos lutam por afirmação civilizacional, desenvolvimento produtivo e influência político-militar, a Europa está apostada em debates conceptuais e abstractos que, mesmo se resolvidos, só confirmarão o crepúsculo.

A cultura europeia é a única que renegou as suas origens civilizacionais e se esgota em controvérsias axiais. O que excita os europeus é discutir a liberdade do aborto, droga e tabaco, a redução do horário de trabalho, a defesa do prazer livre e «famílias alternativas», a ambiguidade nas alianças geostratégicas. Não admira que daí resulte a estagnação, o desnorte, a corrupção. A desorientação é a causa da referida queda demográfica e cultural. Num mundo que será em breve muito diferente, com China, Índia e Islão em florescente influência político-económica, não valerá a pena perder tempo com a velha, gorda e pequena Europa, cuja relevância apela a hegemonias extintas.

Estes sintomas, já os vimos em tantas civilizações e impérios que não são difíceis de diagnosticar. Quem envereda por esta estrada encontra no termo a triste vacuidade. O processo ainda será longo, atribulado, doloroso. Mas, se os europeus não mudarem drasticamente o rumo, serão extintos. O Papa explicou a razão em 1996: «Um povo que mata os seus filhos não tem futuro.»



publicado por psylva às 12:27
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