Sábado, 20 de Novembro de 2004
Da economia
Parto de duas interrogações recorrentes ao longo dos anos. Em actos do dia-a-dia, um diálogo do tipo: P: Profissão?, R: Economista; em momentos particulares, um interesse mais dirigido: O que é ser economista?.
Aqui afloro a matéria com breves achegas sobre algumas contradições que me assaltam e perturbam.
1) Entre uma vulgarização da economia - com tudo o que ela tem de bom (menor opacidade de assuntos que afectam a vida corrente para um número crescente de cidadãos) e de mau (impressão de simplismo/facilitismo e conhecimento sem esforço) - e uma sofisticação abusiva das metodologias e técnicas utilizadas pelos estudiosos da economia (investigação fundamental e teoricismo, matematização e modelização).
2) Entre esta sofisticação que aparenta conduzir a ciência económica a um patamar de expertise e erudição sem paralelo e o quotidiano dos cidadãos à submissão a uma lógica implacável de verdade económica e a diminuta influência ou capacidade de previsão dos economistas sobre a marcha do mundo que os envolve.
3) Entre as determinações de muitos jovens que começam por se relacionar com a disciplina compreender o que os rodeia a partir de uma instância económica de inequívoca centralidade na vida das sociedades e as efectivas oportunidades futuras que ela lhes vem a abrir actividades de âmbito micro crescentemente circunscritas e limitativas.
4) Entre a sólida formação de base (técnica e cultural) que deve constituir o fundamento primeiro de qualquer curso universitário e a sua substituição por pseudo-especializações altamente focalizadas, caixa de Pandora aberta pelas licenciaturas em Gestão e pela multiplicação sem regra de outras em áreas cuja atractividade se foi afirmando ao sabor de conjunturas permissivas de negócios de ensino superior lucrativos mas inconsequentes.
5) Situando-nos neste quadro mais especializado, entre o desejo dos estudantes em acederem aos mecanismos reais que marcam a evolução das economias e a actividade das empresas, por um lado, e o nível de tecnicidade contemplativa, de desligamento face ao objecto ou de chocante inexperiência prática que define a maioria dos seus docentes, por outro. Dito isto, e olhando noutra direcção, fica por atacar a questão nuclear de um desejável recentramento da postura dos profissionais da Economia. Com três efeitos expectáveis: (i) o de uma potenciação das suas competências na análise das economias como elas são (regresso aos factos) mais do que na de como elas deveriam ser; (ii) o de um relacionamento aberto entre a Economia e outras Ciências Sociais (História, Sociologia, Psicologia, Direito,...) por forma a lograr um maior espaço de reflexão e um melhor entendimento do modo como as pessoas interagem para além da estrita mediação dos mercados e dos preços; (iii) o de uma menor funcionalização face a interesses, com a consequente afirmação do essencial primado das exigências democráticas e societárias sobre as determinações subsidiárias da lógica económica.