Sexta-feira, 25 de Agosto de 2006
Impostos podem salvar a Terra

Vivemos num mundo onde a procura de recursos energéticos não pára de aumentar, e, acima de tudo, onde não existe uma estratégia eficiente.

Martin Wolf

Como podemos enfrentar os riscos das mudanças climáticas resultantes da actividade humana? A doutrina divide-se, pelo que uns respondem “nada”, enquanto outros se mostram peremptórios: “prescindam dos combustíveis fósseis”. Aqueles consideram as alterações climáticas um embuste, estes a única causa digna de interesse. Pessoalmente, nenhum destes extremos me seduz. Devemos actuar, mas temos primeiro de saber como e até onde podemos ir.

A adaptação deve, pois, ser a essência da nossa resposta. Lembro, a propósito, que as concentrações atmosféricas de CO2 já dispararam de 280 partes por milhão (ppm) antes da Revolução Industrial para 380 ppm na actualidade. Para evitar novos aumentos, é essencial que as emissões decresçam para 60% o quanto antes. Todavia, as probabilidades de persuadir a Humanidade a reduzir o consumo de combustíveis fósseis são praticamente nulas, especialmente quando milhares de milhões de seres humanos anseiam ter o conforto energético dos chamados países desenvolvidos. E não podemos esquecer que existem jazidas de carvão suficientes para provocar um novo aumento do consumo caso o petróleo ou o gás falhem. A resposta pode, assim, passar por reduzir a intensidade energética da economia, por substituir os combustíveis fósseis por energias renováveis e por capturar e reter emissões. Um estudo recente de Klaus Lackner e Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, explica que se o uso de energia registar um decréscimo anual de 1,5% por unidade de produção, a procura mundial de energia primária pode vir a crescer 2,8 vezes até 2050 e 4,3 vezes até 2100. Sumariamente, trata-se de uma “experiência climática” com elevados riscos. Mas será possível impedir esta escalada ao mesmo tempo que satisfazemos a avidez energética da população mundial? A resposta é: sim, é possível, mas só até certo ponto. A Agência Internacional de Energia publicou um relatório extraordinário sobre as possibilidades tecnológicas hoje ao nosso dispor, onde realça que a redução só é possível mediante o uso eficiente da energia.

E quais serão as políticas mais adequadas para introduzir as mudanças necessárias? Antes de mais, deve contemplar três vectores: apoio e investimento em ID de tecnologias promissoras, imposição de padrões reguladores e, acima de tudo, encarecimento das emissões de carbono. As licenças de carbono são uma alternativa à última sugestão, muito embora alguns analistas defendam uma versão híbrida das duas.

William Nordhaus, professor na Universidade de Yale e um dos mais conceituados estudiosos do impacto económico das alterações climáticas, conclui que é premente substituir a emissão de licenças pela tributação das emissões de dióxido de carbono. Neste caso os países aplicariam um imposto comum, mas reteriam as receitas. Os países ricos poderiam, assim, transferir as tecnologias que permitem a redução das emissões por um preço subvencionado. A tributação nos países menos ricos seria, obviamente, inferior e não teria qualquer expressão nos países mais pobres.

Mas quais os benefícios desta abordagem? Primeiro, permite conhecer o custo marginal do carbono, torna-o previsível e relativamente uniforme em todo o mundo, ao invés de volátil como tem acontecido neste “consulado” de venda de licenças. Segundo, não seria necessário estabelecer bases de cálculo. Terceiro, poder-se-ia reduzir as transferências monetárias politicamente impopulares. Quarto, o imposto sobre o carbono permitiria reduzir a carga fiscal noutros países. Quinto, o imposto – ao contrário das licenças – reduziria a corrupção em larga escala. Sexto e último, os impostos sobre o petróleo também seriam tidos em consideração.

O grande contra, dizem, seria os impostos não respeitarem, necessariamente, as metas fixadas para as emissões. Esta é uma diferença fundamental no discurso de ambientalistas e economistas, pelo que se impõe uma análise rigorosa dos custos-benefícios passível de gerar consensos e que garanta que a luta contra o aquecimento global não vai sobrepor-se a tudo o mais, em particular ao desenvolvimento.

É sensato, porém, aplicar uma taxa social baixa com elevados benefícios na redução dos riscos provocados por situações extremas. Neste contexto, assistiríamos muito provavelmente a uma subida nos preços do carbono que, por sua vez, se traduziria num estímulo acrescido à redução de emissões. Para o prof. Nordhaus, o imposto deveria rondar os 16 dólares (13 euros) por tonelada de carbono, sujeito a aumentos progressivos. William Cline, do Institute for International Economics, com sede em Washington, defende 170 dólares por tonelada – valor que aumentaria para 600 dólares em 2100. Um imposto de 170 dólares arrecadaria globalmente 1.200 mil milhões de dólares, isto é, 3% do PIB mundial.

Mas qual é o ponto da situação? Pois bem, à laia de resumo, diga-se que vivemos num mundo onde a procura de recursos energéticos não pára de aumentar, onde a adaptação e a redução das fontes poluentes são onerosas e, acima de tudo, onde não existe uma estratégia eficiente. O Protocolo de Quioto é um gesto, não é uma política. Daí a importância de desenvolver novas tecnologias e de acordar um imposto comum. Mas conseguiremos dar este primeiro passo? Duvido.



publicado por psylva às 09:28
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