Quarta-feira, 29 de Novembro de 2006
Sócrates e os banqueiros
O Governo vai pelo caminho errado. Não é a banca que deve pagar mais, mas todos os outros sectores que deviam pagar menos impostos.
Recentemente, o primeiro-ministro José Sócrates revelou a vontade do governo de obrigar a banca a pagar “mais impostos”. Segundo parece, não só a banca beneficia de taxas especiais, mais baixas, como aproveita também um enorme número de alçapões, truques, e outros malabarismos legais para evitar ao máximo pagar impostos. Assim sendo, o resultado é óbvio: apesar de nos últimos anos terem apresentado quase sempre lucros chorudos, os bancos não contribuem tanto como deviam para o equilíbrio financeiro do país. Daqui até ao ataque básico e primário, vindo do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista, é um saltinho. Para mais, há aquele desconforto da conjuntura. Então toda a gente faz sacrifícios, então há que cortar o ‘deficit’, e a banca, com lucros tão gigantes, não contribui com a sua parte?
Este populismo de esquerda contagiou obviamente o PS, e José Sócrates viu aqui uma boa oportunidade de se reconciliar com a esquerda, a tal que diz que ele não é de esquerda. A esquerda, é sabido, nunca gostou de capitalistas e banqueiros, e exulta com “medidas” que mostrem uma mão pesada com esses senhores. Sócrates sentiu o terreno fértil, até porque nos últimos meses a sua popularidade entre empresários e banqueiros estava em alta. Era pois o momento de os desiludir, sem causar demasiada revolta. Ainda por cima, o argumento do ‘deficit’ é quase inatacável, e o primeiro-ministro conseguiu deixar passar a ideia de que a situação é injusta, em especial nas actuais circunstâncias. Como quem diz: “se o tempo fosse de vacas gordas...”, outro galo cantaria.
Mas deixemos um pouco a táctica e a retórica de esquerda de lado, e falemos da questão em si. A banca paga menos impostos que os outros sectores? Sim, é verdade. Mas é isso mau para o país? É aqui que, para mim, a porca torce o rabo. Eu explico: as condições fiscais especiais dadas à banca nos últimos quinze anos não foram uma política errada. Bem pelo contrário, foram uma opção correcta. O país ganhou muito com isso. Talvez, de tão habituados que estão a lidar com os nossos bancos, os portugueses não se apercebam de quão modernos e eficientes eles se tornaram nos últimos tempos. Portugal tem, em especial na banca comercial, um dos sistemas bancários mais modernos e eficientes do mundo. Não, não é exagero meu. Em Espanha, aqui ao lado, não é possível fazer tanta coisa como nós fazemos numa simples caixa de multibanco. A maioria dos países da Europa ainda estão na “idade do livro de cheques”, e nem sabem que há, neste cantinho à beira-mar, possibilidade de depositar cheques, pagar contas de electricidade, água e outras, e até pagar impostos, simplesmente digitando o código do nosso cartão num visor que está em qualquer rua do país.
Quero eu com isto dizer o seguinte: o regime fiscal favorável de que a banca beneficiou foi uma “vantagem comparativa” que levou a mais modernidade e eficiência nesse sector. Todos nós, em Portugal, ganhámos com isso. É óbvio que a própria banca também ganhou, e lucrou, mas não se tratou de um acumulação egoísta de capital sem ganhos para os portugueses, bem pelo contrário. A nossa banca aumentou-nos a qualidade de vida, e devia ser aplaudida e não atacada.
Na verdade, o que o Governo devia era aplicar o regime que beneficia a banca a todos os outros sectores de actividade. Não é a banca que deve pagar mais, mas todos os outros que deviam pagar menos impostos. Esse é que devia ser o caminho, pois só assim os outros sectores poderiam renovar-se com eficiência, como a banca fez. Dito isto, não quer dizer que não existam truques especiais que devam acabar, ou alçapões legais que devam ser fechados. É claro que andar a brincar aos ‘off-shores’ para não pagar os impostos me parece excessivo, e devia ser proibido. Mas, uma coisa é aperfeiçoar o sistema, outra é destruí-lo. Lançar um ataque populista aos bancos pode dar conforto ao coração da esquerda e até ajudar um pouco a pagar o ‘deficit’, mas em si mesmo é ir no caminho errado.