Terça-feira, 3 de Abril de 2007
As duas Américas e por que são tão diferentes
Possuir mais recursos naturais não tem salvo a América Latina de um atraso que tem origem endógena e radica numa cultura política que quase nunca favoreceu a liberdade e a iniciativa
George W. Bush está a realizar uma viagem por vários países da América do Sul e a caricatura de muitos órgãos de informação apresenta-a como uma espécie de concurso de popularidade entre o Presidente americano e o líder venezuelano, Hugo Chávez. Mas, para além do folclore acessório, a verdade é que a América Latina hesita hoje entre dois caminhos: um é seguir a via democrática e liberal da América do Norte; o outro é regressar aos populismos mais ou menos autoritários que quase sempre marcaram a sua história. Muitos desses populismos foram alimentados pelo ressentimento face aos vizinhos ricos do Norte, vistos como origem de todos os males. É que, para infelicidade da quase totalidade da América Latina, raros foram ou são os seus dirigentes que tentam perceber por que razão a metade Sul do continente é muito mais pobre que a metade norte.
Na verdade, quando se olha para a história das duas Américas, encontramos muitas pistas para perceber por que no Sul se "escolheu" a pobreza e no Norte a riqueza, para citar a expressão do cientista político brasileiro António Paim.
A diferença não está nos recursos naturais. Muitos antes de nos Estados Unidos se ter descoberto ouro ou petróleo, já os espanhóis tinham saqueado as imensas riquezas dos impérios pré-colombianos e, na Bolívia, explorado reservas de prata sem fim. E ainda os EUA não eram EUA e já o ouro do Brasil permitia aos reis portugueses um fausto para que o nosso país nunca teve recursos. Quando na América do Norte os colonos ainda ensaiavam as primeiras culturas realmente produtivas, já o Brasil português era a primeira potência mundial na produção de açúcar. E mesmo hoje os recursos à disposição dos países da América Latina, do petróleo ao gás, do cobre ao ferro, são muito mais generosos do que aqueles a que podem aceder os Estados Unidos ou o Canadá. Até o potencial de produção agrícola, sobretudo no Brasil e na Argentina, é ímpar no mundo, beneficiando ambos os países de condições naturais muito melhores do que as existentes a norte.
A América Latina não é pobre porque lhe saiu em sorte ter poucos recursos - é pobre porque esses recursos alimentaram e alimentam oligarquias que não necessitam de fazer nada para assegurar o seu bem-estar e distribuir algumas migalhas em redor. E isso é válido tanto para o petróleo de Chávez como para a coca dos cartéis colombianos, FARC incluídas.
A razão para a pobreza num subcontinente que chegou a ser mais próspero do que o seu irmão do Norte (como era o caso do Brasil no século XVII, por comparação com as primeiras colónias inglesas) deve ser encontrada em profundas diferenças de cultura política. Em primeiro lugar (e o Brasil é de novo o melhor exemplo), o Sul foi amarfanhado pela Inquisição e não cultivou nem a liberdade, nem a tolerância, enquanto o Norte foi colonizado por homens que procuravam, antes de tudo, a liberdade, homens que fugiam das perseguições religiosas que haviam posto a Europa a ferro e fogo. Para além disso, eram individualistas e premiavam o espírito de iniciativa, algo que a sul, quem sob domínio espanhol ou português, quer depois das independências, vigorou quase sempre uma cultura patrimonialista e estatizante, governasse a esquerda ou a direita.
Aos Estados Unidos podem atribuir-se muitas culpas por depois terem feito uso do seu superior poder, mas dói lembrarmo-nos que um dos primeiros lugares do mundo onde a agricultura chegou a um estádio pré-industrial, antes mesmo da Inglaterra, um dos lugares onde poderia ter tido lugar a revolução industrial foram as explorações açucareiras do Brasil. Só que essas explorações definharam quando aqueles que faziam fluir o capital necessário aos grandes investimentos desapareceram, perseguidos que foram pela Inquisição. Referimo-nos, naturalmente, aos judeus.