Quarta-feira, 29 de Novembro de 2006
Os maus da fita
Não se nega que o Governo tem legitimidade para alterar a legislação e aumentar os impostos aos bancos. É uma decisão política.
Todos os filmes, peças de teatro e a maior parte dos livros têm um mau da fita. Esta personagem existe, entre outras razões, porque permite enfatizar o papel do “herói”, destacando a sua bondade, eloquência, generosidade, e sentido de justiça. Apenas as peças mais complexas, filosóficas, aqueles enredos que nos estimulam a pensar, se libertam de tão fácil muleta.
Se os romanos, políticos experientes e com uma sofisticada noção de estado e do poder, e embebidos pela influência de grandes oradores romanos e gregos sabiam manipular o povo, mais de 20 séculos volvidos podemos afirmar que essa tradição não se perdeu. Na verdade nos últimos 20 anos até desceu consideravelmente de nível, uma vez que os impropérios e difamações entre políticos se tornaram habituais, revelando as incapacidades e a falta de nível de quem as profere.
Mas o que é que tem tudo isto a ver com impostos?!... É simples. Portugal está a passar um dos períodos mais complexos da sua história económica. O despesismo e desbarato de recursos entre 1995 e 2005 destruíram o sempre delicado equilíbrio da economia. A despesa pública e a ineficiência do sector público, acrescida da falta de estratégia e de uma política de concorrência séria, exigem – agora – sacrifícios desproporcionados aos Portugueses e coragem política para efectuar grandes reformas da economia, algumas das quais, como a desejada e necessária reforma do sector público, essencial para a sustentabilidade do sistema.
O crédito que contraímos com o excesso de despesa nesses anos, tem agora que ser pago. E numa “democracia”, esse crédito é pago através dos impostos. Estes estão permanentemente a subir, reduzindo o rendimento disponível dos cidadãos e levando muitas empresas a abandonar Portugal ou a fechar. No meio deste aumento de impostos, nada melhor do que atirar pão e circo para os “olhos” do povo, para que este não se revolte e seja apaziguado pelo espectáculo. E que melhores vitimas senão os bancos!??
A tradição cristã considerou até há poucos anos e ao longo de 2000 anos de história, a usura como um pecado, algo de sujo. O marxismo e o socialismo em geral, demonizou o lucro. A inveja, tão bem descrita no livro de Sampaio Bruno “ A geração nova”, torna os bancos o bode expiatório perfeito das frustrações de 7 anos de recessão/estagnação e descida do nível de vida dos Portugueses.
Na verdade, os bancos pagam impostos. Pagam IRC às taxas normais do resto da Europa, IVA não dedutível, Imposto de Selo etc.. A chamada taxa efectiva de tributação é, por vezes, um pouco mais baixa que nos outros sectores uma vez que a banca é mais internacional e recebe dividendos ou mais valias de operações já sujeitas a impostos noutros países.
Não se nega que o Governo tem legitimidade para alterar a legislação e aumentar os impostos aos bancos. É uma decisão política, como a de aumentar impostos para outros sectores de actividade, que tem sido uma constante nestes últimos anos. As normas internacionais de contabilidade (vulgo NIC) e o novo regime de provisões previsto na Proposta de Orçamento de Estado para o ano de 2007 vão certamente fazê-lo.
O que o Governo não tem é legitimidade para utilizar os bancos e para esconder dos olhos do povo os aumentos de impostos para 2007. Os fins não justificam os meios numa sociedade democrática. Se os bancos fazem ou encobrem actos ilegais a administração fiscal e as entidades supervisoras têm o direito e o dever de fiscalizar e sancionar essas condutas. Contudo, não se fazem julgamentos nem se condenam pessoas ou instituições na praça pública.
Acresce que, todo este espectáculo, todo este circo, pode fragilizar os bancos Portugueses, tornando-os por um lado presas mais fáceis para um ‘take-over’ de um banco estrangeiro e, por outro lado, pode originar a um aumento do preço do crédito para os bancos no mercado internacional, que seria pago por todos nós pessoas e empresas que se financiam nos mesmos.
Espera-se, para o bem do país, que o bom senso prevaleça sobre a demagogia política fácil.