Terça-feira, 20 de Junho de 2006
Um pouco de ‘sex appeal’

Atenção ao que dizem os políticos portugueses quando se escudam nos interesses nacionais. Nisso são muito parecidos com os espanhóis.

Quando ouço um político falar nos interesses nacionais, tenho o hábito de me virar para ver se está alguém nas minhas costas, mas nunca vejo ninguém. O meu cunhado, que é assumidamente de esquerda, tem saudades das grandes empresas públicas porque, segundo diz, são elas os verdadeiros representantes dos interesses nacionais por serem de todos. ”Bons tempos aqueles em que a Telefónica era uma empresa pública”, desabafou um dia destes. Ao que retorqui, perguntando: ”Já pensaste que a Telefónica praticava preços mais altos que os actuais e prestava um mau serviço?”. Não vale a pena, não consigo convencê-lo do contrário.
Felizmente, já são raros os defensores da empresa pública, todavia, há muitos que julgam saber – e com certezas absolutas – em que consiste o interesse nacional e que metem mãos à obra nesse sentido. Em Espanha, por exemplo, o governo socialista aprovou a OPA da Gas Natural sobre a Endesa apesar do parecer negativo do Tribunal da Concorrência espanhol. E fê-lo sob a bandeira do interesse nacional e da liberdade empresarial. Como é óbvio, nenhum espanhol acreditou na honestidade de tais argumentos, antes ficou ciente da contaminação política, isto é, do interesse do governo em apadrinhar a operação, ainda que por razões espúrias.

Pessoalmente, considero a liberdade empresarial um princípio sagrado. As empresas têm o direito ”bíblico” de crescer e de se multiplicar desde que respeitem as regras do jogo e, acima de tudo, as leis da concorrência para que daí não resultem abusos de mercado em claro prejuízo dos consumidores. Ora, o Tribunal da Concorrência vetou a compra da Endesa pela Gás Natural precisamente pela concentração resultante poder assumir a forma de monopólio e este vir a traduzir-se num poder excessivo para os clientes. O facto de o governo ter ignorado o veredicto do tribunal apenas põe em causa o prestígio da entidade reguladora. Creio que o mesmo aconteceu em Portugal com a fusão da Brisa e da Auto-Estradas do Atlântico, depois de o ministro da Economia, Manuel Pinho, ter desautorizado a Autoridade da Concorrência.

Li argumentos vários a favor da decisão do governo, que alegavam excesso de zelo da parte da Autoridade, inexperiência e pouco tempo de vida. E como Portugal é um país pequeno, os critérios têm forçosamente de ser diferentes. De todas as razões invocadas, esta – a mais recorrente – é obviamente a mais condenável. Quando se permite que a dimensão global de um país condicione os critérios e dite as regras da concorrência, só podemos chegar a uma conclusão: a filosofia desta política estrutural ainda não foi totalmente assimilada.

Importa dizer que em termos de dimensão física a Irlanda é mais pequena que Portugal, não obstante o respectivo PIB corresponder ao dobro do produto português. O seu desempenho não se deve apenas à proximidade com o Reino Unido. Deve-se também ao facto de ser a ”antecâmara” do investimento norte-americano na Europa e de os últimos governos terem adoptado políticas públicas idóneas, conformes aos pareceres do Tribunal da Concorrência nacional.

Parece-me que esta é uma regra elementar para um país que se quer sério e com ‘sex appeal’: a de fomentar o mais possível o prestígio das suas instituições, apoiando em particular as mais ”jovens” e com menos experiência. Creio igualmente que é fundamental resistir à tentação de estimular a produção ‘in vitro’ de ”campeões nacionais”, nomeadamente por parte do poder político, visto ser uma opção especialmente patética quanto mais pequeno for o país em questão. Mas é bom dizer que esta doença não é apanágio de Portugal. É uma epidemia geral que também afecta Espanha, onde se acredita piamente que a compra da Endesa pela Gas Natural nos tornará mais fortes. Mais fortes em relação a quê?

Pessoalmente, agradam-me mais as empresas cuja consolidação resulta do seu próprio progresso ou crescimento – diz-nos a experiência que assim é quando há perspicácia, visão, tenacidade e boa gestão –, mas aceito que empresas com forte poder de mercado num dado país possam crescer em mercados estrangeiros. O conflito surge quando acumulam demasiado poder num único mercado e sobre a mesma base de clientes – como acredito que tenha sido o caso da Brisa.

Mas atenção ao que dizem os políticos portugueses quando se escudam nos interesses nacionais, os colocam num altar e lhe cravam a bandeira. Nisso são muito parecidos com os espanhóis.


publicado por psylva às 14:13
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