Quinta-feira, 13 de Abril de 2006
Empregos
Temos menos emprego e de pior qualidade, mais vulnerável à competição externa alguns empregos só existem porque estão protegidos.
A França voltou às ruas, num protesto contra a possibilidade que a nova lei de Villepin abriu de criar maus empregos, pois são empregos sem a segurança que se tornou habitual associar ao bom emprego. Esta questão dos bons e maus empregos corresponde a uma visão muito europeia, ou melhor, muito continental, do mercado de trabalho. Quem não tem presente o desprezo dos políticos europeus, quando desdenham das menores taxas de desemprego que se observam nos Estados Unidos, explicando que isso se obtém à custa de Mac Donald jobs?
Ligado a esta visão está uma percepção muito pessimista da capacidade de adaptação de cada um de nós. Se for verdade que, quando alguém perde um emprego, fica eternamente condenado ao desemprego, então torna-se crucial defender esse emprego. E o desaparecimento desse emprego especifico vai condenar essa pessoa e vai trazer um peso para a Sociedade, que fica com a responsabilidade adicional de tratar dela. Basta ter uma prespectiva histórica um pouco mais longa para se perceber a falácia do argumento. A população activa na agricultura baixou historicamente de valores muito altos para cerca de 5% nos países mais desenvolvidos. Isso não causou desemprego em larga escala, pois as pessoas foram fazer outra coisa. Aliás é o facto de conseguirmos produzir todos os alimentos necessários (e mesmo excedentes) para toda a população, com apenas esta gente, que liberta os recursos humanos necessários para produzir outros bens e serviços, o que faz de nós uma sociedade bem mais próspera do no passado. E não teria feito sentido impedir a utilização da iluminação eléctrica, para proteger os empregos dos fabricantes de velas.
Na realidade a defesa do emprego para todos não passa, antes pelo contrário, pela defesa do actual emprego de cada um. Os empregos que são defendidos por legislação que torna quase impossível, ou muito caro, o despedimento, acabam por desaparecer à mesma, após uma agonia mais prolongada, se a actividade não for competitiva. A probabilidade de estar desempregado é muito menor nos Estados Unidos do que em França, e especialmente se pertencer em França a certos grupos, como os jovens das cidades satélites de Paris, entre os quais a taxa de desemprego é de 45%. O importante, para a defesa do emprego, é uma política económica que garanta um nível global de emprego, num quadro de flexibilidade, e não a defesa cega de todos os empregos actuais. Essa política, no curto prazo, é sobretudo uma política de estabilização macroeconómica, nas no longo prazo, o essencial é permitir que os empregos que existem sejam de facto em actividades competitivas. E isso só se consegue com mecanismos que facilitem a transição entre empregos, o que é o oposto da rigidez que os manifestantes franceses defendem na rua. O valor desta flexibilidade é tanto maior quanto mais rápida for a evolução do contexto económico, como acontece neste momento de autêntica revolução tecnológica. Há cinquenta anos as vantagens da flexibilidade em relação à segurança não seriam porventura tão grandes. E a grande vantagem dos empregos em actividades competitivas é que são por natureza muito mais estáveis. O que não se legisla, mas tem a enorme vantagem de ser um facto.
Com isto não se nega que os ajustes que são necessários tem custos. Todos estes processos têm atritos no mundo real, o que não se pode ignorar. E para algumas pessoas é muito difícil reagir adequadamente a essas mudanças. Mas esses custos estão ligados á rapidez da evolução das coisas e não desaparecem com a rigidificação do mercado de trabalho. Vão ser transferidos para outros, criando uma dicotomia entre insiders e outsiders difícil de compaginar com qualquer critério aceitável de justiça relativa. E pior, nesse processo de transferência, são ampliados. O resultado é um maior custo de ajustamento, distribuído de forma mais injusta. Temos menos emprego, e de pior qualidade, no sentido em que é mais vulnerável a competição externa, pois alguns empregos só existem porque estão protegidos.
A outra consequência desta análise é que torna claro que, pelo menos no longo prazo, não é verdade que haja uma tensão fundamental entre emprego e coesão social, como muitos defendem. O que há é uma tensão fundamental entre os empregados com uma posição de privilégio e os desempregados. A ilusão é pensar que é possível garantir cada emprego individual e ter simultaneamente uma economia que se ajusta o suficiente para criar emprego competitivo para todos. O Estado pode e deve garantir o emprego, mas não estes empregos.