Terça-feira, 20 de Junho de 2006
Carrilho ganhou
Domingos Amaral
Carrilho lembra Octávio Machado, um treinador que, sempre que perdia, justificava a derrota com tremendas conspirações contra ele.
Infelizmente para todos os jornalistas, Manuel Maria Carrilho saiu vencedor da grande ofensiva que lançou contra eles. Mesmo tendo cometido um verdadeiro hara-kiri político, e provavelmente colocado um ponto final na sua carreira política, Carrilho conseguiu arrastar consigo a imagem dos jornalistas, conseguiu poluí-la o suficiente para os descredibilizar na praça pública, minando a confiança que a população tem neles, e reavivando os preconceitos que sempre existiram contra os jornalistas.
Na verdade, desde o dia em que se começou a falar no livro de Carrilho, que os jornalistas caíram na armadilha. O livro era uma cilada, uma emboscada à má fila, passada num desfiladeiro rochoso e poeirento do velho Oeste, e os jornalistas caíram como patos, cercados e atarantados com as balas sujas que lhes eram dirigidas. Desde o primeiro dia que Carrilho conseguiu colocar a discussão onde lhe interessava, na suposta manipulação mediática de que foi vítima, desviando assim as atenções das razões políticas da sua derrota. Nas últimas semanas, não se discutiu que a derrota de Carrilho começou quando o PS não aceitou as condições do PCP para fazer uma coligação em Lisboa. Só isso, a mera aritmética eleitoral, retirava a Carrilho muitas das possibilidades de vitória. Sem coligação, era quase impossível a qualquer candidato do PS, Carrilho ou outro qualquer, vencer as eleições. Uns anos antes, Santana Lopes vencera sozinho contra o PS e o PCP coligados e liderados por João Soares, e isso deveria ter levado o PS e o PCP à reflexão. No entanto, as comadres zangaram-se, e foi aí que Carrilho começou a perder as eleições.
Contudo, e mesmo sem coligação, Carrilho ainda tinha hipóteses. Estava a lutar contra um candidato sem especial carisma Carmona Rodrigues e tinha um tremendo trunfo na mão, a péssima impressão que Santana Lopes causara. Poucos são os que recebem bónus destes antes de eleições, mas mesmo assim a campanha de Carrilho dispersou-se, em ideias e polémicas, em vez de se focar no essencial, que era mostrar as lisboetas que depois do caos podia vir uma certa tranquilidade.
Por outro lado, e nunca consegui perceber porquê, a campanha de Carrilho desperdiçou a poderosa arma chamada Bárbara Guimarães. Muito poucos políticos são casados com mulheres tão bonitas e tão populares como ela, e no entanto, por pura inabilidade da campanha, aquilo que devia ser um activo transformou-se rapidamente num passivo, e Carrilho nunca conseguiu transferir para si a simpatia popular que Bárbara Guimarães garantia. O célebre vídeo só teve a recepção que teve porque parecia arma de propaganda, inesperada e desesperada, quando devia ter sido recebido com total naturalidade.
A incapacidade política demonstrada por Carrilho gerou um enorme mal estar no candidato e no PS, e obviamente transmitiu-se à imprensa. Pouco a pouco, a campanha foi ficando minada por pequenos episódios, impressões, erros, e começou a cheirar a derrota muito antes de chegar ao fim. Todos os maus tratos de que Carrilho se queixa só se tornaram dolorosos porque o carro já ia desgovernado pela ribanceira abaixo. Quando começa a cheirar a derrota, tudo se torna penoso.
No futebol, as coisas são parecidas. Carrilho lembra Octávio Machado, aquele treinador que, sempre que perdia, odiava o mundo e justificava a derrota com tremendas conspirações contra ele, do sistema, dos árbitros, dos empresários. Agora são as agências de comunicação, os opinion makers, os jornalistas avençados mas o espectáculo é o mesmo.
Contudo, ao transformar-se numa espectacular vítima que está disposta a agredir tudo e todos, Carrilho conseguiu encurralar os jornalistas, que se viram na obrigação de o contestar, caso a caso, e ele arrastou-os para a lama com ele. Ninguém gosta de perder, e para não perder sozinho, Carrilho perde acompanhado. Os jornalistas não perceberam que não se pode discutir com a raiva, pois ela é uma emoção sempre mais forte que a razão. Carrilho não tinha razão, nunca teve, mas tinha raiva e isso chegou.
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