É difícil explicar racionalmente por que haveria um banco de conceder, fosse a quem fosse, créditos superiores ao valor de uma propriedade.
A bolha dos preços dos activos obedece a duas fases que se repetem regularmente. A primeira respeita à teoria económica “fictícia”. Provavelmente já ouviu dizer que o paradigma muda quando há uma maior partilha do risco de crédito; ou que pode remeter para um aumento do rácio dos lucros/salários indefinidamente. A segunda fase concerne um prolongado estado de negação.
O crédito à habitação nos EUA está, actualmente, na segunda fase. É difícil explicar racionalmente por que haveria alguém de conceder um empréstimo avultado a indivíduos sem notação de crédito, ou por que haveria um banco de conceder, fosse a quem fosse, créditos superiores ao valor de uma propriedade.
A União Europeia (UE) está ligeiramente atrás dos EUA no que toca a estas extravagantes inovações financeiras, mas pouco. Pode dizer-se que existe uma indústria de crédito à habitação com taxas abaixo do mercado em países como Espanha e o Reino Unido, e a uma indústria de crédito à habitação a taxas normais. Como seria de esperar, foi naqueles mercados que se registaram os maiores aumentos dos preços imobiliários nos últimos dez anos, apesar de os europeus ainda se encontram na primeira fase da bolha.
Analisemos agora algumas estatísticas. Segundo os dados mais recentes da Ameco, a base de dados da UE, os sectores imobiliário e da construção representam, em Espanha, 18,5% do PIB – cerca de duas vezes mais do que a média da zona euro, contra 8,7% na Alemanha. Este cenário deve-se: ao fluxo líquido de imigrantes, grande parte da América Latina, que preferem comprar a arrendar casa; a mudanças no estilo de vida dos espanhóis, na medida em que os jovens saem mais cedo de casa dos pais; e à popularidade de que o país goza entre os cidadãos dos países nórdicos que procuram sol e praias. Há quem diga que se trata de um ‘boom’ estrutural e não de uma bolha.
Em Espanha, grande parte dos créditos à habitação está indexada a taxas variáveis, por isso, é natural que os aumentos nas taxas de curto prazo para mais de 4% comecem a ter impacto no sector da construção. As estatísticas monetárias dizem-nos que o ‘boom’ de crédito à habitação na Europa está, paulatinamente, a diminuir. No entanto, se a crise nos EUA no crédito à habitação com taxas de juro abaixo do mercado obrigar - como é provável - a uma reapreciação do preço do risco, Espanha será duplamente afectada pela subida das taxas de juro e dos spreads.
Ora, estando 18,5% da economia espanhola directamente ligada ao sector da construção, uma convergência gradual com a média da zona euro acabaria por penalizar o seu desempenho económico por longos anos. Foi o que aconteceu na Alemanha no período pós-reunificação, em que os preços da habitação estagnaram durante 15 anos, arrastando a indústria da construção para uma grave crise.
Sendo a taxa de crescimento de produtividade em Espanha uma das mais baixas da UE, é provável que a restante economia não seja suficientemente robusta para preencher o vazio deixado pela construção. Não é preciso ser um génio para perceber que vem aí uma “tempestade”. Pensar que os imigrantes da América Latina vão servir de tábua de salvação ao mercado imobiliário é tudo menos realista. Com efeito, está em curso uma mudança estrutural de uma sociedade conservadora para uma sociedade mais liberal, mas mesmo esta terá um fim. Acresce os compradores alemães e ingleses podem vir a encontrar alternativas e melhores preços noutros pontos do Mediterrâneo.
Passemos a outro exemplo. Na Irlanda, os sectores imobiliário e da construção representam 20,7% do PIB. E se é verdade que o desempenho económico irlandês foi notável nas últimas décadas, também é verdade que subsistem alguns problemas estruturais, como o facto de ter perdido competitividade no seio da UE. Se as taxas de juro continuarem a subir e se as finanças não forem saneadas, a Irlanda acabará por seguir o mesmo caminho que Espanha, mas mais rápido.
Recordo que a recessão no mercado imobiliário norte-americano ainda não terminou. E recordo também que, no passado, a correlação entre os movimentos dos preços imobiliários na Europa e nos EUA era bastante acentuada. Ora, se o tsunami transatlântico chegar à Europa, melhor será evitar os países costeiros nos próximos tempos.