Quinta-feira, 10 de Maio de 2007
UNi
Numa empresa que compete no mercado, o que conta é a competência da pessoa e a sua capacidade de gerar lucros.


Mais do que o caso Sócrates, o que atrai a minha atenção na Universidade Independente é a falta de qualidade da instituição. Professores que ensinam quatro disciplinas num só ano aos mesmos alunos, uma secretaria caótica e incompetente, sucessão de reitores mal-preparados, processos judiciais pouco claros... é difícil imaginar pior! A Independente é um caso extremo, mas revela algumas das fontes de problemas nas universidades portuguesas: a procura, os incentivos, e a diferenciação.

1. A procura. A existência de universidades como a Independente satisfaz uma procura por parte de pessoas que querem desesperadamente uma licenciatura. Mas porquê esta ânsia por uma folha de papel com um carimbo?

Numa empresa que compete no mercado, o que conta é a competência da pessoa e a sua capacidade de gerar lucros. Ter sido capaz de obter um curso numa boa universidade é um indicador de capacidade, mas um curso às três pancadas numa universidade medíocre não garante nada. Por cada queixa que leio na imprensa acerca da “cultura” portuguesa recompensar cursos e títulos independentemente de valor, leio outra queixa acerca de alguns “recém-licenciados” que ganham uma miséria em muitas empresas.

Há um empregador em Portugal, no entanto, que paga mais a um licenciado independentemente do seu trabalho ou de onde estudou. Por acaso, é também o maior empregador: o Estado. Porque é que milhares de alunos estão dispostos a sacrificar anos de vida e a pagar propinas altas a frequentar cursos onde não aprendem nada? Porque sabem que o canudo só por si lhes garante admissão, carreira, e salário na função pública. Foi esta a resposta que ouvi de alunos da Independente quando foram entrevistados.

2. Os incentivos. O economista Roberto Perotti recentemente resumiu os problemas no ensino superior italiano. Perotti nota que, embora em Itália e no Reino Unido as cargas lectivas e o financiamento por professor sejam idênticos, a produção científica em Inglaterra é muito maior.

Os problemas de fundo no sistema italiano são de incentivos. Primeiro, um professor tem emprego garantido para a vida. Independentemente do que produza ou do tempo que passa na universidade, pode contar com o emprego. Segundo, para cada vaga, abre-se um concurso e forma-se um comité de professores que avalia os candidatos. Analisando os dados, Perotti mostra que (i) os membros do comité em média têm menos produção científica do que os candidatos e (ii) ter uma posição anterior na universidade que abre a vaga é equivalente a ter mais 13 publicações científicas no impacto que tem na probabilidade de obter a posição. Terceiro, o financiamento das universidades depende em muito pouco da produção científica mas antes sobretudo do número de alunos por professor. Este é um indicador difícil de interpretar: muitos alunos tanto pode significar muita procura, como pode antes sinalizar pouca e fraca oferta.

Embora eu não conheça um estudo semelhante sobre Portugal, suspeito que o sistema seja semelhante ao italiano. Os incentivos acima implicam que, para o professor ter emprego e ser promovido ou para a universidade sobreviver, não conta quase nada a capacidade de produzir conhecimento.

3. A diferenciação. O problema de fundo nas duas questões acima descritas é a insistência do Estado na uniformidade. Como empregador, o Estado trata todos os licenciados por igual. Como financiador, insiste em não distinguir quem produz. Só que, ao não diferenciar e recompensar os melhores, distorce o mercado de trabalho e elimina os incentivos para ser melhor.

Um sistema de ensino superior onde o curso não garante emprego e salário e no qual a carreira dos professores depende da sua produção científica é necessariamente diferenciado. Neste sistema, os mais bem-sucedidos (porque são melhores, têm mais sorte ou, na maioria dos casos, ambos) são mais bem recompensados do que os menos bem-sucedidos. Casos como o da Independente não conseguiriam sobreviver neste mercado, sem serem precisas as opiniões ou acções do ministro Mariano Gago.


publicado por psylva às 09:35
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1 comentário:
De Luís Inácio a 4 de Outubro de 2007 às 12:39
Quem ler a sua opinião, provavelmente fundamentada na leitra de artigos que foram saindo nas revistas e jornais da praça, fica com a certeza que aquilo era uma confusão de todo o tamanho. Não era. E aborrece-me bastante toda a gente vir agora opinar sem conhecimento de causa.


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