Quarta-feira, 10 de Maio de 2006
O etanol do Brasil
Portugal parece um país de drogados, neuróticos, que vêem o preço da droga a subir e já não podem consumir petróleo como antes
Mais ou menos na mesma altura em que o preço do petróleo atingia novos máximos históricos, o Brasil informava o mundo de que tinha atingido a auto-suficiência energética. Sendo um país de grandes dimensões e com uma população a rondar os 180 milhões de pessoas, ficar auto-suficiente em termos de energia é, não só uma sorte, como também uma importante conquista brasileira. Com algum petróleo, algum nuclear, e algum etanol, os brasileiros ficam assim na confortável posição de não estarem tão sujeitos às nervosas flutuações dos preços internacionais.
É verdade que o Brasil tem um clima quente, o que diminui a necessidade de aquecer as casas, e é também verdade que ter petróleo no território não acontece devido ao mérito, no entanto não devíamos desvalorizar a inteligência de várias gerações de políticos brasileiros, que apostaram em opções que há anos pareciam disparatadas. Tomemos como exemplo o etanol, produzido da cana do açúcar ou mesmo da beterraba. É vagamente semelhante ao álcool etílico que usamos em casa. Quando os brasileiros começaram a apostar nele, foram vistos como excêntricos, uma espécie de inventores malucos que faziam alambiques em casa. Na verdade, várias décadas mais tarde, a aposta revela-se muito interessante. O custo do etanol na produção é de cerca de metade do custo actual do petróleo transformado (em gasolina ou diesel). Ou seja, e desde que os carros estejam preparados para andar com etanol, o que já acontece com quase todas as marcas no Brasil, a factura que o consumidor paga pelo mesmo número de quilómetros percorrido no seu automóvel é quase metade. Neste momento, cerca de 30 por cento do mercado automóvel brasileiro, seja de ligeiros ou de pesados, já usa etanol, poupando assim imenso dinheiro em combustível. Acresce que uma boa notícia nunca vem sozinha, e o etanol é menos poluente do que o diesel ou a gasolina.
Quando ouço Sócrates falar em choque tecnológico, lembro-me sempre de coisas deste tipo. Portugal tem de importar todo o petróleo que consome, mas até hoje nunca se preocupou em perceber se seria viável mudar por exemplo
para etanol do Brasil. Isso sim, seria um verdadeiro choque tecnológico. Podíamos começar por importar de lá o líquido e o know-how, convidando a indústria automóvel a investir em fábricas onde se transformassem as viaturas para poderem circular a etanol. Depois, era só colocar um posto de etanol em cada bomba de combustível normal, facilitando o abastecimento. Numa segunda fase, e não sendo possível plantar cana-de-açúcar, talvez fosse possível plantar beterraba, e hectares por todo o país não faltam. Com o tempo, o país poderia diminuir drasticamente a sua factura energética, ao mesmo tempo que impulsionava a sua agricultura, a sua indústria, e o seu comércio. Com empenho de políticas governamentais que impulsionassem o etanol, tenho a certeza que os portugueses aderiam, com a sua saudável tendência para tudo o que seja novo e eficiente. Se temos elevados consumos de telemóveis, dvd, vias verdes, e carros com GPS, não há razão nenhuma para não acreditar que o etanol não podia funcionar. O governo podia por exemplo lançar um Imposto Automóvel do Etanol, que fosse 20 cento do actual IA, o que daria um excelente impulso à coisa. Depois, poderia obrigar a que todos os táxis, camionetas e camiões mudassem para etanol, o que baixaria logo os níveis de poluição.
Com o actual preço do petróleo, e com o diesel e a gasolina a atingirem valores tão altos, encher o depósito é cada vez mais duro. Num país onde existe uma paixão por automóveis, é um absurdo contra-senso não existir uma mobilização geral para nos vermos livres dessa estranha droga chamada petróleo. Assim, parecemos uns agarrados, cheios de neuras porque o preço da droga está a subir e a malta já não pode consumir as doses que consumia
Tal como no combate às drogas se aposta na substituição por metadona, no combate ao petróleo podíamos apostar em substituição por etanol brasileiro.
De Hugo Cruz a 21 de Maio de 2006 às 16:58
Ora bem! Concordo plenamente. O maior problema do nosso país, a meu ver, é andar a reboque do exterior, não acreditando em si mesmo, não procurando as suas próprias soluções. E, como deverá saber tão bem quanto eu, ao privado nada interessa fazer esse trabalho por nós, a menos que houvesse uma possibilidade de fazer render esse "know-how" lá fora... Assim, essa responsabilidade teria mesmo que recaír sobre o Estado. Mas também, não é assim mesmo que as coisas funcionam? É o Estado que deve zelar pelos interesses de todos em geral e concondo, portanto, consigo quando refere que essa mudança no sector energético seria um verdadeiro "choque tecnológico".
Como não é segredo para ninguém que Portugal sempre foi um país de inventores e descobridores e como também não é segredo para ninguém que há invenções e descobertas a serem feitas em Portugal ao todo o momento, então porque as coisas não mudam ou se mudam é para pior? Bem, a resposta não é assim tão complicada, pois não? falta de apoio governamental e falta de espirito de conquista criado por interesses estabelecidos...
É a nossa sina... E cá vamos andando, como disse e bem, como uns drogados!
Prazer, Cruz!
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