Sábado, 20 de Novembro de 2004
Uma medida para aplaudir
É bom que um automobilista que utiliza o seu carro para entrar em Lisboa ou no Porto tome consciência que está a provocar um efeito negativo para a sociedade portuguesa.
Segundo a comunicação social, o Governo encara a hipótese de introduzir portagens à entrada de Lisboa e Porto, de forma a desencorajar a utilização do transporte privado nas deslocações diárias para os locais do trabalho nas grandes cidades.
Não posso senão aplaudir a intenção.
Efectivamente, é urgente reduzir a utilização do transporte privado nas grandes cidades. Isto por quatro ordens de razões: em primeiro lugar, o congestionamento das vias de acesso é tal, que grande parte da população trabalhadora perde três horas diárias ou mais só em deslocações, com prejuízo da sua capacidade de trabalho, da pontualidade e até da saúde física e psíquica. Em segundo lugar, a utilização do transporte privado aumenta o consumo de produtos derivados de petróleo numa época em que necessitamos urgentemente de reduzir de forma significativa a utilização de petróleo. Em terceiro lugar, a utilização do transporte privado aumenta para além do desejável, os níveis de poluição. Em quarto lugar, esta irracionalidade que é a utilização do transporte privado obriga a realizar grandes investimentos em infra-estruturas (que, aliás, se desactualizam rapidamente) gastando recursos financeiros que seriam melhor aplicados nos recursos humanos ou em investimentos que melhorem a competitividade externa do Pais.
É bom que um automobilista que utiliza o seu carro para entrar em Lisboa ou no Porto tome consciência que está a provocar um efeito negativo para a sociedade portuguesa. Efeito que é a soma de três componentes: por um lado, aumenta o congestionamento das vias de comunicação e consequentemente prejudica o tempo médio de trajecto da sua utilização pelos outros utilizadores; por outro lado, contribui para consumir um recurso não renovável e em vias de esgotamento que é o petróleo; finalmente, aumenta a poluição. Este efeito negativo é o que os economistas chamam uma «externalidade negativa». E uma das melhores formas de lidar com uma externalidade negativa de modo a reduzi-la significativamente é impor taxas sobre a actividade que as provoca. Neste caso, a taxa é uma portagem sobre a utilização do transporte privado para entrar nas cidades.
Como sempre acontece em Portugal, o anúncio de uma medida racional levanta muito mais protestos e objecções do que o de uma medida irracional. Este não faltou à regra. E apareceu até o argumento extraordinário daqueles que dizem : «Mas eu tenho de utilizar necessariamente o veículo em Lisboa (ou Porto) porque a minha actividade exige andar de um lado para o outro e com volumes grandes». O argumento é extraordinário porque são justamente os que têm mesmo de utilizar o carro os primeiros beneficiários de uma medida desta natureza. Aquilo que tiverem de pagar em portagens para usar o veículo nas cidades será com certeza muito inferior à poupança nos custos que resultará de trajectos mais rápidos de entrada, saída e dentro das cidades.
Outro argumento, mais sério, é que os transportes colectivos não são suficientes. Pelo menos no que toca a Lisboa, que é o caso que conheço melhor, tal não é verdade. O Metro e os comboios têm hoje uma rede perfeitamente razoável. E os transportes de superfície serão mais que suficientes quando puderem realizar trajectos mais rápidos devido à redução do tráfego. O que será necessário fazer é melhorar os parques de estacionamento junto às estações dos comboios suburbanos. Mas isso não me parece nada de transcendente.
Vamos a ver se o Governo tem coragem de levar avante esta medida. Se tiver, e se não entrar na via fácil das excepções, prestará um bom serviço ao Pais.